Artigo Destaque dos editores

A concepção de responsabilidade civil e a tutela dos direitos extrapatrimoniais.

Algumas indagações e considerações

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VI. Para construir uma nova responsabilidade civil

Mesmo dentro de todas as observações expostas, grande parte dos aplicadores do direito brasileiro, principalmente parte da doutrina vassala do sistema anterior de (des)proteção dos direitos extrapatrimoniais, tenta ignorar a edição de uma conjunto normativo de tutela de situações atípicas. Ainda assim, quando aceita a proteção, circunda-se somente nos deveres negativos, deixando de lado os deveres positivos. O dever negativo é mostrado sob a forma direta da abstenção. Mas, quanto ao dever positivo, aquele que obriga implementar um fazer para obstar, parar ou não repetir o ilícito, continua a doutrina apontando para um conjunto de obstáculos teórica e legislativamente já superados.

Os direitos da personalidade tiveram o tratamento mais consolidado no Código de 2002. Isso é sentido na disposição da nova situação legislativa dos direitos da personalidade. Tais direitos, antes do Código novo, foram construídos no campo jurídico brasileiro em base das contribuições doutrinárias e na seguida evolução jurisprudencial. Foram elementos impulsionadores dessa alavancada a força de leis especiais e depois a incisiva menção de dispositivos constitucionais, principalmente os que tratam dos direitos fundamentais e a maior cláusula geral da nossa Constituição – o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III).

Em termos do Código novo, duas cláusulas gerais tratam diretemente dos direitos da personalidade, situadas nos arts. 12 e 21. O art. 12 prevê a tutela dos direitos da personalidade que tenha como objetivo a repressão da lesão. É uma situação onde já houve ou está em ameaça de haver lesão. É caso, pois de tutela de ressarcimento, própria das perdas e danos. Em relação ao art. 21 temos uma definição da tutela de prevenção do ilícito. É uma situação voltada para a prevenção, onde o dano é elemento desconsiderado de todo. A tutela volta-se para impedir o início, a continuação ou a repetição do ilícito. Aqui a tutela não pressupõe nem objetiva o ressarcimento, mas a prevenção. Não é preciso dizer que esse dispositivo não tem correlato no Código anterior.

O importante de se dizer diante dessas duas cláusulas gerais é que podemos hoje, com lastro na edificação de uma ordem jurídica nacional, falar em traços de uma teoria geral da tutela dos direitos da personalidade.

O primeiro elemento justificador de tal teoria geral é a existência de preceitos que formam um conjunto de vasos comunicantes, delineadores do corpo sustentador da tutela atípica da personalidade, principalmente em sua faceta ontológica de prevenção. A primeira fonte desta teoria é a Constituição Federal, principalmente nos os arts. 1º, III (a dignidade humana como valor fundamental da República), 3º, III (igualdade substancial) e 5º, § 2º (possibilitador do caráter aberto de todos os direitos da personalidade).

A questão que se impõe é constatar a impossibilidade de se formular uma tipificação dos direitos da personalidade ou a sua redução a um tipo-legal, exemplificado por um artigo ou conjunto de artigos, ou até mesmo de leis que tratam do tema. Como assinala magistralmente Tepedino,

Permanecem os manuais brasileiros, em sua maioria, analisando a personalidade humana do ponto de vista exclusivamente estrutural (ora como elemento subjetivo da estrutura das relações jurídicas identificadas com o conceito de capacidade jurídica, ora como elemento objetivo, ponto de referência dos direitos da personalidade) e protegendo-a em termos apenas negativos, no sentido de repelir agressões que a atingem. Reproduz-se, desse modo a técnica do direito de propriedade, delineando-se a tutela da personalidade de modo setorial e insuficiente. (Tepedino, 2002, p. 117)

A justificação de uma teoria geral dos direitos da personalidade é enfatizar o caráter integralizador do tipo de hermenêutica própria ao caso. Não se pode pensar uma forma de interpretação dos direitos da personalidade que se restrinja a uma parte, uma nuança, um ângulo do direito. Como aponta o professor Eros Roberto Grau, Não se interpreta o direito em tiras (Grau, 2002, p. 113).


VII. Considerações em remate

Como forma de arrematar essas breves considerações, podemos encerrar apontando a limitação da concepção clássica de responsabilidade civil - não mais abrangendo todas os direitos materiais concedidos pela ordem constitucional -, e sua construção histórica – como justificadora de uma cultura de tutela voltada exclusivamente para o ressarcimento ou reintegração. Depois, resta-nos aceitar como ponto elementar de qualquer consideração, a inexistência de um conceito de responsabilidade civil, sendo muito mais própria a qualificação de noção (idéia em movimento, fundada sobre contradições, que geram problemas que forçam sínteses).

Não podemos esquecer que a definição de ato ilícito trouxe consequências práticas indissolúveis da discussão da tutela preventiva, principalmente se tivermos como norte a situação dos direitos extrapatrimoniais e a sua respectiva tutela constitucional e infraconstitucional. Se houvesse espaço para uma conclusão, propor-se-ia que é necessário construir um uma nova responsabilidade civil, não simplesmente pela edição de um novo Código, mas pelo desnudamento de uma nova ordem jurídica que necessita se efetivar, longe da opinião doutrinária dos falsos clássicos, que desejam cristalizarem-se, e perto do espírito da efetividade e dos novos horizontes e exigências do direito material.

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VIII. Referências bibliográficas

COELHO, Francisco Manuel Pereira. O problema da causa virtual na responsabilidade civil. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. Vol. 1.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 7 ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

FRANÇA, Edílson Alves de. Responsabilidade civil objetiva: das discussões teóricas ao Código de Defesa do consumidor. Revista Jurídica In Verbis, nº 14, pág. 139-151, agosto/dezembro, 2002.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19 ed., São Paulo: Forense, 2000. Vol. 1.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil (processo de conhecimento). 5 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Vol. 1.

TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na Parte Geral do Código Civil de 2002. In Revista Forense, vol. 364, pág. 113-123.


Notas

  1. A ação dessa concepção pode ser claramente sentida na edificação de duas Escolas da responsabilidade civil: uma francesa (instituída sobre a responsabilidade civil como fundada na ordem pública); outra belga (instituída sobre a responsabilidade civil como fundada no interesse privado, sobre o manto da vontade).
  2. Esse ponto será retomado adiante de forma mais detalhada.
  3. Na mesma linha da ahistoricidade e atemporalidade do conceito como fonte de equívoco rotineiro no estudo do Direito, aponte-se o professor Ovídio A. Baptista da Silva, principalmente em sua obra sobre a Sentença Liminar, e, também, em suas palestras, a qual se mencione o recente minicurso realizado em Natal/RN, auditório da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (FARN), em março de 2003.
  4. A legislação italiana ordena a publicação da sentença em meios de comunicação além do oficial em alguns casos de violação de direitos extrapatrimoniais. A doutrina daquele país, por seu lado, entende nessa exigência uma forma de reparação in natura de direitos extrapatrimoniais. Aqui no Brasil há entendimentos semelhantes, embora não haja a obrigação de publicação da sentença fora da publicização normal dos julgados e de sua publicação na imprensa oficial.
  5. Em termos genéricos, o direito subjetivo é entendido como faculdade de exercer o poder que a lei concede. E, caso verificada a condição ou ocorrido o termo, surge para o titular do direito subjetivo o poder de exigir a satisfação (pretensão) da obrigação e para o sujeito passivo o dever de satisfazê-la. Acontece que nos direitos absolutos não precisa haver uma situação posterior que dote o direito subjetivo de exigibilidade, ele mesmo, desde o início, já é dotado de pretensão, e, assim, se impõe sem condição ou termo que o preceda.
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Sobre o autor
Antonio Gleydson Gadelha de Moura

Professor de Direito Constitucional e Processual. Professor Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Antonio Gleydson Gadelha. A concepção de responsabilidade civil e a tutela dos direitos extrapatrimoniais.: Algumas indagações e considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2185, 25 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13043. Acesso em: 24 nov. 2024.

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