O noticiário recente, em função de disputas políticas intestinas ao Senado Federal expôs de forma contundente e insofismável a produção de atos administrativos de nomeação e posse em cargos comissionados, os ditos cargos em confiança.
Todavia, os tais atos administrativos possuíam uma característica bastante peculiar, o segredo! Tratavam-se de atos administrativos secretos.
Sublinhe-se que o presente estudo, bastante perfunctório, diga-se, irá se ater tão-somente ao cumprimento dos princípios constitucionais da moralidade, publicidade e impessoalidade a que se submetem os atos administrativos, não se perquirindo, pois, sobre a competência para expedir o ato, a motivação e a sua finalidade.
Tem-se assentado que administrar é cumprir a lei de ofício. A administração pública tem funções específicas (legislativas, executivas, judiciárias, que se desdobram em funções conformadoras, prestacionais e regulatórias) que se desenvolvem por intermédio da atividade administrativa.
Segundo os ensinamentos de Marçal Justen Filho [01] "a função administrativa se concretiza e se desenvolve como atividade administrativa. Ou seja, a função administrativa é um conjunto de competências criadas pelo ordenamento jurídico. O exercício dessas competências faz-se por meio de ações (e omissões) de pessoas jurídicas e de pessoas físicas. Esse exercício concreto das competências administrativas consiste na atividade administrativa".
Isto é, a função administrativa se concretiza por meio de uma atividade corporificada em atos ou sequência de atos, que são os atos administrativos, que Celso Antônio Bandeira de Mello [02] assim define, com costumeira sapiência:
"Declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares à lei (...) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional".
Deste modo verifica-se que o ato de nomeação de uma determinada pessoa para cargo em comissão configura-se como ato administrativo, elaborado e proferido no seio de atividade administrativa tendo por finalidade equipar os recursos humanos da administração pública, notadamente para aqueles cargos de mais alto coturno, com pessoas capazes, aptas e da confiança do administrador público, no sentido de que o interesse público será melhor atendido.
Os atos, na qualidade de concretizadores da função administrativa, de informadores da vontade estatal devem se ater aos ditames do ordenamento jurídico pátrio seja no que tange à sua produção quanto aos efeitos esperados.
Isto posto, tem-se que este ato de nomeação deve respeitar estritamente os princípios constitucionais que regem a administração pública, a legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade.
Assim, o ato deve ser perfeito, válido e eficaz para produzir os efeitos pretendidos; vale dizer, o ato deve ser produzido de acordo com o procedimento estabelecido em lei e uma vez produzido passa a irradiar efeitos jurídicos.
Os atos administrativos secretos, expedidos no Senado Federal, decerto produziram efeitos jurídicos dado que as pessoas nomeadas foram empossadas nos cargos de confiança e passaram a perceber a remuneração respectiva e a cumprir (?) o ofício para os quais foram designadas. Tudo isso inobstante o desrespeito flagrante ao princípio constitucional da publicidade.
É curial que os atos administrativos para serem eficazes e válidos devem ser publicados segundo as normas legais; assim sendo não se pode admitir que atos secretos produzam efeitos e neste sentido de se dizer que os atos administrativos enquanto não publicados são mero fruto da intelecção do administrador.
Sem a publicação, como já dito, o ato administrativo não pode afetar a esfera jurídica de ninguém, eis que falta solenidade constitucional e essencial, caso se produzam efeitos, o que se dará ao arrepio da legalidade, tanto o agente público que der causa ao ato quanto aquele que dele se aproveita deverão responder civil, criminal e administrativamente.
Isto porque o agente público não pode agir em contrariedade ao ordenamento jurídico, e expedindo ato secreto e permitindo que mesmo nessa condição ele produza efeitos jurídicos com proveitos pessoais e econômicos de certo que há flagrante ilegalidade.
Nada obstante, pode se aduzir que há violação manifesta também aos princípios da impessoalidade e da moralidade, eis que os atos de certo não atinaram para o interesse público e não se revestiram da honestidade devida, na medida em que o agente público tem o dever de agir em prol do interesse e finalidades públicas utilizando-se dos poderes instrumentais conferidos pela lei e na forma da lei.
Não se perquire sequer se tais ato de nomeação visavam ao interesse público, posto que, uma vez revestidos do inconstitucional e inconcebível segredo, de certo que suas motivações, ao que parece, passavam ao largo da moralidade e impessoalidade.
Verifica-se de plano que os atos secretos padecem de vício e ainda que tenham produzido efeitos protraídos no tempo não há como se imaginar convalidação face à gravidade gigantesca consubstanciada na falta de legalidade, publicidade, moralidade e impessoalidade.
Deste modo, ainda que em análise superficial do tema extenso relativo aos atos administrativos, seus elementos, atributos, validade e eficácia, verifica-se de modo claro e inequívoco que os "atos secretos" expedidos no seio administrativo do Senado Federal devem ser nulificados, retornando-se ao estado anterior das coisas, havendo a exoneração daquelas pessoas nomeadas com base nos instrumentos ilegais, sendo inafastável a adoção de medidas visando o ressarcimento ao erário.
Por fim, é bom lembrar que o ato administrativo deve sempre ser expedido por sujeito competente, segundo uma motivação legal, dentro das formalidades exigidas (dentre elas a publicidade), com objeto lícito e possível, para atender finalidades públicas precípuas
A Constituição é a lei das leis, ali está determinado que a administração pública no exercício de suas funções, todas elas, está jungida a princípios que têm força normativa de aplicação geral e imediata, de modo que os representantes do povo e dos Estados da Federação devem ser os primeiros a guardar respeito pelo Texto Maior, sendo certo que para tais agentes, qualquer conduta que sobreleve tais princípios, deve ser integralmente rechaçada através dos meios legais competentes.
Deste modo se respeita o Brasil, seu povo e sua Constituição!
Notas
- Justen Filho. Marçal. Curso de Direito Administrativo. Ed. Saraiva. 4ª ed. 2009. p. 232
- de Mello. Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 26ª ed. 2008. p 382.