A Prefeitura Municipal de São Paulo, no dia 16 de junho de 2009, disponibilizou o sítio eletrônico "De Olho nas Contas", inserto no seu sítio eletrônico oficial. Esse endereço funciona como um portal da transparência, e está divido entre secretarias municipais e empresas públicas municipais.
No que se refere às secretarias, pode-se consultar os contratos administrativos firmados, liquidações e liquidações por fornecedor.
Com relação às empresas públicas, pode-se consultar o estatuto social, o organograma, a relação dos conselhos fiscal e administrativo, balancete e pagamentos.
Outrossim, nas duas hipóteses, há outra opção de consulta, que gerou polêmica e cuja divulgação foi decidida pelo Poder Judiciário: a relação nominal de servidores comissionados e efetivos.
É possível, através de simples acesso aos referidos sítios eletrônicos, consultar a lista nominal de todos os servidores públicos, efetivos e comissionados, com as respectivas remunerações, os cargos que ocupam e o setor no qual exercem suas funções públicas.
Diante da divulgação dos referidos dados, a Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos Municipais de São Paulo e o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal, impetraram os mandados de segurança nº 180.589-0/3-01 e 180.176-0/7-00, em face do ato do Prefeito Municipal que determinou a divulgação da lista nominal no citado sítio eletrônico "De Olho nas Contas".
O primeiro mandado de segurança teve sua peça inicial indeferida. Em sede de agravo regimental, foi concedida a medida liminar a fim de suspender o ato atacado. Na segunda ação mandamental, foi deferida medida liminar pelo desembargador-relator. Em ambas as ações, as razões para concessão da cautela pleiteada decorreram da inexistência expressa de previsão na lei municipal e no decreto regulamentador da hipótese de divulgação da remuneração bruta dos servidores; possível vício formal de projeto de lei de iniciativa exclusiva do Poder Executivo Municipal; impossibilidade de divulgação de dados que colocam em situação de perigo a segurança pessoal e patrimonial dos servidores (nome, local de trabalho e remuneração); inexistência de irreversibilidade da segurança liminar pleiteada.
O Município de São Paulo, objetivando modificar as decisões proferidas no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ajuizaram suspensão de segurança perante o Supremo Tribunal Federal, que recebeu a numeração 3.902-4.
O Ministro Presidente Gilmar Mendes, relator da citada suspensão de segurança, em decisão monocrática de brilhantes ponderações, deferiu o pedido para suspender a execução das medidas liminares concedidas nos mandados de segurança mencionados.
Em síntese, em que pese o Ministro Presidente ter mencionado que a divulgação de lista nominal vinculada à remuneração pode gerar inúmeras confusões, há, ao menos nesse específico caso, a prevalência do princípio da publicidade, em decorrência da existência de grave lesão à ordem pública, haja vista que todos os atos da Administração Pública devem ser pautados, sobretudo, na transparência.
Observa-se na hipótese ora analisada um conflito normativo e principiológico. O que deve prevalecer? O princípio da publicidade ou a garantia de respeito ao direito à intimidade e à garantia de segurança?
O caput do artigo 37, da Carta da República, é claro ao dispor que:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte".
Destarte, é notório que os atos da Administração Pública devem respeitar o princípio da publicidade, ou seja, deve haver ciência da sociedade de todos os atos oriundos do Poder Público.
A contrario sensu, o artigo 5º da Lei Maior, que dispõe acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, garante nos incisos X e XXXIII, respectivamente, o direito à intimidade e à garantia de segurança:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Não há dúvidas de que a transparência é intrínseca a Administração Pública. Entretanto, há que se dividir o valor destinado ao servidor público, a título de remuneração, em diferentes etapas.
Enquanto o valor pertence ao Poder Público, ou seja, enquanto for detentor daquela importância, deve-se prevalecer o princípio da publicidade. A partir do momento em que aquele valor é transferido ao servidor público, restando o mesmo na sua respectiva conta corrente, não há mais incidência do citado princípio constitucional.
Tal tese é de simples explicação. Anteriormente à data de pagamento, o valor referente à determinada remuneração compõe o capital total daquela instituição pública. Ele apenas é definido, separado, para ser entregue a determinado servidor público em uma data específica.
Após a data de pagamento, realizado o depósito na conta corrente do servidor, aquele valor escapa da esfera de vigilância e responsabilidade do Poder Público, cabendo à pessoa física do servidor público zelar por aquela importância e utilizá-la da forma que entender melhor.
Destarte, só se deveria relacionar o nome do servidor público à sua remuneração em um momento posterior à entrega de determinada quantia a título de remuneração.
A Constituição da República é clara ao garantir ao cidadão o direito à intimidade e, sobretudo nessa hipótese, à garantia de segurança. A exibição de lista nominal vinculada à remuneração deve ser considerada uma violação à intimidade, tendo em vista a relação direta entre remuneração e pessoa física, ultrapassando as raias do serviço público.
No que se refere à garantia de segurança, é notório que relacionar determinada pessoa a certa quantia, seja ela vultosa ou não, a expõe perante a sociedade, e, quando se fala em sociedade, fala-se em pessoas de boa e má índole. Sabe-se que, nos dias atuais, são crescentes os casos de violência contra qualquer cidadão, sem haver a distinção da remuneração de cada um.
Com relação ao furto e roubo de veículos, ou dos pertences de seus passageiros, por exemplo, não são unanimidade os veículos de alto custo aquisitivo. Ao contrário, segundo pesquisa realizada pela Superintendência de Seguros Privados, os veículos mais roubados do país são os de menor valor. É um dado relevante que demonstra que a violência atinge a qualquer cidadão.
Destarte, não é seguro, de fato, exibir uma lista nominal vinculada à determinadas remunerações, seja a pessoa física exercente de cargo público ou até mesmo de função na iniciativa privada, ocorrendo, outrossim, violação a direito inserto na Lei Maior, qual seja, de garantia de segurança.
A fim de respeitar o princípio da publicidade, requisito fundamental que a Administração Pública deve consagrar, seria interessante que, ao invés de se publicar lista nominal, divulgassem apenas o nome do cargo, seu setor de atuação e sua remuneração.
Ou ainda, a fim de demonstrar à sociedade que aquele cargo está sendo exercido, poderia o Poder Público divulgar a matrícula funcional associada àquele cargo, além, é claro, da remuneração. Nesse sentido, aliás, foi a sugestão do Ministro Gilmar Mendes, a fim de indicar um meio de amenizar as desarmonias que podem ocorrer.
Desta forma, estariam garantidos o respeito à intimidade e à garantia de segurança, bem como a transparência no serviço público.
É importante ressaltar que, mesmo que não seja divulgada a lista nominal, instituições públicas a quem competem determinados controles, poderão requerer tais informações, ou seja, não haverá, a qualquer tempo, violação ao princípio da publicidade.