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A competência internacional para a dissolução da sociedade conjugal

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26/07/2009 às 00:00
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*9. Demais causas de exclusão e inclusão da competência internacional

A doutrina aponta que, a despeito de determinada situação concreta subsumir-se a uma das hipóteses previstas no art. 88 do Código de Processo Civil, ainda assim não atrairá a competência das autoridades judiciárias brasileiras.

Tal exclusão da competência decorre do princípio da efetividade, pelo qual a inexequibilidade da sentença proferida no Brasil, perante o país em que é destinada a produzir efeitos, recomenda que o Judiciário brasileiro decline da jurisdição, uma vez que seu exercício será em vão. [37] Para Amílcar de Castro, a autoridade judiciária deve declarar-se incompetente quando não tenha razoável certeza da exeqüibilidade da sentença. [38]

Mas em se harmonizando o princípio da efetividade com o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5°, XXXV, da CF) e da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da CF), resultará na vedação da mera projeção do ordenamento jurídico nacional sobre o estrangeiro como base para a exclusão da competência da autoridade judiciária brasileira: o que não se homologaria aqui, portanto não se homologará lá. Esta sistemática prevaleceu no Código de Processo Civil de 1939, mas foi banido do atual, como ensina Luiz Olavo Baptista:

"Este adotava o método da determinação indireta. Havia, naquele diploma, a possibilidade da bilateralidade, que no sistema atual não existe. No sistema anterior, as regras eram bilateralizadas, isto é, a competência jurisdicional dos demais Estados seria como que um espelho da brasileira, e nossos juízes poderiam dizer que os tribunais estrangeiros seriam incompetentes em situações simétricas, mas inversas a de suas próprias competências." (Ob. cit., p. 185.)

Sob a nova ordem jurídica, não há outra solução senão a dificultosa incursão pelo ordenamento jurídico estrangeiro. O autor, explicitando na inicial os motivos pelos quais a sentença será exequível no exterior (embora acreditemos que as razões de exclusão devam ser mais contundentes, porque cerceiam o direito ao acesso à jurisdição, além de que, se um caso está abarcado pelos arts. 88-89, há forte indício de competência). O juiz, antes ou depois de estabelecido o contraditório, demonstrando em sua fundamentação que o princípio da efetividade exige que seja afasta a jurisdição nacional. Nas palavras da ilustre Ministra Nancy Andrighi, em voto proferido no RO 64/SP, diante da declaração de incompetência internacional pelo juízo a quo: "Assim, especialmente em hipóteses em que o juízo opte por extinguir o processo antes mesmo de determinar a citação do réu, é necessário que ele vá além e exponha os motivos que o levaram a atuar de tal maneira." [39]

A fim de se aumentar a segurança na interpretação do direito estrangeiro, seria recomendável a oitiva de um expert oriundo do respectivo país, embora uma medida desta ordem deva ser impraticável para a maioria dos litigantes, nas ações envolvendo Direito de Família, devido a seu alto custo. Nelson Nery, por exemplo, relata que prestou informações, sob juramento, a tribunal estadunidense, a respeito da competência concorrente da Justiça brasileira para determinada demanda e do tempo médio da duração do processo, no Brasil, para que aquele tribunal estrangeiro pudesse formar sua convicção se deveria exercer o ato discricionário de declarar-se competente para julgá-la (forum non conveniens). [40]

O princípio da territorialidade, segundo o qual o juiz aplica somente as normas processuais nacionais, não resta infringido pelo exame da legislação estrangeira no que tange à viabilidade de homologação da sentença brasileira no exterior, por ser este ato uma inevitável decorrência da aplicação do princípio da efetividade. Não raro uma regra processual só pode ser interpretada a partir de elementos extrínsecos à disciplina, como, por exemplo, a que determina ser a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro regida pela lei que nele vigorar (art. 13, da LICC), ou a apuração da legitimidade ad causam, que se faz por meio do exame do direito material.

No atual estágio dos costumes sociais é razoável crer que a grande maioria dos Estados permita a dissolução de sociedade conjugal, motivo pelo qual se torna provável a obtenção da homologação e execução da sentença brasileira no exterior.

Nem mesmo a existência de bem imóvel no estrangeiro, que eventualmente determinaria a competência exclusiva do país em que este se localiza, deve tornar a sentença brasileira inexeqüível, pelo menos em sua totalidade. Neste sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal homologou sentença estrangeira de separação judicial e guarda de filho do casal, com exceção à partilha dos bens no Brasil. [41] Pode muito bem um tribunal estrangeiro adotar semelhante razão para homologar as sentenças brasileiras, com exclusão da partilha de bens.

Ademais, uma sentença brasileira a qual foi negada homologação no exterior não é nula para o ordenamento jurídico nacional, mas sim ineficaz em relação ao Estado que a recusou. Neste sentido são as lições de Leonardo Greco. [42] Portanto, mesmo que uma sentença proferida por juiz brasileiro não reúna os requisitos para sua homologação por Estado estrangeiro, ela não deixa de produzir seus normais efeitos no Brasil, de maneira que as partes no processo passarão a sustentar a condição jurídica de quem, para o direito interno, é separado judicialmente, divorciado ou teve o casamento anulado ou declarado nulo. Yussef Said Cahali admite esta possibilidade:

"É inevitável reconhecer-se que, preservado o estado civil dos cônjuges, estes (independentemente dos respectivos domicílios) serão considerados separados judicialmente ou divorciados perante a Justiça brasileira, ainda que sejam reconhecidos como casados perante a Justiça do país do domicílio do demandado." (Ob. cit., p. 525.)

Os efeitos patrimoniais de uma sentença brasileira de dissolução da sociedade conjugal não homologada no exterior, no que tange à partilha de bens ou a fixação de alimentos, podem ser satisfeitos com os bens do réu existentes neste país, ou ainda, se estes não existirem contemporaneamente à condenação, poderão vir a existir no momento em que o condenado pela sentença retornar ao país com eles. [43]

Para a parte domiciliada no Brasil, isto pode ser o suficiente para a pacificação de seu conflito, permitindo-a prosseguir sua vida sem estar legalmente vinculada com o ex-cônjuge.

Outro fundamento que pode afastar a competência internacional do juiz brasileiro é a exclusão por desinteresse, pois o resultado do processo, como assevera Cândido Rangel Dinamarco, "nenhum beneficio traria ao próprio Estado, à sua população, à integridade de seu território ou às suas instituições" (... ) "não haveria por que um Estado pretender atuar seu poder com o objetivo de proporcionar a paz social no âmbito de outro Estado." [44]

Poderia ocorrer, por exemplo, que um cônjuge, estrangeiro residente e domiciliado no exterior, ajuizasse, no Brasil, ação judicial de separação litigiosa em face do outro, também estrangeiro residente e domiciliado no exterior, afirmando haver como elemento determinador da competência da autoridade judiciária brasileira o fato de que réu cometeu adultério no país, durante as férias que aqui passaram juntos. Embora o ato narrado pudesse se enquadrar no art. 88, inc. III, entendemos que deveria ser afastada a competência, com fundamento na exclusão por desinteresse.

Há dissensão quanto à taxatividade do rol do art. 88, do Código de Processo Civil. Para os que o consideram taxativo [45], se o réu não for domiciliado no Brasil, neste país tiver que ser cumprida a obrigação, ou a ação se originar de fato ocorrido ou ato praticado no Brasil (ou não houver previsão de competência em tratado internacional), será incompetente a autoridade judiciária brasileira.

Os que o consideram não taxativo, encontram justificação para a inclusão de hipóteses de competência internacional, não contempladas no art. 88 (ou em tratado internacional), a partir de outros conceitos e princípios que regem a matéria, em especial o interesse do Judiciário brasileiro no julgamento do litígio, bem como o princípio da submissão.

O referido interesse da atuação da jurisdição advém do dever do Estado de assegurar a concretização de certos valores jurídicos de maior importância. Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, tendo como fundamentos a proteção aos direitos humanos e os princípios que devem reger o país nas suas relações internacionais, estabeleceu que há interesse no julgamento de uma demanda proposta por francês naturalizado brasileiro, de origem judaica, em face da República Federal da Alemanha, em razão dos danos que diz ter sofrido durante a ocupação do território francês na Segunda Guerra Mundial. [46]

Igualmente, no sentido do alargamento da competência, José Carlos Barbosa Moreira entende ser admissível que as autoridades judiciárias nacionais dêem-se por competentes quando da omissão possa ocorrer a denegação de justiça, por falta de competência também do juízo estrangeiro, desde que haja um elemento de ligação da causa com o Brasil ou aqui se produza algum efeito útil. Mencionou o doutrinador uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, segundo a qual, diante da prévia declaração de incompetência de tribunal estrangeiro, passaria a ser competente a Justiça brasileira para processar e julgar uma ação de divórcio ajuizada por marido domiciliado no Brasil, em face da mulher residente no exterior [47]

Quando se nega a alguém domiciliado no Brasil o acesso à jurisdição para obter a dissolução da sociedade conjugal e do casamento, pode não lhe restar outra alternativa, na criação de nova família, senão a formação de união estável, o que contraria a preferência dada pela Constituição Federal ao casamento, nos termos de seu art. 226, § 3°, ainda que seja em novas núpcias.

Pelo princípio da submissão, que é encontrado no Código Bustamante (art. 318) - cujos princípios o Brasil deve utilizar para a solução de controvérsia mesmo com os Estados não parte da Convenção de Havana -, o réu ou as partes, de comum acordo, aceitam submeter sua demanda à jurisdição de Estado que não seria competente para conhecê-la e julgá-la, por não estar compreendida no rol dos arts. 88 e 89. [48]

Contudo, o princípio da submissão não poderá ser aplicado quando ofender o princípio da efetividade e quando a competência for exclusiva da Justiça estrangeira [49] e quando não estiver também presente o interesse do Estado brasileiro no julgamento do litígio.

Há quem entenda haver fundamento no art. 7°, da LICC, para se fixar a competência internacional do juiz brasileiro nas ações que envolvem o Direito de Família, porque sua redação estabelece que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. [50] Para Yussef Said Cahali, em seu comentário sobre o art. 7°, "se o direito brasileiro assegura ao cônjuge aqui domiciliado o direito à dissolução da sociedade conjugal ainda que o outro cônjuge esteja domiciliado ou residindo no exterior, não pode negar-se a Justiça brasileira à prestação jurisdicional para a pretensão reclamada." [51]

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Em sentido diverso, considera-se que o referido artigo trata exclusivamente da aplicação do direito material, no conflito de leis no espaço, pertencendo ao Direito Internacional Privado e não ao Direito Processual Civil Internacional. [52]


*10. Outras questões processuais pertinentes

Quando se faz necessária a prática de um ato processual no exterior, solicita-se, por meio do instrumento jurídico denominado carta rogatória, a cooperação internacional do Estado estrangeiro, para que lhe dê cumprimento. A carta rogatória pode ser ativa, no caso em que se visa a seu cumprimento no exterior, ou passiva, quando remetida de Estado estrangeiro para cumprimento no Brasil.

Conforme pacífico na doutrina e jurisprudência, o ato ao qual se solicita a realização não pode ter caráter constritivo ou executório, abrindo-se exceção apenas na hipótese de haver convenção internacional que disponha em sentido contrário. Assim, por exemplo, podem-se cumprir citações, inquirições de testemunhas, realização de perícias, mas não a penhora de bens, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal. [53] Igualmente, não serão cumpridas, no Brasil, as solicitações que violem a soberania, a ordem pública e os bons costumes, por força do que determina o art. 17, da Lei de Introdução ao Código Civil.

Não sendo as questões relativas às cartas rogatórias reguladas por meio de convenções internacionais bilaterais ou multilaterais, genéricas ou específicas, a matéria é regida pelo disposto no art. 210, do Código de Processo Civil, que determina sua remessa pela via diplomática, por meio do Ministério da Justiça e das Relações Exteriores. Na ausência de representante diplomático, o ato deve se realizar por edital, devido à inacessibilidade do país estrangeiro (art. 231, § 1°, do CPC). [54]

O envio de cartas rogatórias, pela via diplomática, é disciplinado também pela Portaria n.° 26, de 14 de agosto de 1990, expedida pelo Chefe do Departamento Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores e o Secretário Nacional dos Direitos da Cidadania e Justiça do Ministério da Justiça. Há, ainda, no website do Ministério da Justiça, recomendações bastante específicas para o seu envio, individualizadas para cada país. Por exemplo, nas cartas dirigidas ao Japão, não se deve empregar o termo "intimação", por ser o termo considerado pelas autoridades daquele país como medida executiva que pode impedir seu cumprimento. [55]

Tratando a competência internacional, em termos mais exatos, da determinação de qual jurisdição internacional pode-se ou deve-se atribuir o processamento e julgamento de certa demanda, ela não se confunde com o instituto da competência interna, que é a divisão de uma única jurisdição entre os diversos órgãos judiciários do país. Por conseqüência, não existe a distinção entre incompetência internacional absoluta e relativa. [56] Mas se fosse aplicada esta distinção, a competência internacional seria de natureza absoluta, porque estabelecida em favor do interesse público, não podendo ser derrogada pelas partes. [57]

Mas, segundo algumas decisões judiciais, prorroga-se a competência quando o réu não alegar a incompetência internacional, [58] o que resulta em equipará-la à incompetência relativa. Ademais, em decorrência do princípio da submissão, pelo qual a autoridade judiciária de um país passa a ter competência internacional para um litígio, devido à aceitação do réu à jurisdição, em muito se assemelha à prorrogação de competência relativa, prevista para o direito interno no art. 114, do Código de Processo Civil.

Em Direito Processual Civil Internacional também ocorre o fenômeno da perpetuatio jurisdicionis, [59] segundo o qual não alteram a competência, que é fixada no momento em que a ação é ajuizada, as modificações no estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, exceto se suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria e hierarquia, de acordo com o que dispõe o art. 87, do Código de Processo Civil, ou por decorrência de outro critério de natureza absoluta. Portanto, a mudança de residência ou domicílio das partes não alterará a competência fixada na ação que já estiver em curso.

Quanto à distribuição da competência interna entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal, para esta última somente pode ser fixada em razão das pessoas e matérias contidas no rol taxativo do art. 109, da Constituição Federal. Como dele se extrai que nem todas as ações envolvendo o Direito Internacional implicam na competência da Justiça Federal, elas caberão, portanto, à Justiça Estadual, cuja competência é residual. Nessa esteira, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "o simples fato de ter o réu domicilio no exterior não atrai a demanda para a competência da Justiça Federal." [60]

Na aplicação do Decreto n.° 56.826/65, que promulgou a Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, a qual regula a cooperação internacional em matéria de alimentos, complementado pelo art. 26, da Lei n.° 5.478/68, quando a Procuradoria Geral da República atua como instituição intermediária, sendo o alimentando residente no exterior e o alimentante no Brasil, a competência é da Justiça Federal, [61] mas, com base nesta Convenção, quando o alimentante reside no exterior e não há a atuação da Procuradoria Geral da República, a competência é da Justiça Estadual [62]

Mesmo diante da ocorrência de conexão de ações, elas não poderão ser reunidas, quando uma for da competência da Justiça Federal e a outra da Justiça Estadual, pois a ação conexa não estará inclusa em uma das hipóteses elencadas no rol do art. 109, da CF. [63]

Contraria este entendimento o precedente do Superior Tribunal de Justiça que determinou a reunião, perante a Justiça Federal, de demanda de busca e apreensão de menor, ajuizada pela União em face da mãe, legitimada pela "Convenção dos Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças", com ação de guarda, ajuizada perante a Justiça Estadual, cujas partes eram os pais do referido menor. Segundo ficou decidido: "A presença da União Federal como autora de uma das ações impõe a competência da Justiça Federal para o julgamento das demandas, tendo em vista a exclusividade do foro, prevista no artigo 109, I, da Constituição Federal." [64]

Em semelhante conflito de competência julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, [65] não está presente o eventual choque de razões decorrente da reunião de ação de busca e apreensão ajuizada pela União, com fundamento na "Convenção dos Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças", e na conexa ação de guarda e outros pedidos cumulados, em razão do diferencial que desta vez a União atua como assistente no segundo processo, deixando extreme de dúvidas que a competência para ambas é da Justiça Federal.

Os tribunais têm admitido, em respeito ao princípio da razoabilidade, a dispensa do comparecimento à audiência da parte que está em país estrangeiro, nas ações de separação e divórcio consensuais, desde que a ausente outorgue procuração com poderes específicos e muito bem detalhados para sua representação em audiência. [66]

Por fim, cumpre salientar que em Direito Processual Civil Internacional, quando a autoridade judiciária brasileira é incompetente, os autos do processo não são remetidos ao juiz estrangeiro competente, mas sim é decretada a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, IV, do Código de Processo Civil. [67]

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Sobre o autor
Eduardo Felix da Cruz

Advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Eduardo Felix. A competência internacional para a dissolução da sociedade conjugal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2216, 26 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13197. Acesso em: 23 abr. 2024.

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