Foi encaminhado no dia 13 de maio, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei n.º 5.228/2009, que "garante o acesso pleno, imediato e gratuito a informações públicas e estabelece critérios para proteção das informações pessoais e sigilosas". Segundo o Ministro Jorge Hage, a proposta teria surgido no Conselho da Transparência Pública, da Controladoria-Geral da União, a partir de proposição da ONG Transparência Brasil [01].
De acordo com a professora Georgete Medleg Rodrigues, o projeto "tem dois méritos. Primeiro, de enfrentar a questão do acesso às informações, particularmente aquelas consideradas de caráter sigiloso – tema bastante discutido nos últimos anos em função dos arquivos da ditadura militar. (...) Em segundo lugar, tem o mérito de propor a redução dos prazos de acesso às informações classificadas como sigilosas, nos três níveis previstos (ultra-secreta, secreta e reservada), cujo prazo máximo proposto passou para 25 e 15 anos (ultra-secreta e secreta, respectivamente) e, o mínimo, 5 anos (reservada)." [02]
A grande discussão, contudo, parece referir-se à classificação da informação em pública ou sigilosa. Nesse sentido, a lei atualmente em vigor prevê que seriam sigilosas, entre outras, as informações necessárias "à segurança do Estado e da sociedade" (arts. 4.º e 23, § 1.º, Lei n.º 8.159/1991). Não define, contudo, os responsáveis pela classificação da informação, segundo os critérios estabelecidos, omissão que a Lei n.º 11.111/2005 não supriu, prevendo apenas a criação de órgão capaz de ressalvar o sigilo.
O PL n.º 5.228/2009, da mesma forma, impõe que as informações necessárias à "segurança do Estado e da sociedade" têm caráter sigiloso (art. 2.º, II e 5.º, § 1.º). Afinal, os direitos à vida e à segurança (art. 5.º, caput, CF/88) se sobrepõem ao direito à informação (art. 5.º, inciso XXXIII), algo reconhecido no próprio dispositivo que trata deste último. Apesar do referido projeto de lei esforçar-se em definir melhor, em seu artigo 19, o que se deve entender por informação imprescindível à segurança do Estado e da sociedade, permanece a subjetividade inerente à aferição do risco.
O projeto avança, contudo, ao prever procedimento específico para a classificação, reclassificação e desclassificação de informações em seu Capítulo III, Seção IV, estabelecendo as autoridades com competência para dizer se determinada informação é ultra-secreta, secreta ou meramente reservada (art. 22), o que era tratado anteriormente apenas em nível infralegal (Decreto n.º 4.553/2002). Poder-se-ia dizer, então, que o problema estaria resolvido a partir de uma lógica excludente, segundo a qual todas informações que não fossem classificadas como sigilosas por essas autoridades seriam automaticamente consideradas públicas. Esse, contudo, não é o nosso entendimento.
De fato, o PL n.º 5.228/2009 estabelece, logo em seu artigo 2.º, inciso I, que informação é todo dado, processado ou não, independentemente do meio, suporte ou formato em que veiculado. Dessa forma, interpretado isoladamente o dispositivo, qualquer papel ou e-mail, que circulem dentro de repartição pública, deveriam ser acessíveis aos cidadãos em geral, brasileiros ou estrangeiros (visto que o artigo 5.º não faz qualquer ressalva), independentemente do assunto que deva ser tratado. Mas não é isso prevê o projeto em análise.
A proposta, ao contrário, institui a forma de requerimento (art. 8.º) e o órgão a que deve ser dirigido o pedido (arts. 5.º, inciso I, 6.º e 7.º). Além disso, estabelece as matérias que devem ser objeto de publicidade, essencialmente: a) registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; b) registros de despesas; c) informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; d) dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades. (art. 6.º).
Vê-se, pois, que são objeto de divulgação os atos e processos administrativos, ou registros administrativos relativos aos mesmos (art. 37, § 3.º, inciso II, CF/88), não sendo públicos, no entanto, os atos que precedem à formulação do ato administrativo, a não ser quando expressamente previsto em lei. A participação do cidadão na elaboração dos atos, quando possível, é assegurada por meio da realização de audiências e consultas públicas (art. 7.º, inciso II), disciplinadas nos artigos 32 a 34 da Lei n.º 9.784/99, nos casos e hipóteses previstos na legislação.
É bom que se esclareça que os atos (ou simples atividades) que precedem a elaboração de determinado ato administrativo em sentido estrito, por não se revestirem da forma legal, não podem vincular a Administração Pública. E, embora possam produzir efeitos jurídicos (por exemplo, a responsabilização de servidor que divulga informações obtidas em razão de seu ofício, com o fim de obter proveito pessoal), sequer podem repercutir sobre a esfera de direito dos cidadãos.
Nesse sentido, esclarece José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 23.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 651):
"A publicidade se faz pela inserção do ato no jornal oficial ou por edital afixado no lugar de divulgação de atos públicos, para conhecimento do público em geral e início da produção de seus efeitos. A publicação oficial é exigência da executoriedade do ato que tenha que produzir efeitos externos. Em alguns casos, a forma de publicidade exigida é a notificação pessoal ao interessado no ato ou a quem o ato beneficia ou prejudica." (grifou-se).
Entender-se de modo diverso tornaria inócua a previsão de existência de informações (ou atos) sigilosas, visto ser impróprio imaginar-se que ao ato sigiloso não preceda informações sujeitas a verificações ou debates internos prévios. Por outro lado, tampouco seria possível assegurar a sua autenticidade e integridade (art. 5.º, inciso IV, PL 5.228/2009) caso toda informação, não consubstanciada em ato administrativo expedido por sujeito competente e revestido da formalidade legal, tivesse que ser disponibilizada imediatamente a todos os cidadãos.
Importante observar, sobre esse aspecto, o alerta de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 390), segundo quem "(...) é importante notar que a teoria do ato administrativo foi largamente construída sobre esta última categoria, isto é sobre os atos que se apresentam como impositivos para os administrados (...)." Pouco se cogita, portanto, das atividades que o precedem, sujeitas a regime específico onde se denota, claramente, o seu caráter hierárquico.
A distinção é importante, em especial para o estabelecimento de uma Política de Segurança da Informação efetiva no âmbito da Administração Pública Federal, tema atualmente abordado pelo Decreto n.º 3.505/2000.
A Política de Segurança da Informação tem por objetivo, entre outros, a criação, desenvolvimento e manutenção de mentalidade de segurança da informação e a conscientização dos órgãos e das entidades da Administração Pública Federal sobre a importância das informações processadas e sobre o risco da sua vulnerabilidade (art. 1.º, incisos V e VII), sob orientação da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional (art. 4.º) [03].
Apesar de instituída há quase uma década, pouco se avançou, no entanto, sob esse aspecto. É o que constatou o Tribunal de Contas da União no Acórdão n.º 1.603/2008, que registrou várias deficiências nos órgãos da Administração Pública Federal, entre as quais: a) ausência de planejamento estratégico de Tecnologia da Informação (TI) em vigor; b) suporte ineficaz na área de TI; e c) falta de uma cultura de segurança da informação [04].
São problemas graves, afinal, como assevera o Tribunal de Contas da União, "A importância do correto tratamento para a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade das informações de órgãos públicos é evidente, sem falar na autenticidade, na responsabilidade pelos dados e na garantia de não-repúdio. A própria prestação do serviço de uma instituição pública aos cidadãos depende da confiabilidade das informações por ela tratadas e ofertadas." (grifou-se).
A falta de prioridade dada ao tema fica evidenciada pela própria Estratégia Nacional de Defesa, veiculada recentemente pelo Decreto n.º 6.703/2008, que não utiliza sequer uma vez a expressão "Segurança da Informação" – tema que tem obtido máxima atenção de outros países que já são considerados grandes potências, posição que o Brasil ainda almeja.
O que se constata, em geral, é a inexistência de orientação normativa específica, dirigida aos servidores públicos, que esclareça como devem ser tratadas as informações recebidas em razão de exercício de função pública. Não é por outro motivo que essa é a primeira recomendação constante do Acórdão n.º 1.603/2008 do Tribunal de Contas da União. Sob esse aspecto, adverte ainda o Tribunal que a falta de procedimentos específicos, bem como a ausência de classificação das informações, impossibilita definição das responsabilidades na causa e no tratamento de incidentes.
Ínsito à ideia de normatização, cumpre salientar, está o poder hierárquico, como se vê (Celso Antônio, ob. cit., p. 140):
"Hierarquia pode ser definida como o vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, através de escalões sucessivos, numa relação de autoridade, de superior a inferior, de hierarca a subalterno. Os poderes do hierarca conferem-lhe uma contínua e permanente autoridade sobre toda a atividade administrativa dos subordinados.
Tais poderes consistem no (a) poder de comando, que o autoriza a expedir determinações gerais (instruções) ou específicas a um dado subalterno (ordens), sobre o modo de efetuar os serviços; (b) poder de fiscalização, graças ao qual inspeciona as atividades dos órgãos e agentes que lhe são subordinados; (c) poder de revisão, que lhe permite, dentro dos limites legais, alterar ou suprimir as decisões dos inferiores, mediante revogação, quando inconveniente ou inoportuno o ato praticado, ou mediatne anulação, quando se ressentir de vício jurídico; (d) poder de punir, isto é, de aplicar as sanções estabelecidas em lei aos subalternos faltosos; (..)".
A existência de normatização clara, definidora das responsabilidades e procedimentos, permitiria sujeitar o servidor a sanções administrativas, como advertência, suspensão ou demissão (art. 127, Lei n.º 8.112/90), ou mesmo a sanção penal, configurando o crime de violação de sigilo funcional (art. 325, Código Penal), por exemplo. Somente assim a implantação de uma cultura de segurança da informação poderia ser efetivamente implantada e fiscalizada.
Ressalte-se que tal regulamentação, voltada especificamente para os servidores públicos, não guarda relação direta com a legislação que cuida do acesso à informação dos cidadãos, que o PL n.º 5.228/2009 pretende alterar. Esta volta-se para informações sobre atos, decisões ou processos administrativos, a serem obtidas junto aos setores competentes, enquanto aquela se restringe a procedimentos internos, que não podem produzir nenhum efeito sobre os cidadãos, individual ou coletivamente considerados, como se pretendeu demonstrar.
Notas
- Folha de S.Paulo, domingo, 17 de maio de 2009
- Fonte: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=167> Acesso em: 18.06.2009.
- A partir da publicação da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001as funções da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional foram assumidas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
- Ressalte-se a importante iniciativa da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN de lançar o Programa Nacional de Proteção ao Conhecimento – PNPC, com os objetivos de conscientizar sobre as ameaças potenciais aos conhecimentos sensíveis nacionais, desenvolver uma cultura de proteção ao conhecimento, recomendar cuidados de proteção e assessorar na implementação de medidas de proteção.