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Da desnecessidade da audiência de conciliação no Juizado Especial Cível.

Breves considerações

26/07/2009 às 00:00
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O presente artigo, ao criticar, sob certo aspecto, algumas regras processuais aplicáveis ao juizado cível, não tem o intuito de desmerecer a prestação jurisdicional oferecida, mas sim colaborar no aperfeiçoamento dos procedimentos da lei. Certamente o objetivo principal pretendido com a lei nº 9.099/95 foi a celeridade, e esta somente se efetivará se deixarmos de lado o formalismo do diploma processual civil.

Em vista da necessidade do efetivo acesso à justiça e da proteção jurisdicional, institui-se a lei nº 9.099 em 26 de setembro de 1995, objetivando evitar os custos e a habitual demora do processo tradicional, além de propiciar, de forma abrangente e realmente efetiva a composição dos litígios levados à apreciação do Poder Judiciário.

Tal norma, denominada "Lei dos Juizados Especiais", foi instituída com a finalidade de proporcionar celeridade processual às lides cujas causas são de menor complexidade. A partir desta concepção, foram dispostos no artigo 2º desta lei os princípios basilares que devem orientar o procedimento do juizado, a saber, a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Neste diapasão, busca-se, sempre que possível, a conciliação entre as partes litigantes, aspecto de igual importância no procedimento dos juizados.

Visando, como dito, a efetividade da lei, a competência dos juizados especiais cíveis ateve-se às causas de menor complexidade, elencadas no artigo 3º. Ao restringir o seu âmbito de atuação, evitam-se litígios custosos, de longa duração e exames minuciosos de fatos e provas que, por sua natureza complexa, exigem maior rigor em sua análise.

Nota-se que todos os critérios estabelecidos no artigo 2º, inicialmente mencionado, visam à economia processual e, consequentemente, a celeridade do processo. A compreensão do princípio da oralidade se dá pelo imediatismo que se atrela ao procedimento especial, visando um julgamento mais rápido e menos apegado ao formalismo da palavra escrita. Por via direta, há estreita relação de tal princípio com o da simplicidade, pelo qual se desapega da complexidade do procedimento contencioso habitual. A informalidade vem da própria aplicabilidade dos dois critérios supramencionados, em contrariedade à instrumentalidade e demais formas exigidas no procedimento comum. Em vista disso, se tem um processo mais célere, de procedimentos mais simples e de linguagem acessível à sociedade em geral, que busca na efetividade dos juizados especiais tão somente a tutela jurisdicional.

Há, ainda, outras referencias à lei que podem ser aqui observadas [01], como a dispensa de advogado nas causas cujo valor não exceda vinte salários mínimos [02], conforme previsão do artigo 9º. Contudo, não aprofundaremos tais indagações, sob o risco de nos desvincularmos do tema proposto. De qualquer sorte, tem-se um procedimento especial balizado pelas próprias disposições da lei, subsidiado pelo Código de Processo Civil e com propostas inovadoras em relação a este.

Iniciado o processo e estando devidamente citado(s) o(s) réu(s), proporciona-se na audiência inicial a conciliação entre as partes como maneira amigável de resolver a lide e extinguir o feito. Não ocorrendo a referida composição, designar-se-á audiência de instrução, onde será novamente proposta a conciliação e instruído o feito com as provas que se pretenda produzir.

Entretanto, a existência da audiência de conciliação, por vezes, acarreta demasiado protelamento processual e, consequentemente, em nada contribui para o aspecto da "celeridade processual" tão almejada, embora as opiniões contrárias sejam em número respeitável. O argumento largamente despendido por aqueles que consideram de extrema necessidade a audiência inaugural é o fato de a mesma possibilitar uma aproximação das partes, que por vezes se desconhecem. Puro formalismo que não merece guarida.

Não raramente a lide versa sobre direitos consumeristas, tendo de um lado o consumidor desamparado e de outro uma pessoa jurídica, respaldada por um experiente departamento jurídico, especificamente formado para tais lides costumeiras no dia a dia da empresa. Pouca importa saber se a política da respectiva empresa favorece o acordo judicial ou não. Já há um critério pré-estabelecido que em nada se altera com a situação dos autos, balizando-se tão somente pelo (maior ou menor) valor do acordo a ser proposto.

De qualquer sorte, nestas e em todas as outras demandas a conciliação poderá se efetivar a qualquer momento, não se exigindo necessariamente que seja na audiência prévia, para o qual o legislador previu que assim ocorresse. Dessa forma, à empresa litigante igualmente desimporta conhecer previamente o consumidor lesado, e sim os fatos e as provas dos autos, os quais importarão no resultado final da demanda. Analisando o processo e não o autor em si, a proposta será realizada ou não, de acordo com as perspectivas, tornando inócua a realização daquela audiência.

Em relação aos demais argumentos favoráveis à realização da mesma, por tê-los, data vênia, como infundados, demonstrar-se-á pelas alegações a seguir a desnecessidade de combatê-los.

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Não obstante, questão de extrema relevância ao tema deve aqui ser analisada: que ato ocorre na audiência de conciliação que não pode ser realizado na audiência de instrução? De fato, nenhum.

O que torna prescindível a audiência de conciliação é justamente o fato que todos os atos ali praticados, sem exceção, podem ser realizados no momento da instrução. E mais, não só podem como devem, o que vincula ao conciliador ao dever de reformular o questionamento acerca da possibilidade da composição amigável.

Destarte, o conciliador novamente deverá propor às partes a conciliação, como de fato a propôs anteriormente. A diferença está no momento posterior a não efetivação da composição, uma vez que na audiência inaugural encerra-se o ato e designa-se a instrução, enquanto que nesta logo instruir-se-á o feito.

Nada obsta que seja evitado o longo lapso temporal entre a audiência conciliatória e a instrutória senão o formalismo da lei, pelo que lança à pauta processual meses de espera para a parte que urge por uma decisão no seu pleito. Neste aspecto, o advogado militante nos procedimentos do juizado tem consciência que são raras as vezes em que as partes litigantes transacionam, o que daria efetividade à dita audiência inaugural. Não se põe em dúvida a intenção (utópica) do legislador que desejou proporcionar um acordo nos autos tão logo do ajuizamento da demanda, porém a teoria não se alia à prática processual desejada, o que acaba por prolongar desnecessariamente o processo.

Nada adianta a celeridade provocada pela lei em certos aspectos enquanto a formalidade existente no procedimento habitual impera princípios rudimentares sob outros.

Por certo que as regras previstas na lei nº 9.099/95 descrevem um procedimento simples e prático, não menos efetivo que o previsto no diploma processual civil, que da mesma forma visa à satisfação do direito daquele que se sente prejudicado. Para tanto, tal procedimento especialíssimo traz um importante diferencial: a abreviação do processo habitual com a mesma eficácia, mostrando-se capaz de atingir a paz social graças à conciliação e transação submetidas às partes no decorrer do processo. Assim, pequenos litígios encontram solução no procedimento dos juizados sem o ônus de um processo muitas vezes caro e demorado, e até mesmo desacreditado. Se há a possibilidade de reduzir as formalidades processuais atreladas ao procedimento ordinário, sem que tal alteração ocasione prejuízo às partes, nada deve ser feito a evitar que assim ocorra, em nome da celeridade e simplicidade do procedimento dito especial.

Afinal, o processo sequer esgota-se no primeiro grau, uma vez que se faculta à parte sucumbente a possibilidade do duplo grau de jurisdição, tal qual o previsto no procedimento ordinário.

Por tais razões, denota-se com clareza que a audiência inicial é absolutamente desnecessária ao procedimento previsto na lei nº 9.099/95, no que compete aos juizados especiais cíveis, não a analisando sob o enfoque dos juizados criminais, como dito alhures. Possibilitando-se a conciliação durante os trâmites processuais, não há que se reservar um ato especialmente para tanto, sob pena de torná-lo meramente protelatório e inócuo. Assim desejando, as partes poderão conciliar a qualquer momento, alcançando-se, dessa forma, a solução do litígio pela composição.


Referências

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

______. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

_______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 14 fev. 2005.

COSTA, Wellington Soares da. Princípios do direito processual civil. Interação. Varginha (MG): UNIS, ano IV, v. 9, n. 1, p. 20-23, maio 2004.


Notas

  1. Lançando mais alguns argumentos, não menos imprescindíveis ao enfoque desejado, há que se mencionar de mesma forma a singela diferenciação quanto à aplicação das regras de nulidades no procedimento do juizado, restando mitigadas em função do critério do prejuízo, o qual deverá ser analisado no caso concreto. Dessa forma, os atos processuais, conforme redação do artigo 13 da lei nº 9.099/95, não serão considerados prejudicados quando atingirem a finalidade para qual foram realizados.
  2. A faculdade de patrocínio de advogado em tais demandas facilitou certamente o acesso à justiça de cidadãos menos favorecidos, pretendendo-se com essa inovação quebrar o formalismo processual em prol da adoção de um procedimento mais simples. No entanto, desaconselha-se tal atitude diante da evidente inexperiência de um leigo diante do causídico.
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Sobre o autor
Fabio Schmidt Schaurich

Advogado, Assessor Jurídico Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHAURICH, Fabio Schmidt. Da desnecessidade da audiência de conciliação no Juizado Especial Cível.: Breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2216, 26 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13227. Acesso em: 16 abr. 2024.

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