RESUMO
A partir de um enfoque jurídico-normativo, este artigo se propõe a analisar os principais aspectos relacionados com a Responsabilidade Civil do cirurgião-dentista frente à crescente demanda de processos litigiosos envolvendo o erro profissional. O autor discute o erro, as modalidades de culpa, as teorias civilistas da responsabilidade e, por fim, apresenta casuística relacionada mediante análise jurisprudencial acerca do tema proposto.
PALAVRAS CHAVES: responsabilidade civil, cirurgião-dentista, erro profissional, negligência, imprudência, imperícia.
1. Considerações Preliminares
A evolução do processo de conhecimento sanitário em todo o mundo, aliado aos avanços tecnológicos no setor da saúde alcançados desde o século passado, trouxeram consigo importantes progressos sociais. Por ora, é óbvio afirmar que as recentes descobertas introduzidas pelas ciências da saúde foram capazes de melhorar a capacidade produtiva, a qualidade de vida e, por via de consequência, trouxeram a ampliação gradual da expectativa de vida dos indivíduos.
Se de um lado a Epidemiologia, ao estudar a ocorrência, distribuição e os fatores determinantes dos eventos relacionados com a saúde, contribui para prevenção das doenças, por outro, alguns ramos das ciências são responsáveis por criar, desenvolver e aperfeiçoar sistemas e aparatos tecnológicos cada vez mais eficazes para o tratamento das diversas patologias e outros agravos à saúde.
Inseridos nessa perspectiva, encontram-se os operadores da saúde como o médico e o cirurgião-dentista, profissionais que, pela peculiaridade de suas atribuições, assumem obrigações e responsabilidades extremamente sensíveis.
Considera-se que nos dias atuais tem havido um grande incremento das ações indenizatórias contra cirurgiões-dentistas decorrentes dos erros profissionais e fundadas na responsabilidade civil.
Por isso, é necessário que o cirurgião-dentista, enquanto profissional prestador de serviços especializados na área da saúde, possa empreender esforços no sentido de se prevenir e se resguardar destas demandas, redobrando cuidados no manejo dos seus pacientes, além de utilizar técnicas operatórias com elevado nível de segurança.
2. O Erro Profissional
O erro profissional lato sensu pode ser entendido como sendo aquele capaz ocasionar um resultado ou efeito adverso, decorrente de uma conduta comissiva ou omissiva do agente. Por exemplo, comete erro profissional o cirurgião-dentista que, ao realizar procedimento com excesso ou falta de zelo, produz um dano no paciente.
Ao verificar se determinado resultado foi decorrente de um erro profissional, necessário se faz avaliar se existe um liame ou nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo agente e o resultado que foi produzido, o que é chamado pelo direito de conditio sine qua non. Assim, se ao realizar determinado procedimento no paciente lhe é causado um dano físico, o profissional poderá ser responsabilizado por este erro.
A atividade odontológica carrega consigo um risco, ou seja, um padrão de lesividade pertinente à profissão desenvolvida. O próprio paciente já chega ao profissional trazendo um problema que traz um risco. A possibilidade de um procedimento resultar em algo ruim ou negativo ao paciente é real, podendo-se detectar em muitos casos a execução de atos que apenas substituem um problema por outro menos amplo ou de menor extensão. Muitas das ações visam minorar o mal, sem extirpá-lo por completo. Eis o risco inerente à atividade odontológica. Sempre que o dentista agir conforme as regras de seu ofício e não conseguir sanar o problema, mas reduzindo-o, nada lhe poderá ser imputado. Todavia, quando levar à frente um intento desnecessário, sem nenhum efeito prático, que venha a piorar a situação do paciente, a este deverá ser imputado o incremento do risco.
3. Modalidades de Culpa
Geralmente, o erro médico constitui em crime culposo. Este se distingue do doloso, pois enquanto este se caracteriza pela consciência e vontade de produzir o resultado ou quando o agente assume o risco de sua produção, o crime culposo se apresenta com um tipo que independe da intenção do agente, vez que basta a simples voluntariedade de sua conduta.
Segundo o festejado Silvio Rodrigues (1993) na culpa o agente não visa causar prejuízo à vítima, mas por conta de sua atitude negligente, imprudente ou imperita, resulta em dano a outrem.
A imprudência consiste numa conduta precipitada, descontrolada ou impulsiva, já negligência resulta da omissão do agente, ou seja, resulta de um não agir, seja por passividade, descuido, menosprezo, indolência, inação, inércia etc. É o caso do profissional que esquece materiais utilizados durante os procedimentos cirúrgicos no corpo do paciente. No caso da imperícia, a ação profissional se faz de maneira equivocada, seja por despreparo técnico, inexperiência etc. É o caso do profissional que realiza um procedimento no paciente sem o necessário domínio da técnica e que por conta disso, ocasiona um dano.
4. Responsabilidade Civil
Em regra, é reconhecido que a responsabilidade do médico é subjetiva, ou seja, a sua caracterização se funda na culpa strictu sensu – imperícia, negligência ou imprudência (Neto, Miguel Kfouri, Responsabilidade Civil do Médico, 2003). Esta regra baseia-se no fato que a obrigação assumida pelo médico não é uma obrigação de resultado, mas de meio. Por sua vez, em se tratando de cirurgia plástica esta regra não se aplica, visto que neste caso, o profissional assumiria uma obrigação de resultado.
Para Giostri (2004) a responsabilidade no erro médico segue os mesmos ditames gerais da responsabilidade civil genérica, ou seja, aquela que se dar mediante a assunção de uma obrigação pelo agente dos prejuízos decorrentes de seus atos.
Por seu turno, a responsabilidade do cirurgião-dentista situa-se no mesmo plano e segundo as mesmas perspectivas da responsabilidade médica, ressalvando que a responsabilidade odontológica se funda mais acentuadamente numa obrigação de resultado.
Por exemplo, ao ser contratado para realizar um procedimento cirúrgico para remoção de uma unidade dentária retida, o profissional deverá executar exatamente o procedimento proposto, sendo que a sua obrigação somente estará adimplida com a remoção da unidade. Por sua vez, há casos de terapias periodontais em que o resultado a ser alcançado (cura) poderá depender de outros fatores que prescindem do dever de agir do cirurgião-dentista.
Corroborando com este entendimento, afirmou Saad (1998) "em regra, a obrigação do dentista é de resultado, o qual não compreende a patologia das infecções dentárias, com etiologia específica. Essa obrigação de resultado ganha mais nitidez em tratamento objetivando colocação de próteses, restaurações de dentes etc. com fins predominantemente estéticos".
Destarte, equivale a dizer que se em princípio a responsabilidade médica decorre de uma obrigação de meio, só excepcionalmente se manifestando por força de obrigação de resultado, não é possível dizer o mesmo da responsabilidade do cirurgião-dentista.
Não é forçoso reconhecer que quando o profissional da saúde causa algum tipo de dano no seu paciente, poderá ter de responder nas esferas do direito penal, civil ou administrativo, a depender, evidentemente, do tipo, extensão e gravidade do dano causado, da natureza do serviço prestado, entre outros. Ressaltando para o fato, de que estas instâncias são independentes entre si. Vale dizer, se o profissional for absolvido na esfera penal por insuficiência de provas, poderá ainda assim ser responsabilizado civil ou administrativamente.
No plano legal, observa-se que o Código Civil de 2002 tratou a responsabilidade do cirurgião-dentista como sendo geralmente de natureza contratual, nascido a partir de um acordo bilateral de vontades. Todavia, em casos excepcionais, poder-se-ia ocorrer uma responsabilidade de natureza extra-contratual, nas situações em que aquele profissional viesse a realizar um atendimento de emergência.
O artigo 951 do CC/2002 prescreve o seguinte:
"O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização indevida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho"
Igualmente, o mesmo diploma legal também tratou dos efeitos decorrentes do inadimplemento da obrigação pelos contratantes, conforme se observa da dicção do art. 389, "verbis":
Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
No tocante ao aspecto jurisprudencial, tem-se reconhecido a responsabilidade contratual do cirurgião-dentista conforme dito anteriormente, sendo esta geralmente considerada uma obrigação de meio e não de resultado.
A seguir serão apresentadas ementas de algumas decisões relacionadas com a responsabilidade civil do cirurgião-dentista, muitas vezes fundadas no Código de Defesa do Consumidor, para melhor compreensão do tema em discussão:
Ação de indenização. Cirurgia ortodôntica corretiva realizada por médico especialista em cirurgia plástica. Seqüelas pós-operatórias com necessidade de novas intervenções. Falta de conhecimentos do facultativo na referida área (cirurgia buco-maxilo-facial). Imprudência, negligência e imperícia.
Responsabilidade Civil. Cirurgião Dentista. Tratamento Incompleto. Causação de danos à cliente. Obrigação ressarcitória inarredável, inclusive no referente a danos morais. Quantificação exacerbada destes. Redução. Apelo provido em parte.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DENTISTA QUE EXTRAI DENTE PERMANENTE EM LUGAR DO DENTE DE LEITE. PRESENÇA DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE.
1. Na espécie, foi causado um dano ao autor, havendo nexo de causalidade entre a atuação do Poder Público, a prestação do serviço odontológico, e a extração indevida de dente permanente em lugar de dente de leite, e o dano causado a ele.
2. Apelação e remessa improvidas. TRF 1ª REGIÃO
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DENTISTA. APLICAÇÃO DE SUBSTÂNCIA INDEVIDA. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às demandas indenizatórias promovidas contra profissionais liberais, incidindo, porém, a teoria da responsabilidade civil subjetiva. 2. Profissional da odontologia que ministrou equivocadamente substância na gengiva da consumidora, causando-lhe dores e reação alérgica. Negligência verificada. TJRS, 2004.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO ODONTOLÓGICO. MÁ COLOCAÇÃO DE PRÓTESE DENTÁRIA. OCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de má prestação de serviço. Situação em que restou comprovado que a demandante foi submetida a procedimento odontológico em que o profissional requerido não cumpriu a contento com o contratado, colocando prótese dentária na autora, a qual causou. TJRS, 2004.
5. Considerações Finais
O cirurgião-dentista é considerado um prestador de serviços de saúde. A responsabilidade deste profissional, consoante se viu nas linhas anteriores, tem natureza contratual. Ao assumir esta característica, a responsabilidade deste profissional ora será disciplinada pelo Código Civil ora pode ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, sem afastar obviamente responsabilidades de outra natureza.
Para se aferir se houve ou não responsabilidade do profissional em relação ao dano causado, necessário se faz avaliar a existência da culpa no caso concreto. Vale dizer, se houve dano decorrente de uma culpa, torna-se imperativo a verificação do nexo de causalidade ou liame entre o resultado e a conduta profissional.
A jurisprudência pátria tem se perfilhado no sentido de considerar a obrigação do cirurgião-dentista como sendo de resultado e não de meio conforme se observa na maioria dos julgados, razão pela qual, neste tipo obrigacional, se o fim colimado não foi alcançado, a vítima não precisará provar a culpa do profissional para a obtenção da indenização.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GIOSTRI, H.T. Erro Médico à luz da jurisprudência comentada. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2004.
RODRIGUES, S. Direito Civil – Responsabilidade Civil. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
KATO, M.T., GOYA, S., PERES, S.H.C.S et al. Responsabilidade Civil do Cirurgião-Dentista. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo, ed. 20, jan-abr 2008, p. 66-75.
KFOURI NETO, M. Responsabilidade Civil do Médico, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 4ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
ZART, Ricardo Emilio. Responsabilidade civil do cirurgião-dentista . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 82, 23 set. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4347>. Acesso em: 06 jul. 2009