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O verdadeiro princípio da insignificância

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10/08/2009 às 00:00
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3. CONCLUSÃO

O escopo deste trabalho foi demonstrar o que seria a coerente aplicação do princípio da insignificância, de acordo com a definição do instituto para a maior parte da doutrina. Também possui como fulcro a tentativa de expurgar da linguagem jurídica a constante ressalva, em cada crime, da sua possibilidade ou não de incidência da bagatela. Ora, se apenas muito excepcionalmente ele não incide (em boa parte dos casos em que se costuma excluir sua incidência, foi demonstrado a inconsistência dos argumentos), não há razão de ressalva para a aplicação.

Importante consignar, inclusive, que não é em razão da defesa da correta aplicação do princípio, e conseqüentemente da ampliação dos casos de sua incidência, que se poderia concluir, quando da sua aplicação, que esta poderia ser feita sem critérios. São coisas distintas. A ampliação do alcance não significa carência de razoabilidade no caso concreto e desídia na aferição da lesão ou perigo de lesão. Nesse espeque, Luiz Regis Prado (2008, p.147) "A restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação subjetiva do julgador (...)". Ratificando, também Rogerio Greco (2008, p.66) "Teremos, outrossim, de lidar ainda com o conceito de razoabilidade para podermos chegar à conclusão de que aquele bem não mereceu proteção do Direito Penal (...)".

Além da verdadeira aplicação, se faz necessária a luta contra juízes parciais, nas palavras de Claus Roxin, Gunther Arzt e Klaus Tiedmann (2007, p.182), assegurar a "neutralidade do juiz", como visivelmente não se observa no julgado abaixo:

"Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem Ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas. Sim, porque quem mais além dos miseráveis possui coisas insignificantes? Essa arenga niilista do Direito Penal mínimo não raro conduz ao Amoralismo máximo."

(Decisão proferida em sede de apelação pela Sétima Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, extraída do HC23904/SP – STJ)

A parcialidade supracitada invariavelmente acarretará quebra de garantias fundamentais, se distanciando do "Direito Penal Protetor", preconizado por Winfried Hassemer (2007, p.79):

"A imagem que resulta é a do Direito Penal protetor. Ele não se compõe apenas de ameaças de punição e proibições, mas também da segurança nos processos e da promessa de garantias para os que nele atuam e ele consiste em garantias jurídicas para aqueles que estão sujeitos à ameaça de punição (...).


NOTAS

  1. Sobre a ligação do direito penal e a filosofia eis as palavras de Eugenio Zaffaroni e José Pierangeli (2004, p.87): "Todas as ciências se vinculam à filosofia, porque enquanto as ciências particulares se perguntam acerca de certos entes, à filosofia devemos perguntar pelos entes em geral ("ontologia", estudo dos entes).
  2. A despeito de toda polêmica sobre a Teoria da Verdade, data venia, não parece correto o sentido de alegação de verdade como ponto de vista (QUEIROZ, 2008a), já que o ponto de vista precisa ser coerente. A idéia de verdade dissociada da "alegação de verdade", como posteriormente fez Habermas (2007, p.60) ao dispor "uma vez que uma proposição é verdadeira, ela é verdadeira para sempre" ou Paulo Queiroz (2008a) "Parece-me, pois, que a única coisa realmente universal é o uso da palavra verdade, mas não o que ela pode significar em cada contexto, porque uma concepção da verdade para além do tempo e do espaço, logo, para além do homem, é uma mentira.", acaba confundido Direito com Religião "Jesus lhe respondeu: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" (JOÃO, 14:6). Sobre Direito e Religião ver "Deus e o Direito" (QUEIROZ, 2008b, p.27).
  3. Sobre a diferença entre norma regra e norma princípio ver Robert Alexy (2007, p131-132) e Humberto Ávila (2003).
  4. A insignificância é vista pela maioria da doutrina como excludente de tipicidade, porém há quem sustente, minoritariamente, como excludente de tipicidade ou ilicitude, a depender da supremacia do desvalor da ação ou do resultado (SILVA, 2008, p.165).
  5. Apesar de ser comum o uso indiscriminado, o princípio da insignificância não se confunde com o princípio da ofensividade. Esse se dirige ao legislador, no sentido de não criminalizar condutas que não tiver oferecido ao menos perigo de lesão (concretamente) ao bem jurídico. A exigência do princípio da lesividade para os juízes é no sentido do controle de constitucionalidade das leis (QUEIROZ, p.38, 2001), ou seja, atacar difusa ou concretamente (se tiver competência) os tipos penais inconstitucionais eivados pela falta de lesividade que porventura o legislador tenha previsto. A utilização do princípio da lesividade para o juiz no sentido de "o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico especifico tutelado pela norma" (MASSON, p.37, 2008) acaba confundido lesividade (para Masson) com insignificância. Também há quem confunda insignificância (para Prestes) com lesividade "Para elaborar uma norma penal incriminadora o legislador deve ter como critério o gravame que a conduta causa à ordem jurídica" (PRESTES, 2003, p.39).
  6. Sobre o tema Paulo Queiroz (2008, p.166-167): "Objeção corrente aos crimes de perigo abstrato é que, ao se presumir o perigo prévia e abstratamente, resulta em última análise em perigo que não existe, de modo que se acaba por criminalizar a simples atividade, afrontando-se o princípio de lesividade, bem assim o caráter de extrema ratio (subsidiário do direito penal. Por isso há quem considere (Luiz Flávio Gomes) inconstitucional toda sorte de presunção legal de perigo."
  7. (HC 92961/SP, DJE de 22.2.2008; HC 90125/RS, DJE de 5.9.2008; HC 94678/RS, DJE de 22.8.2008, e.g.).
  8. Essa idéia passou a repercutir inclusive no próprio STF "(...) Assim, reputou-se inadequada a consideração de antecedentes criminais do réu (2 processos em curso) para se apreciar se o fato imputado seria ou não típico, assim como se a lesão provocada teria ou não expressão suficiente para preencher o tipo penal em sua acepção material (...) " Rel. Min. Menezes Direito, 27.11.2007. 1ª Turma (Informativo nº490).

REFERÊNCIAS

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BRASIL. STF. Habeas Corpus 92744 / RS. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 13/05/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma

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BRASIL. STJ. Habeas Corpus. HC 53.139-PB, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 31/10/2007.

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BRASIL. STJ. Habeas Corpus. HC23904/SP. Rel. Min. Paulo Medina

BRASIL. STJ. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. RHC15422/RJ. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Data do Julgamento: 14/06/2005)

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Sobre o autor
Hélio Márcio Lopes Carneiro

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito. Pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Hélio Márcio Lopes. O verdadeiro princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13303. Acesso em: 23 dez. 2024.

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