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A Lei da anistia nº 8.878/94 e seu título executivo.

Entendendo-o e enquadrando-o no Código de Processo Civil

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11/08/2009 às 00:00
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7. Conclusão

Pretender que a Lei mencionasse explicitamente que aquelas "decisões" deveriam ser entendidas quer como sentença quer como título executivo, é castrá-la, retirando-lhe força ao cumprimento do objetivo primacial, insculpido em seu artigo 1º:

"Art. 1° É concedida anistia aos servidores públicos..., bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista... no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido:".

Objetivo legal que se materializa nas "decisões" das Comissões – Setorial ou Especial – comunicadas diretamente às áreas de Recursos Humanos das entidades – empresas ou órgãos – para determinar que adotassem "providências cabíveis" para cursar o pedido de anistia", como se lê na Conclusão final de seus julgamentos, já transcrita em nosso item 5.:

"Com efeito, a Lei 8.878/94, regulamentada pelo Decreto 1.153/94, conferiu a esta Comissão Especial de Anistia poder para, em grau de recurso, julgar pedidos de anistia indeferidos pelas Subcomissões Setoriais de Anistia. Assim, resolveu a comissão por [maioria ou unanimidade] de votos dos membros presentes, interpretando a excepcionalidade do dispositivo mencionado , conhecer o recurso interposto, e dar-lhe provimento, para deferir o pedido de Anistia do interessado nos termos dos incisos II e III do art. 1º da Lei 8.878/94. Encaminha-se o presente processo ao Recursos Humanos da [nome da entidade – órgão ou empresa] para as providências cabíveis." 24 Assinada pelo Presidente da Comissão e mais dois membros.(grifei)"

Ora, se a Lei conferiu tais poderes às Comissões, o de, em seu nome, invadirem entidades – órgãos ou empresas - obrigando-as a fazer readmissão de funcionário ou empregado anistiado – suas "decisões" de execução se constituem em títulos executivos.

E como não são originárias do Poder Judiciário, já que as Comissões integraram o Poder Executivo, enquadram-se plenamente como extrajudiciais, conforme artigo 585, VIII do Código de Processo Civil:

"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

...

VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva (Redação dada pela Lei 11.382 de 2006)",

"força executiva" expressamente atribuída pela Lei da Anistia às "decisões" de suas Comissões.

Lei e Decreto não podiam ser mais claros: além de configurarem condições genéricas que possibilitavam a interposição do pedido de anistia por milhares de empregados e funcionários atingidos pela reforma administrativo-política de 1990-92, construíram o rito processual condutor da análise e julgamento dos processos, culminando em "decisão" , termo de uso freqüente na linguagem processual, quer na Constituição Federal, como identificado em nosso item 1., quer no Código de Processo Civil, com mais de setenta referências ao mesmo, como mencionado em nosso item 5..

Os intérpretes maiores supracitados, CARLOS MAXIMILIANO e LUIZ FUX, conhecedores da dinâmica da anistia, de suas leis e respectiva aplicabilidade, entendem plenamente que "decisões" das Comissões criadas pela Lei da Anistia nº. 8.878/94 se constituem em títulos executivos extrajudiciais.

Como ensinaram ambos, LUIZ FUX em recente obra 25 : "A regra reafirma o princípio de que ‘ somente a lei é fonte de título executivo .", ou ainda CARLOS MAXIMILIANO, na citação recolhida pelo Ministro DEMÓCRITO REINALDO, transcrita em nossa Introdução:

"Decretos de anistia, ensina CARLOS MAXIMILIANO, os de indulto, o perdão do ofendido e outros atos benéficos, embora envolvam concessão ou favores, se enquadram na figura jurídica dos privilégios, não suportam exegese estrita. Sobretudo se não interpretam de modo que venham a causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir ao hermeneuta atribuir à regra positiva o sentido que dá eficácia maior à mesma relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 238).

Há de se lamentar que, ao longo deste mais de um século de existência da República, sempre às voltas com anistias, não as tenha o Código de Processo Civil incorporado entre seus cânones, suscitando exegeses desta natureza.

A anistia envolve não somente a simples remuneração do anistiado: a depender do tempo com que venha a ser concedida, terá o anistiado, por força do ato que o atingiu, destruído parte do patrimônio acumulado, enfraquecido suas obrigações familiares, - educação, saúde e alimentação – e mesmo debilitado sua própria saúde, itens que não são apenas pessoais, mas institutos que a luz da própria Constituição Federal se ocupa em identificar e resguardar, e que os legisladores do Código de Processo Civil, de alguma forma, precisam recolher, refletir e espelhar, dando à anistia o destaque que a República brasileira tem-lhe dado.


Notas

  1. EXPOSÍÇÁO DE MOTIVOS N’ 238/SAF-PR – 19.10.1993, DO MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DA ADM!NISTRAÇÃO – Diário do Congresso Nacional, 24.11.1993, pág. 25411

  2. Citação recolhida na inicial do Advogado Marcello Lavenère Machado, posterior Presidente da Comissão de Anistia ao abrigo do Ministério da Justiça, no MS 7200/DF: "Com efeito, esse Egrégio Superior Tribunal, ao conhecer do MS 4.085/DF, fez constar da ementa do acórdão de 09.12.97, da lavra do M. Ministro Demócrito Reinaldo, o seguinte:"

  3. Art. 9º. Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave.Parágrafo único. O Supremo Tribunal Federal proferirá a decisão no prazo de cento e vinte dias, a contar do pedido do interessado.

  4. Lei 8.878: Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. ( Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004). § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir.(Vide Decreto nº 1.344, de 1994)

  5. Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. ( Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004): § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir.(Vide Decreto nº 1.344, de 1994)

  6. Vide Anexo 2.

  7. Art. 2º As Subcomissões Setoriais serão instituídas nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como nas empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham servidores ou empregados exonerados, demitidos ou dispensados no período a que se refere o art. 1º da Lei nº. 8.878, de 11 de maio de 1994.

  8. Art. 5º § 2º Os requerimentos deverão ser preenchidos na forma do modelo anexo e dirigidos às Subcomissões Setoriais.

  9. "Art. 6º As Subcomissões Setoriais, após a análise de cada processo, se deferido, o encaminhará, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo para dar conhecimento ao interessado e adotar as providências necessárias, quanto ao retorno do servidor, observado o disposto no art. 2º da Lei nº. 8.878, de 1994; § 1º No caso de indeferimento, será dado conhecimento ao interessado e este, nos dez dias subseqüentes à ciência, poderá oferecer recurso a ser submetido à Comissão Especial de Anistia; § 2º A Comissão Especial de Anistia apreciará o recurso no prazo de até trinta dias, contados do seu recebimento; § 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo; § 4º ): § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento."

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  10. CF, Disposições Transitórias, artigo 9º: "Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969...",

  11. "Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº. 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº. 864, de 12 de setembro de 1969..."

  12. Como exemplo: os de nº. 248, 6ª feira, 30.12.1994, Seção 2, pág. 8927; ou 13.01.1995, pág. 337.

  13. Dec. 1.153/94 – Art. 6º - § 4º Os processos cujos pedidos forem indeferidos por decisão das subcomissões da qual não tenha havido recurso ou, por decisão da Comissão Especial, serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento.

  14. O Presidente da Comissão Especial de Anistia, criada pela Lei 8.878/94, e art. 1º do Decreto nº. 1.153. de 8 de junho de 1994, e constituída pela Portaria SAF nº. 2.140, de 29 de junho de 1994, publicada na Seção 2, pág. 4046. do Diário Oficial da União do dia 30 de junho de 1994, alterada pela Portaria SAF nº. 2.678. de 24 de agosto de 1994 e pela Portaria SAF nº. 2.927, de 20 de setembro de 1994, cumprindo determinações do Excelentíssimo Ministro Chefe da Secretaria da Administração Federal e Presidência da República – SAF/PR, resolve:

  15. § 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo.

  16. Documento na posse do Autor para eventual produção de prova.

  17. Idem à nota de rodapé de nº. 12.

  18. Dec. 1153/94 – Art. 2º, § 1º Serão ainda instituídas Subcomissões Setoriais nos órgãos ou entidades que tenham absorvido, ou estejam executando as atividades dos que foram extintos, liqüidados ou privatizados e, ainda, nos que se encontrem com as respectivas atividades em processo de transferência ou de absorção, por outro órgão ou entidade da Administração Pública Federal.

  19. Idem, Art. 4º Cabe ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República designar os membros da Comissão Especial, e, aos demais Ministros de Estado, os das Subcomissões Setoriais, sendo que, no caso das entidades vinculadas, tais componentes serão indicados pelos respectivos titulares. (grifei)

  20. Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. (Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004). § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.

  21. CPC - Art. 162. - Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

  22. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267. e 269 desta Lei.60

    § 2º - Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

  23. CPC – art. 14. - Parágrafo Único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo ao juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo pago no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. 11

  24. Luiz Fux, em "O Novo Processo de Execução – O Cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial", Editora Forense, 2008, pág. 66

  25. Idem à nota de rodapé de nº. 12.

  26. Luiz Fux, em "O Novo Processo de Execução – O Cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial", Editora Forense, 2008, pág. 70

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Sobre o autor
Paulo Guilherme Hostin Sämy

Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. A Lei da anistia nº 8.878/94 e seu título executivo.: Entendendo-o e enquadrando-o no Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2232, 11 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13306. Acesso em: 25 abr. 2024.

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