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A pós-modernidade como novo paradigma e a teoria constitucional do processo

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13/08/2009 às 00:00
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RESUMO: O presente artigo é um estudo que visa chamar a atenção para o conteúdo sociológico do processo, à medida que os sistemas processuais, ao longo da História, estão eivados de Ideologia que incorpora valores sociais.

PALAVRAS CHAVE: Paradigma, Pós-modernidade, Ideologia Constitucional, Ideologia Processual.

SUMÁRIO :1. Pós-Modernidade: algumas noções prévias. 1.1. O Sistema Jurídico na Pós-Modernidade. 2. A Teoria Constitucional do Processo como integrante de um novo paradigma. Constituição, Processo e Direitos Individuais. 2.1. A Ideologia Constitucional e a Ideologia Processual. 3. Conclusões ainda que provisórias.


1. Pós-Modernidade: algumas noções prévias

Embora no seu início, vivemos em um século que poderíamos qualificar de ímpar, e no qual a ciência alcançou níveis jamais imaginados, não havendo setor do conhecimento que não tenha passado por verdadeira revolução de conteúdo, a ponto de JUNE GOODFIELD chegar a escrever livro intitulado Brincando de Deus. A Engenharia Genética e a Manipulação da Vida. [01]

MARIA GARCIA, por sua vez (Limites da Ciência – A Dignidade da Pessoa Humana e a Ética da Responsabilidade) [02] nos brinda com posição muito mais de acordo com o que defenderemos ao longo destas páginas, quando escreve que:

[...] o problema do conhecimento, da ciência – demonstra-se, portanto, uma questão filosófica (a necessidade humana do saber), uma questão política (o fenômeno do poder, de dominação da realidade) e, por certo, uma questão jurídica: a liberdade do homem e suas limitações.

Neste clima, em que o futuro já chegou, podemos fazer uso da expressão A Estrutura das Revoluções Científicas [03] usada por THOMAS S. KUHN como título de sua conhecida obra e na qual se sobressai o conceito de paradigma, o qual é usado por muitos, para aplicá-lo em diferentes áreas do conhecimento, do que é exemplo mais recente, o estudo de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno – Legitimidade – Finalidade – Eficiência – Resultados. [04]

Não temos dúvidas de que, sendo o vocábulo paradigma o ponto de onde partirão nossas observações (com a substituição de um modelo por outro), e antes de enfrentar objetivamente o seu conceito, cumpre-nos destacar, como o faz THOMAS S. KUHN, o que a aceitação de um novo paradigma provoca na ciência:

Quando a comunidade científica repudia um antigo paradigma, renuncia simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando de considerá-los como objeto adequado ao escrutínio científico. [05]

Por enquanto, a questão central é esta: que significa paradigma? [06]

Novamente é THOMAS S. KUHN quem ensina que "[...] um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma." [07]

PIERRE WEIL, em trabalho intitulado O Novo Paradigma Holístico. Ondas à procura do mar [08] analisando o Significado do termo ‘paradigma’ escreve que

Em grego, paradigma significa exemplo ou, melhor ainda, modelo ou padrão. Na filosofia platônica, era o mundo das idéias, protótipo do mundo invisível em que vivemos. Na sua República, Platão usa o termo na seguinte sentença: ‘Talvez se encontre no céu um paradigma para este que, tendo-o percebido, quer lá se estabelecer’. Na sua origem, o termo foi usado mais especialmente em linguística, para designar em gramática um exemplo tipo. Parece que só recentemente o paradigma foi introduzido como conceito de ciência.

Em seguida, o autor trás um texto de leitura imprescindível, até porque trabalha com conceitos oriundos dos ensinamentos de KUHN.

Assim, diz que

Foi Thomas S. Kunh que fez uso sistemático e consciente do termo ‘paradigma’ em ciência. ‘Ao escolhe-lo’, afirma Kuhn, ‘pretendo sugerir que certos exemplos da prática científica atual – exemplos que lei, teoria, aplicação e instrumentação – provêm modelos dos quais surgem certas tradições coerentes de pesquisa científica. São estas tradições que a história descreve sob certas rubricas, tais como astronomia ptolemáica (ou copernicana), a ‘dinâmica aristotélica’ (ou newtoniana), a ‘ótica corpuscular’ (ou ótica ondulatória), e assim por diante. O estudo de paradigmas, incluindo muitos dos que estão mais especializados do que os acima mencionados, é o que prepara principalmente o estudante para se tornar membro de uma comunidade científica particular na qual ele vai mais tarde praticar... Homens cuja pesquisa é fundamentada em paradigmas comuns se submetem às mesmas regras e padrões de prática científica. Este comprometimento, assim como o consenso aparente que ele produz, constitui pré-requisito para a ciência normal, isto é, para a gênese e a continuação de uma pesquisa tradicional particular". A força de um paradigma reside justamente neste consenso de determinada comunidade científica, em certa época. Kuhn nos dá exemplo dos diferentes paradigmas que se sucederam através do tempo e que se referem à natureza da luz. O autor reconhece [- continua PIERRE WEIL –] que pode haver certo tipo de pesquisa científica sem explicitação do paradigma, mas afirma perremptoriamente que ‘a aquisição de um paradgima (...) é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo científico conhecido’.

Deste texto que já se vai bem longo, cabe ainda ser trazido à colação o seguinte:

Uma revolução científica é, antes de tudo, uma revolução de paradigma. Quando uma geração de cientistas produz uma nova síntese, a antiga geração se extingue e dá lugar a uma nova geração, que adere ao novo paradigma. Alguns teimam em se agarrar a alguns aspectos ultrapassados do antigo paradigma; são fatalmente erradicados do novo meio ou da nova comunidade científica, e, às vezes, se agrupam para constituir grupos ‘ortodoxos’. A respeitabilidade de um cientista é uma conseqüência direta de sua adesão ao novo paradigma.

Considerando-se a provisoriedade do conteúdo de uma ciência e/ou dos paradigmas (o que hoje é científico, ontem pode não ter sido e amanhã poderá não ser!) [09] cabe a qualquer ramo do conhecimento científico, fazer com que se entenda a realidade, e por isto, é ela o ponto central de todas as preocupações, inclusive, daquelas que possuem um conteúdo político-jurídico, o que significa dizer que o exercício do Poder Político e o sistema jurídico nacional (com a Constituição escrita em seu ápice) não poderão fugir às suas influências, visto que ambas as realidades recepcionam o novo mapa cultural.

Em outras palavras: em qualquer de seus modelos escritos, a Constituição contemporânea deverá necessariamente se voltar no sentido de apreensão desta nova estrutura social, sob pena de estarmos diante de uma superlei não inspirada na própria realidade para a qual será destinada. Vale ressaltar que neste caso, ao passar o tempo, este divórcio entre a Constituição escrita e a realidade, provocará um Hiato Constituconal e, em conseqüência, a necessidade de convocação de uma Assembléia Constituinte, a qual, no exercício do Poder Constituinte elaborará novo texto, agora representativo dos valores sociais existentes.

Esta mudança do antigo modelo constitucional por um novo, significará uma mudança de paradigma constitucional!

Neste momento, podemos chamar a atenção para um fato importante: sob o ângulo da Filosofia Crítica da História, ao pensarmos na periodização da História como processo, e apesar da observação de que o Direito enquanto sistema jurídico não quebra, radicalmente com os modelos anteriores (passados, portanto) a Pós-Modernidade, também denominada Idade Pós-Moderna e Pós-Modernismo, segundo alguns, deve ser encarada como uma nova fase, que rompeu com a Modernidade enquanto modelo histórico, muito embora se possa adiantar que encarar uma definição de Pós-Modernidade é o início das dificuldades de nosso tema.

Em texto intitulado Posmodernismo, RAMÓN MAIZ y MARTA LOIS ao estudar o tema logo no item 1 (Introducción: Posmodernismo y Posmodernidad) chama a atenção para o fato de que

[...] la posmodernidad quizás sea uno de los términos más polémicos e imprecisos que han circulado en los debates de las últimas décadas. Ha levantado suspicacias tanto por su capacidad para abrir espacios nuevos de reflexión cuanto por la distancia crítica mostrada frente a la modernidad. El intento mismo de establecer un rótulo periodizador no está exento de polémica. La distinción entre modernidad y posmodernidad ocupa numerosos volumes e informa numerosos volúmenes e informa numerosos proyectos literários, arquitectónicos o políticos, y hoy en dia, su interes clarificador se sitúa en el corazón mismo de la producción del pensamiento posmoderno.

Lo cierto es que la posmodernidad es de por si lo suficientemente heterogênea y abierta como para resultar complejo el establecer unos presupuestos firmes y delimitadores [10].

Segundo lição de MIKE FEATHERSTONE ao estudar Moderno e pós-moderno: definições e interpretação, [11]

[...] qualquer referência ao termo ‘pós-modernismo’ imediatamente nos expõe ao risco de sermos acusados de perpetuar uma moda intelectual passageira, fútil e sem importância. Um dos problemas é que o termo está em moda e, ao mesmo tempo, é irritantemente difícil de definir. Segundo o Dicionário Contemporâneo das Idéias Assimiladas, ‘essa palavra não tem sentido; use-a sempre que for possível’ (Independent, 24 de dezembro de 1987). Há duas décadas, em agosto de 1975, outro jornal anunciou que ‘o pós-modernismo está morto’ e ‘a onda agora é o pós-modernismo’ (Palmer, 1977: 364). Caso o pós-modernismo seja uma moda efêmera, alguns críticos estão seguros sobre quais são os responsáveis pela sua proeminência: ‘os teóricos atuais, pagos para observar o mundo a partir de seus estudos livrescos, nas universidades e politécnicas, são obrigados a inventar movimentos porque suas carreiras profissionais – assim como a dos mineiros e pescadores – dependem disso. Quanto mais movimentos batizarem, mais bem-sucedidos serão’ (Pawley, 1986). Para outros críticos, essas estratégias não são apenas movimentos internos dos campos intelectuais e acadêmicos; são barômetros e indicadores nítidos do ‘mal-estar no coração da cultura contemporânea. Assim, ‘não é difícil compreender esse filão cultural e estéticos atualmente conhecido como pós-modernismo – na arte e arquitetura, música e cinema, drama e ficção – como um reflexo da (...) atual onda de reacionarismo político que varre o mundo ocidental’ (Gott, 1986). [12]

Logo em seguida, MIKE FEATHERSTONE prossegue em seu raciocínio, afirmando que:

[...] ora, é muito confortável ver o pós-modernismo como um reflexo mecânico e reacionário das mudanças sociais e pôr a culpa nos acadêmicos e intelectuais por cunharem o termo, como parte de seus jogos de distinção. Embora certos críticos de jornais e paraintelectuais usem o termo de forma cínica ou depreciativa, eles confirmam que o pós-modernismo tem apelo suficiente para interessar a um público mais amplo de classe média. Poucos termos acadêmicos recentes desfrutaram tamanha popularidade. Não se trata, porém, simplesmente de um termo acdêmico, pois foi impulsionado por movimentos artísticos e atraiu um interesse público mais amplo também por sua capacidade de dizer algo sobre algumas das mudanças culturais pelas quais estamos passando. Antes de olharmos para os meios de transmissão e disseminação do conceito, é preciso ter em mente uma noção mais clara do leque de fenômenos geralmente incluídos sob o guarda-chuva conceitural do pós-modernismo. Assim é preciso levar em conta o grande interesse e até o entusiasmo que o termo despertou, dentro e fora da academia, e perguntar pela série de objetos culturais, experiências e práticas que os teóricos estão apresentando e rotulando como pós-modernos antes de podermos tomar uma decisão a respeito de seu pedigree político, ou de desprezá-lo como apenas mais uma breve oscilação do pêndulo. [13]

Trouxemos à colação o texto de MIKE FEATHERSTONE, para demonstrar as dificuldades com que se defrontarão todos os que pretendam definir o Pós-Modernismo, até porque, como foi visto, enquanto uns dizem que ‘o pós-modernismo está morto’, outros o apontam como ‘bem vivo’, sendo responsável pelas mudanças de vários paradigmas nas diversas áreas do conhecimento humano.

Desta forma, na lição de KRISHAN KUMAR (Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna. Novas Teorias sobre o Mundo Contemporâneo) [14]

[…] tal como o pós-industrialismo e o pós-fordismo, o pós-modernismo é básicamente um ‘conceito de contrastes’. Tira seu significado tanto do que exclui ou alega substituir quanto do que inclui ou afirma em qualquer sentido positivo. O significado fundamental, ou pelo menos inicial, do pós-modernismo, tem que ser que não há modernismo, não há modernidade. A modernidade acabou. Isso não quer dizer, apressam-se a indicar numerosos pós-modernistas, que ultrapassamos a modernidade, que estamos vivendo em uma era inteiramente nova. O ‘pós’ de pós-modernidade é ambíguo. Pode significar o que vem depois, o movimento para um novo estado de coisas, por mais difícil que seja caracterizar esse estado tão cedo assim. Ou pode ser mais parecido com o post de post-mortem: exéquias realizadas sobre o corpo morto da modernidade, a dissecação de um cadáver. O fim da modernidade é, segundo essa opinião, a ocasião de refletir sobre a experiência da modernidade; a pós-modernidade é esse estado de reflexão. Neste caso não há uma percepção necessária de um novo começo, mas apenas um senso algo melancólico de fim.

Em seguida, KRISHAN KUMAR tratando do Antigo, Medieval e Moderno [15] escreve que:

’Modernidade’ e ‘modernismo’ são dois termos às vezes usados um pelo outro, mas que ocasionalmente recebem significados diferentes. Seguirei aquí o segundo curso. Entendo por ‘modernidade’ uma designação abrangente de todas as mudanças – intelectuais, sociais e políticas – que criaram no mundo moderno. ‘Modernismo’ é um movimento cultural que surgiu no ocidente em fins de século XIX e, para complicar ainda mais a questão constituiu, em alguns aspectos, uma reação crítica à modernidade. Os dois termos, mesmo nesses sentidos distintos, estão com certeza ligados e nem sempre é possível ser inteiramente coerente mantendo-os separados (o mesmo se aplica ainda mais aos termos paralelos – pós-modernidade’ e ‘pós-modernismo’). Isso acontece em parte porque não há consenso sobre seus significados. Mas parece útil tentar manter a distinção. Vamos começar, como devemos – continua KUMAR - com a própria palavra. Modernus, derivado de modo (‘recentemente’, ‘há pouco’), uma palavra de formação tardia na lingua latina, seguiu o modelo de hodiernus (derivada de hodie, ‘hoje’). Foi usada inicialmente, em fins do século V d.C, como antônimo de antiquus. Mais tarde, termos como modernitas (‘tempos modernos’) e moderni (‘homens de nosso tempo’) tornaram-se também comuns, sobretodo, após o século X. A modernidade, por conseguinte, é uma invenção da Idade Média cristã. Esse fato deveria, em princípio, ter estabelecido um contraste tão nítido quanto fosse possível imaginar com o mundo antigo. O mundo antigo era pagão, o moderno, cristão. Isto é, o primeiro estava envolvido em trevas, o último fora transformado pelo aparecimento de Deus entre os homens, sob a forma de seu filho, Jesús Cristo. Com Cristo, todo o significado da história humana foi alterado – ou melhor, deveríamos dizer, pela primeira vez se atribuiu um significado à história. [16]

Em livro intitulado As Ilusões do pós-modernismo [17], TERRY EAGLETON em seu Prefácio, escreve que:

[...] a palavra pós-modernismo refere-se em geral a uma forma de cultura contemporânea, enquanto o termo pós-modernidade alude a um período histórico específico. Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de identidades. Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias concretas: ela emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma de capitalismo – para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes cede terreno a uma série difusa de "políticas de identidade". Pós–modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco essa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e pluralista, que obscurece as fronteiras entre a cultura ‘elitista’ e a cultura ‘popular’, bem como entre a arte e a experiência cotidiana. O quão dominante ou disseminada se mostra essa cultura – se tem acolhimento geral ou constitui apenas um campo restrito da vida contemporânea – é objeto de controvérsia. Embora essa distinção entre pós-modernismo e pós-modernidade me pareça últil, não lhe dediquei especial atenção neste livro. Optei por adotar o termo mais trivial ‘pós-modernismo’ para abranger as duas coisas, dada a evidente e estreita relação entre elas.

AGNES HELLER e FERENC FEHÉR (A Condição Política Pós-Moderna) [18] entendem que:

[...] a pós-modernidade não é nem um período histórico nem uma tendência cultural ou política de características bem definidas. Pode-se em vez disso entendê-la como o tempo e o espaço privado-coletivos, dentro do tempo e espaço mais amplos da modernidade, delineados pelos que têm problemas com ela e interrogações a ela relativas, pelos que querem criticá-la e pelos que fazem um inventário de suas conquistas, assim como de seus dilemas não resolvidos. Os que preferiram habitar na pós-modernidade ainda assim vivem entre modernos e pré-modernos. Pois a própria fundação da pós-modernidade consiste em ver o mundo como uma pluralidade de espaços e temporalidades heterogêneos. A pós-modernidade, portanto, só pode definir-se dentro dessa pluralidade, comparada com esses outros heterogêneos.

E prosseguem, de forma direta:

Nossa outra preocupação política, ao optarmos por chamarmos de pós-modernos, é o processo pelo qual a Europa vai aos poucos se tornando um museu [19]. O projeto chamado ‘Europa’ sempre foi a cultura hermenêutica par excellence. Esse caráter hermenêutico inerente criou uma tensão interna peculiar no projeto desde tempos imemoriais. Por outro lado, a ‘Europa’ sempre foi mais expansiva e expressamente universalista que outros projetos culturais [20]. Os europeus não apenas entendiam sua cultura como superior às outras, e essas outras, estranhas, como inferiores a eles. Também achavam que a ‘verdade’ da cultura européia é na mesma medida a verdade (e o telos) ainda oculta de outras culturas, mas que ainda não chegara a hora de as últimas compreenderem isso. Por outro lado, os europeus vinham sujeitando regularmente sua própria cultura a indagações sobre suas proposições universais, para denunciá-las como outras tantas proposições particulares com falsa pretensão a universalidade. O significado do conceito de ‘ideologia’ aparecera nessa cultura avant la lettre. Ao denunciar a particularidade de todas as proposições universais e daí passar para a criação da mais universal das proposições universais, Marx só provou que foi o último europeu. [21]

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PAULO FAGUNDES VIZENTINI (Da Crise do Socialismo à Guerra do Terrorismo – Dez Anos que Abalaram o Século XX) quando, após descrever o Sistema Internacional em Transição, conclui afirmando:

As turbulências financeiras na Ásia Oriental e a guerra na Ásia Central representam, neste sentido, o primeiro embate do novo conflito em torno da ordem mundial, e não necessariamente um ‘choque de civilizações’. Assim, os anos 90 e o início do século XXI significam também o princípio de uma época de crise e transição rumo a um novo período histórico, com o declínio do ciclo de expansão ocidental, iniciado há cinco séculos. Os atentados de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos constituem, neste sentido, o marco inicial deste novo período histórico, cujos contornos ainda não estão muito claros. [22]

JAIR FERREIRA DOS SANTOS em livro intitulado O Que é Pós-Moderno [23] escreve que:

Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.

Segundo PERRY ANDERSON (As Origens da Pós-Modernidade), [24] em capítulo intitulado Primórdios – Lima, Madrid, Londres, nos dá importantes informações sobre a expressão, ao escrever:

‘Pós-Modernismo’, como termo e idéia, supõe o uso corrente de ‘modernismo’. Ao contrário da expectativa convencional, ambos nasceram numa periferia distante e não no centro do sistema cultural da época: não vêm da Europa ou dos Estados Unidos, mas da América hispânica. Devemos a criação do termo ‘modernismo’ para designar um movimento estético a um poeta nicaragüense que escrevia num periódico guatemalteco sobre uma embate literário no Peru. O início por Ruben Dario, em 1890, de uma tímida corrente que levou o nome de modernismo inspirou-se em várias escolas francesas – romântica, parnasiana, simbolista – para fazer uma ‘declaração de independência cultural’ face à Espanha, que desencadeou naquela década um movimento de emancipação das próprias letras espanholas em relação ao passado. Enquanto em inglês a noção de ‘modernismo’ só passou ao uso geral meio século depois, em espanhol já integrava o cânone da geração anterior. Nisso os retardatários ditaram os termos do desenvolvimento metropolitano – assim como no século XIX ‘liberalismo’ foi uma invenção do levante espanhol contra a ocupação francesa na época de Napoleão, uma exótica expressão de Cádiz que só muito depois se tornaria corrente nos salões de Paris ou Londres. Assim, também a idéia de um ‘pós-modernismo’ [- continua ANDERSON –] surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra e ou nos Estados Unidos. Foi um amigo de Unamuno e Ortega, Frederico de Onís, que imprimiu o termo postmodernismo. Usou-a para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo: a busca de refúgio contra o seu formidável desafio lírico num perfeccionismo do detalhe e do humor irônico, em surdina, cuja principal característica foi a nova expressão autêntica que concedeu às mulheres. Onís contrastava esse modelo – de vida curta, pensava – com sua seqüela, um ultramodernismo que levou os impulsos radicais do modernismo a uma nova intensidade numa série de vanguardas que criavam então uma ‘poesia rigorosamente contemporânea’ de alcance universal.

Mais adiante, é taxativo: "Só uns vinte anos depois o termo surgiu no mundo anglófono, num contexto bem diferente – como categoria de época e não estética." [25]

A dificuldade de que se reveste o tema, inspirou a produção de uma enorme bibliografia, sob as mais variadas perspectivas. [26]

Apesar de tudo o que se disse, há um aspecto que, a nosso ver, não pode ser olvidado, sobretudo quando se põe lado a lado as expressões modernismo e pós-modernismo, mesmo que estejamos sabedores de que, sob cada uma delas, outros elementos estejam que caracterizam as duas realidades.

Dizendo de forma direta, enquanto o modernismo é local, o pós-moderno elege o mundial, o global. Neste sentido, o moderno valoriza o nacional, e com isto cria a figura do nacionalismo, sendo prova maior as manifestações literárias, por exemplo, no Brasil, com o modernismo se iniciando através do romantismo e suas fases. Doutro lado, o pós-moderno elege o além-fronteiras, a mundialização, a globalização, nas só nas técnicas, como nas artes, além de aceitar a existências de ciências sociais, estas com um padrão ou paradigma hermenêutico diferenciado daquele que caracteriza as ciências naturais e físicas.

1.1. O Sistema Jurídico na Pós-Modernidade

Ficou claro neste breve inventário bibliográfico que trouxemos ao texto, o que já anunciávamos logo no início: não há entendimento uniforme sobre o que seja Pós-Modernidade, porém, existem reflexos dos quais os estudiosos, de qualquer setor do conhecimento, não poderão eximir-se de enfrentar.

Desta forma, considerando-se as observações anteriores sobre o sentido dos vocábulos Pós-Modernidade, Idade Pós-Moderna e Pós-Modernismo, podemos afirmar (diante da flexibilidade terminológica existente nas Ciências Sociais) que decorrido mais algum tempo e será necessário identificarmos uma nova idade, provavelmente chamada de neo-contemporânea, sobretudo tendo como marco divisório a conquista da Lua pelo Homem, ou a Queda do Muro de Berlim, ou ainda o atentado às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2002.

Neste ambiente histórico-cultural, estaremos voltados para a Pós-Modernidade como novo paradigma e seus reflexos na Teoria Constitucional do Processo, o que se justifica, não só pelo próprio objeto da ciência do Processo, mas, igualmente, pelo tratamento jurídico de temas que foram elevados ao nível de matéria constitucional – Processo Constitucional . [27]

FERNANDO DE TRAZEGNIES GRANDA em monografia escrita na última década do século passado e intitulada Postmodernidad y Derecho [28] escreve que:

[...] en vísperas del cambio de milênio, todos nos preguntamos sobre el mundo del futuro: cómo será la vida más allá del año 2000? Cómo estará organizada la sociedad de la postmodernidad? El término ‘postmodernidad’ fue lanzado por los críticos literários y luego retomado unas veces com curiosidad, otras com sarcasmo y otras com entusiasmo por los filósofos, los arquitectos y los politólogos. Pero su contenido nos es de fácil aprehensión: como puede hablarse válidamente de postmodernidad? Acaso la modernidad no es lo último, el modus hodiernus, como decían los antíguos, el modo de hoy? El ‘hoy’ se desplaza a lo largo de los tiempos y nunca puede ser sustituído por un ‘post-hoy’ que inevitablemente se convierteen un ‘hoy’ cuando sucede.

E prossegue DE TRAZEGNIES GRANDA: "Ciertamente, si adoptamos el sentido literal de ‘moderno’, no cabe una postmodernidad. Pero lo ‘moderno’ há recebido una definición histórica más rigurosa, para referirse a esse tipo de sociedad que empieza a asumir un papel protagónico a partir de los siglos XV o XVI y que se caracteriza por uma profanización de la cultura y un reordenamiento de la acción econômica y política de los hombres bajo la orientación del racionalismo y com miras a obtener ciertos fines u objetivos que más tarde fueron agrupados bajo la nueva categoria de ‘progreso’ [29].

Neste cenário pós-moderno (ou da pós-modernidade) e dentre dezenas de outros exemplos que passaram a preocupar aos juristas, destaquemos uma profunda questão que se apresenta ao Constitucionalista que esteja ao mesmo tempo preocupado com questões relacionadas à Ética (enquanto Filosofia Teórica) e à Bioética (enquanto Filosofia Prática), e que pode ser apresentada sob a forma interrogativa, a saber: há uma crise de valores constitucionais, em razão das mudanças ônticas pelas quais vem passando a sociedade contemporânea?

A questão, a partir do próprio clima em que surge, não é apenas jurídica, pois a partir do instante em que se reconhece a existência de valores constitucionais, estes se espraiam em todas as direções, tais como no Biodireito, na Bioética e na Deontologia Médica, valendo lembrar que a área abrangida pelo Biodireito alcança, inclusive, as questões ambientais. O mesmo acontece com os denominados Direito Econômico e Direito Processual.

Toda esta realidade se explica em função de um dos pontos reconhecidos pacificamente, tanto em Teoria do Direito como em Filosofia do Direito, a saber: Historicidade dos Sistemas Jurídicos, conseqüência de que a norma jurídica regula fatos sociais que não são imutáveis, mas sim, variáveis de sociedade para sociedade e mutáveis historicamente [30]. Ademais, o Direito em si mesmo, é igualmente, um fato social, [31] pelo que terá de acompanhar as transformações sociais, isto porque, e em última análise, se não há norma jurídica que não esteja inserida em um contexto histórico e político, disto, não poderia se furtar a Constituição, entendida pelo Direito Constitucional Clássico, como a Lei Maior de cada Estado (soberano).

Dizendo um pouco diferente: as transformações econômicas e sociais pelas quais vem passando o mundo contemporâneo impõem, de um lado, (a) modificações nos conteúdos do Direito Constitucional (enquanto processo ou sistema), ao mesmo tempo em que (b) os fundamentos do Direito Constitucional oriundos da Teoria Constitucional do séc. XIX, reconhecem a necessidade de modificar alguns de seus tradicionais conceitos e/ou incluir outros. Nesta perspectiva, trata-se do Direito Constitucional enquanto conhecimento.

Em outras palavras: na seara do Direito Constitucional, os fenômenos da Globalização e da Regionalização (Comunidade Européia e Mercosul), bem como a Internacionalização dos Direitos Humanos, têm dado novos contornos aos conceitos (clássicos) de Soberania, Poder Constituinte, Estado como instituição monopolizadora da produção das normas jurídicas e até mesmo, o de Constituição, vista esta como Lex Magna portadora de uma supralegalidade que a fazia impor-se sobre todo e qualquer tipo de norma jurídica integrante do sistema jurídico (nacional).

Dissemos fazia impor-se, tendo em vista que nos dias atuais o denominado Direito Humanitário se sobrepõe a qualquer sistema nacional, razão pela qual, se chega a uma conclusão inevitável: os conceitos tidos como clássicos já não representam a realidade constitucional do momento.

Esta constatação significa dizer-se que, com base nos conceitos referidos algumas situações concretas do mundo Pós-Moderno, já não são passíveis de compreensão quando analisados à luz daqueles, denotando, desta forma, um fosso ou um Hiato entre a realidade dos fatos e a explicação científica que se lhe pretenda dar, sendo um exemplo fundamental, a aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana não só à vida, mas também à morte.

Entenda-se bem: os temas que integravam o denominado Direito Constitucional clássico, não desapareceram, mas apenas carecem de uma redefinição, a ser feita sob a óptica de um novo mundo que não poderá ser ignorado, [32] como reconhece JOSÉ ASENSI SABATER, em capítulo intitulado Una Mirada a los Problemas Constitucionales Actuales, [33] ao observar que:

[...] el conjunto de datos que venimos analizando conducen a la conclusión bien obvia de que nos encontramos en medio de una profunda transformación de las coordenadas constitucionales, en el centro de un giro constitucional.

Em seguida, escreve: [34]

Cuál será desde ahora la función de las reglas constitucionales que trataban de asegurar el contorno y la estructura del estado, proporcionando al estado su propia estabilidad? Cómo asegurar, mediante un conjunto de reglas constitutivas, no ya lo perdurable del estado (su esquema mismo), sino, simplemente, la apertura de un proceso más incierto, menos definido, más abierto, donde desaparecen los sujetos colectivos, los momentos constituyentes? Cuáles son los centros de los nuevos poderes en contacto y al margen de los poderes que en contacto y al margen de los poderes estatales aparecen en esse entramado de transformaciones del nuevo escenario crítico del fin de la guerra fría, del exceso nacionalista, del desbordamiento de las fronteras políticas, de la instabilidad que se aprecia en los bordes y en el interior del viejo sistema europeu de estados? Qué reglas los deben y pueden concernir?

Repita-se: em verdade, todas as transformações referidas hão de criar uma nova Teoria Constitucional, que deverá encontrar-se calcada na realidade (e não nos gabinetes), sobretudo, quando se trata de analisar a eficácia de sua principal fonte, a Constituição, tomada no sentido jurídico-político.

Neste sentido, o mesmo SABATER, depois de falar da ausência de uma ‘respuesta tranquilizadora’ para o problema, conclui no sentido de que:

[...] lo único que parece claro es la necesidad de avanzar hacia la elaboración de una teoría constitucional a la altura de los tiempos, una teoría que habrá de ser en todo caso de tipo proyectual, que trate de comprender el cambio de las sociedades. Una teoría capaz de enfrentarse a los problemas de la sociedad y de los ciudadanos y no un mero ‘derecho de profesores’ (Zagrebelski). Una teoría, en fin, que esté a la altura de los problemas que se plantean en las sociedades democráticas actuales. [35]

Tratando dos fatores que estão determinando um Realinhamento Constitucional, [36] OSCAR VILHENA VIEIRA aponta:

[...] três movimentos distintos que vêm rearticulando o constitucionalismo contemporâneo: a regionalização, representada pela união de Estados, com fins específicos; o cosmolitanismo ético, decorrente do desenvolvimento de um sistema universal de direitos humanos; e a globalização econômica, que busca estabelecer um hábitat ideal para a livre circulação e atuação do capital transnacional por todo o globo.

E prossegue:

O primeiro desses movimentos que têm causado uma reconfiguração dos sistemas constitucionais decorre da formação de blocos regionais, onde, em função de uma integração econômica, surge a necessidade de uma integração de ordem política e jurídica [...] O segundo movimento [...] decorre do desenvolvimento de um sistema internacional de direitos humanos a partir do final da Segunda Guerra [...] O terceiro movimento, reconhecido como globalização econômica, não decorre de uma ação deliberada de estadistas, com objetivos éticos, como no caso dos direitos humanos, ou político-econômicos aqui no sentido do fortalecimento coletivo das economias de uma determinada região, como no caso da União Européia, mas de uma retórica voltada a justificar a expansão e os interesses do capital dos países de economia central, especialmente os Estados Unidos. Essa expansão tem sido legitimada ideologicamente pelo neoliberalismo. Embora essa onda já se encontre em refluxo, ela continua exercendo uma forte pressão sobre os sistemas constitucionais, especialmente aqueles que reconhecem direitos de caráter social.

ANTONIO DEL CABO (Globalización, Constitucionalismo y Derechos: Las vías del Cosmopolitismo Jurídico) [37] afirma que:

[...] desde su gestación, a mediados de la década de los 80, y sobre todo, con su creciente difusión a partir del desplome de los regímenes burocráticos del Este y del fin del mundo bipolar de la posguerra, el concepto de ‘globalización’ ha pasado a constituir un elemento omnipresente en toda reflexión teórica que pretenda dar cuenta acabada de la configuración económica, cultural o jurídica de las sociedades de fin de siglo. En ese marco, ha supuesto también un desafio central al paradigma constitucional entendido como sistema de vínculos y controles a los poderes públicos y privados en benefício de los derechos de las personas.

Logo em seguida, em nota de pé de página, observa o mesmo autor que "a pesar de la relevancia del tema, son más bien escasos los trabajos que han enfrentado directamente las aporías derivadas de la relación entre constitucionalismo y globalización." [38]

Não há dúvidas de que neste período denominado de Pós-Modernidade e que coincide com a Globalização tem sido objeto de análises sob as perspectivas econômica e/ou sociológica, sendo poucos os autores que, apesar de sua importância e das relações que mantém com o Constitucionalismo, têm se preocupado por estudar tais relações, sob o ponto de vista jurídico.

Este vazio é, justamente, o que pretendemos suprir, tratando, pois, os problemas aqui apenas levantados (em razão do espaço) sob o ângulo jurídico, em respeito à importância que o mesmo desempenha em um mundo denominado de pós-moderno e globalizado [39], pois, como o disse PAULO BORBA CASELLA, "[...] o fenômeno, antes percebido pela economia, bateu às nossas portas e foi vivido pela política e pela nação, doravante também o haverá de ser pelo direito."

Como se viu, não é fácil fixarem-se os pilares que norteiam e seguram o conceito e conteúdo do Pós-Modernismo ou Pós-Modernidade.

Em decorrência, esta dificuldade se multiplica quando a tentativa é a de explicar o sistema jurídico com as características deste período, até porque, uma aparente contradição se faz presente quando olhamos os modelos constitucionais da atualidade.

Referimo-nos ao fato de que novos ramos e novas ciências jurídicas setoriais têm se desligado da árvore constitucional.

Entretanto, ao invés de reduzir o seu tamanho, a elevação de novas matérias para serem amparadas no bojo da Lei Maior, fazem desaparecer, dia após dia, a possibilidade das antigas constituições sintéticas, as quais estão sendo substituídas por constituições analíticas, nas quais qualquer matéria que as componha estará portando as características da Supralegalidade e da Imutabilidade Relativa.

Este aumento da árvore constitucional leva-nos a possibilidade de afirmar que a Constituição, como documento político-jurídico e sob o ponto de vista material, é formada por diversos subsistemas constitucionais que, após devidamente interrelacionados entre si, formam a Constituição em seu sentido material-total, a qual, por sua vez, se encontra inserida em uma determinada realidade histórica, geográfica, sociológica, etc..., da qual não poderá ser abstraída.

Neste sentido, escreve PAULO DE BARROS CARVALHO em seu Curso de Direito Tributário: [40]

Se é correto mencionarmos a Constituição brasileira como sistema de proposições normativas integrante de outro sistema de amplitude global que é o ordenamento jurídico vigente, podemos, é claro, analisar os subconjuntos que nele existem. O que nos interessa agora é a subclasse, o subconjunto ou o subsistema constitucional tributário, formado pelo quadro orgânico das normas que versam matéria tributária, em nível constitucional. A homogeneidade desse grupamento de regras está determinada, assim pela natureza lógica das entidades normativas, que pelo assunto sobre que dispõem. Atribuem-lhe unidade duas circunstâncias: estarem todas elas legitimadas pela mesma fonte - a norma hipotética fundamental - e consubstanciarem o ponto de confluência do direito positivo, no que concerne à matéria que lhes dá conteúdo.

Este quadro não ocorre apenas na área da Constituição Tributária.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY (Pós-Modernismo Jurídico) [41] destaca um ponto por demais oportuno para nossos objetivos quando afirma que:

[...] o pós-modernismo vem sendo apropriado e estudado por muitas disciplinas, da filosofia aos estudos culturais, da geografia à história da arte, da política ao direito. No entanto, o que o pós-modernismo significa em uma disciplina não é exatamente o que pode significar em outra disciplina. Pode se perceber até incompatibilidade de significados. Embora circulando em âmbito de cultura popular o pós-modernismo permanece tema e controvérsia em círculos culturais elevados, sofisticados e acadêmicos. O termo é muito flexível.

Na segunda parte de seu livro, na qual o autor se volta à análise do tema que inspirou o nome da obra, GODOY escreve que:

[...] porém, decididamente, não há direito pós-moderno. Há, sim, reflexão jusfilosófica pós-moderna, questionadora dos paradigmas do direito moderno, mas incapaz ou desinteressada em apresentar modelo alternativo, real, factível. Quando muito, poderia se duvidar da cindibilidade justinianéia entre direito público e direito privado, questionando interesses públicos e demonstrando a primariedade suposta de alguns deles, que não se confundem simplesmente com os projetos que animam os governantes, detentores da máquina propulsora da inflação legislativa e de elefantíase judicial pela qual passamos. [42]

Esta afirmativa feita por MORAES GODOY é de uma impressionante validade, sobretudo porque chama a atenção para o fato de que o Direito (= sistema jurídico) não quebrou radicalmente com os modelos passados, mas apenas evoluiu para receber, sem dúvida, alguns inúmeros assuntos que, até o surgimento do denominado constitucionalismo social oriundo do México de 1917 e Weimar de 1919 encontravam-se apenas regulados pela legislação infraconstitucional, enquanto que nos dias presentes foram elevados à categoria de matérias constitucionais, tal como analisaremos nas páginas seguintes, com destaque para 3 (três) áreas: a biotecnologia, a economia e o processo judicial, este último merecendo maior consideração em razão dos objetivos fixados neste trabalho.

ANDREYA MENDES DE ALMEIDA SCHERER NAVARRO (O Obscuro Objeto do Poder. Ética e Direito na Sociedade Biotecnológica) [43] ainda na sua Introdução, tem lição-síntese que merece ser trazida à colação ipsis litteris. Diz-nos:

Atualmente, desempenhada pela tecnologia, particularmente pela biotecnologia que está fazendo com que uma civilização radicalmente nova seja possível. Estamos no amanhecer de novas atribuições e responsabilidades com a espécie, momento único desde o início da evolução do homem que foi, até então, biologicamente protagonista de papéis escolhidos por forças externas à consciência. A troca de papéis de ator para autor de novos ensaios na odisséia humana traz consigo a ansiedade natural dos principiantes. Questões jurídicas, filosóficas e éticas destes novos horizontes vêm sendo discutidas para amenizar o medo do desconhecido e do próprio homem com sua inigualável capacidade de destruição. Inseminação artificial, congestionamento de sêmen e seleção de espécies, são técnicas de há muito dominadas pelo homem na agropecuária, sem despertar preocupação da sociedade por tratar-se de um meio para melhorar a própria condição de vida. A utilização de meios artificiais para promover a seleção de raças humanas, tais como: a experiência nazista, sua busca pela supremacia da raça ariana e os métodos de seleção do sexo masculino empregados por povos do oriente, desencadeavam o início de uma análise das mudanças de valores pelas quais a humanidade vem atravessando. Conceitos como fertilização in vitro (FIV) - continua SCHERER NAVARRO – doação de sêmen, aluguel de útero, beneficiamento de espermatozóides, paternidade identificada por DNA, destino de embriões congelados, terapias genéticas, doações de órgãos, cirurgia para tratamento de doenças do feto, clonagem de criaturas trouxeram o material básico e os mecanismos da vida biológica do homem para os consultórios, tribunais e para os planos estratégicos das indústrias. O cerne do debate ético a respeito dos avanços biotecnológicos inclui questões referentes à privacidade genética, à disparidade de acesso a novas terapias e do registro de patente genérica. Utilizaremos a terapia genética estritamente para curar doenças graves do deveríamos estender as tecnologias para aperfeiçoar os seres humanos? A revolução biotecnológica é o foco principal de preocupação entre os cientistas, médicos e advogados, apreensivos com a eficácia e avanço das novas tecnologias, a perda da biodiversidade, a alteração da cadeia genética humana e com as imprevisíveis conseqüências da manipulação genética.

O que foi trazido à colação, irradia-se, evidentemente, na esfera da infraconstitucionalidade, fazendo com que ocorra a presença cada vez maior de diplomas legislativos envolvendo temas dos denominados biodireito, do direito econômico, do direito à cultura, etc..., podendo destacar em relação ao primeiro (Biodireito) os seguintes diplomas legislativos, o que justifica a autonomia cada vez maior deste novo ramo do conhecimento jurídico. [44]

Toda esta legislação e o novo enfoque com que se vem tratando o tema têm gerado questões jurídicas de profundas indagações, tanto que no exercício da Jurisdição constitucional, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL foi chamado a pronunciar-se sobre a possível Inconstitucionalidade (ADIN 3.510-0 DF) do art. 5º da Lei Federal nº 11.105 (24.3.05), "Lei da Biossegurança", em ação que foi impetrada pelo então Procurador Geral da República, Dr. CLÁUDIO LEMOS FONTELES e que trouxe ao órgão máximo do Judiciário Brasileiro, várias expriências processuais novas, inclusive, a realização de Audiência Pública, por iniciativa do Relator, Min. CARLOS AYRES DE BRITO.

Neste quadro, independentemente de falar-se em ciências naturais e ciências humanas ou sociais, vale ressaltar que, sobretudo as denominadas Ciências do Direito e das Ciências da Saúde tiveram seus pilares sendo objeto de dúvidas, muitas das quais representando a existência de lacunas que, com urgência, necessitam ser preenchidas. Esta realidade significa sublinhar que o conhecimento científico se vê diante de uma mudança de paradigma, passando do denominado paradigma cartesiano [45] para um outro, mais conhecido como paradigma holístico. [46]

As palavras trazidas à colação pelo conceituado tributarista e os exemplos que mencionamos aplicam-se a qualquer subsistema constitucional, como sejam, aqueles referentes à ordem social (educação e cultura), aos direitos dos trabalhadores, à ordem econômica, à saúde e previdência, às garantias do processo (aplicáveis a qualquer ramo deste) todos decorrentes de uma evolução pela qual passaram as referidas matérias em nível constitucional.

Objetivamente, nesta evolução podemos destacar três aspectos que moldam a Constituição atual, a saber:

1) - modificou consideravelmente o discurso constitucional, que, desde então, não mais se resume aos tradicionais conceitos de Formas de Governo, Formas de Estado, Direitos e Garantias Individuais, Competência, Separação de Funções etc, mas, ao contrário, a esta terminologia juntaram-se vocábulos que não têm uma explicação jurídica, como por exemplo, juros reais, pleno emprego, dignidade da pessoa humana, eficiência da administração e da prestação jurisdicional, ordem social justa, e centenas de outros. Tal fato refletir-se-á não apenas na já referida dimensão dos textos constitucionais, mas exige do seu estudioso um conhecimento quase enciclopédico, pois abrange os denominados "ramos da ciência jurídica" como, igualmente, as demais Ciências Sociais: desde a História à Economia e à própria Antropologia Cultural (ex: Constituição Federal de 1988, art. 231), para não falarmos de uma irrenunciável compreensão dos fatos regulamentados à luz da Sociologia;

2) - autorizou a Doutrina falar em Constituição Cultural, Constituição Tributária, Constituição Social, Constituição Econômica, Constituição da Saúde, Constituição do Processo (ou Teoria Constitucional do Processo) cada uma representativa de um dos subsistemas constitucionais, embora só "isoláveis" para efeitos didáticos e/ou de análises;

3) – esta incorporação de novos temas à Constituição, faz com que o constitucionalista passe de uma análise à luz do modelo descartiano (realidade fragmentada) para uma análise holística (ou total da realidade), a ser feita em duplo sentido.

Evidentemente, que estamos em simples constatação de uma realidade e não pretendemos analisar todos estes subsistemas constitucionais na visão da Pós-modernidade, mas apenas aquele que por enquanto nos interesse, ou seja, o Processo como integrante de um novo paradigma. [47]

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Sobre o autor
Ivo Dantas

Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Doutor em Direito Constitucional - UFMG. Livre Docente em Direito Constitucional - UERJ, e em Teoria do Estado - UFPE. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas. Presidente do Instituto Pernambucano de Direito Comparado. Presidente da Academia Pernambucana de Ciências Morais e Políticas. Membro do Instituto IberoAmericano de Derecho Constitucional México). Membro do Consejo Asesor del Anuario IberoAmericano de Justicia Constitucional, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales (CEPC), Madrid. Membro da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas. Fundador da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democráticos. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Pernambuco. Membro do Instituto Pimenta Bueno - Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Professor orientador visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Juiz Federal do Trabalho (aposentado). Vice-Presidente da Comissão de Precatórios Judiciais da OAB, Secção de Pernambuco. Advogado e Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Ivo. A pós-modernidade como novo paradigma e a teoria constitucional do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2234, 13 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13310. Acesso em: 4 nov. 2024.

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