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Licenciamento ambiental municipal

23/08/2009 às 00:00
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Há pouco mais de 30 anos, na cidade de Estocolmo - Suécia, foi aprovada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, a Declaração de Estocolmo (1972), que introduziu na agenda internacional a preservação do meio ambiente como fator condicionante e limitador do tradicional modelo de crescimento econômico e do uso dos recursos naturais. Atentou-se, pela primeira vez, para a necessidade de se estabelecer uma normatização principiológica, que servisse de inspiração aos povos do mundo na preservação e melhoria do meio ambiente, bem como na adoção de políticas ambientais sérias no sentido de gerenciar e controlar a utilização dos recursos naturais.

Os tribunais superiores do País reconhecem que o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.

O Princípio da Prevenção, segundo a doutrina, consiste em evitar o risco de efeitos nocivos ao meio ambiente de uma atividade sabidamente danosa. Diferentemente do Princípio da Precaução, os impactos ambientais aqui já são conhecidos. Corolário do aludido princípio, o Licenciamento Ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente de controle prévio, concomitante e sucessivo das atividades humanas, que interfiram no equilíbrio do meio ambiente. Previsto expressamente nos artigos 9º, inciso IV e 10 da Lei 6938/81, o processo de licenciamento ambiental se divide em três fases: a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO), normatizadas, respectivamente, nos incisos I, II e III do art. 19 do Decreto 99.274/90 e nos incisos I, II e III do art. 8º da Resolução 237/97-CONAMA.

Cyro Eyer do Valle assim conceitua as três etapas do processo licenciatório (Cyro Eyer do Valle. Qualidade Ambiental: ISO 14000. 5 a. Ed. São Paulo: Editora senac São Paulo, 2004, p. 80/81):

"1. Consulta Prévia, que deve ser formulada logo que se decida implantar um empreendimento e que resultará, se aceita, em uma Licença Prévia (LP), também chamada de Licença de Localização;

2. Licença de Instalação (LI), que deve ser solicitada assim que estejam definidas as características do empreendimento e antes de se dar início às obras;

3. Licença de Operação (LO) ou de Funcionamento (LF), que deve ser requerida com as obras já prontas e em condições de demonstrar que as instalações, quando em funcionamento, cumprem as condições legais e preenchem os requisitos estabelecidos na Licença de Instalação concedida".

Apesar de sedimentado pela legislação pátria e regulamentado pelas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, o Licenciamento Ambiental ainda desperta uma série de dúvidas, não só entre os juristas, como principalmente entre aqueles que lidam diariamente com a matéria. Entre as mais freqüentes podemos citar a questão da competência dos municípios para licenciar, quiçá em razão da antinomia existente entre o artigo 10 da Lei 6938/81, que aduz como regra geral a competência estadual para licenciar atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e, em caráter supletivo, a competência do órgão federal, e o artigo 6º da resolução CONAMA nº 237/97, que inova a ordem jurídica ao introduzir o licenciamento ambiental municipal de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local.

Quer nos parecer que os Municípios não têm competência para licenciamento ambiental.

A repartição de competência tem espeque na Constituição Federal, não podendo ser alterada por lei, e, menos ainda, por outro instrumento normativo de caráter secundário. Em seu artigo 23, parágrafo único, a Magna Carta impõe a criação de uma Lei Complementar para dispor sobre as atribuições dos entes federativos, conforme se depreende da leitura do dispositivo, in verbis:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional".

Não obstante a ausência do legislador no tocante a elaboração da referida Lei Complementar, mostra-se cristalina a assertiva de que o artigo 10 da Lei da PNMA foi recepcionado pela Constituição da República de 1988 com status de lei complementar, passando a regulamentar o texto constitucional no que tange à cooperação entre os entes federativos no exercício da competência comum de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (artigo 23, VI e par. único da CR). A uma, porque o fenômeno da recepção se limita à análise da compatibilidade material da lei anterior com a nova Carta, sendo irrelevante a compatibilidade formal. A duas, porque a norma prevista no artigo 10 optou no tocante à repartição de competência pelo critério da preponderância dos interesses, mesmo critério adotado pela Carta Constitucional, sendo, portanto, conciliável com àquela que passou a ser seu fundamento de validade.

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Segundo a Lei 6938/81, em seu artigo 10, a competência para licenciamento de atividades consideradas efetiva e potencialmente poluidoras, é de competência do órgão estadual e em caráter supletivo do órgão federal, sem fazer qualquer menção aos órgãos municipais, in verbis:

"Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.   (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)".

Sendo assim, não poderia o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, através da Resolução 237/07 dispor de forma diversa, estabelecendo a competência municipal em matéria de licenciamento ambiental.

Não deve prosperar o argumento invocado pelos defensores da tese contrária de que a Lei 6938/91, no seu artigo 8º, delegou ao CONAMA a competência para "estabelecer mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras,...", eis que o referido dispositivo, ao delegar a atribuição de competência normativa a órgão do Poder Executivo, procedeu ao que a doutrina denomina de DESLEGALIZAÇÃO ou DELEGIFICAÇÃO, que constitui prática vedada pela atual Constituição Republicana, tendo em vista o que dispõe o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis

"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I. ação normativa;"

Na mesma linha de pensamento, Clèmerson Merlin Clève também aludindo ao artigo 25 do ADCT pontua que: "Se a prática jurídica anterior experimentou a técnica da delegação legislativa atípica, a nova não mais a tolera. O Constituinte procurou fortalecer a competência legislativa do Congresso Nacional. Se os princípios da separação dos poderes (art.2º), democrático (art.1º, par. único), do devido processo legal (art. 5º, LIV), legalidade (art.5º, II) e universalidade da lei (art. 48), inscritos na Constituição, não forem suficientes para impedir a delegação legislativa em apreço, então o artigo 25 do ADCT, certamente, a impedirá. Ora, se o Constituinte revogou, incondicionalmente, as delegações do passado, é porque quer também proibi-las no presente e para o futuro." (Clèmerson Merlin Clève, Atividade Legislativa do Poder Executivo, 2000, p. 305/306)

De acordo com o raciocínio até aqui desenvolvido, e nesse ponto trago a colação as lições do Ilustre Procurador do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm, as resoluções do CONAMA constituem "verdadeira fraude ao processo legislativo contemplado na Constituição, erigido pelo constituinte como garantia dos cidadãos", sendo certo que a atividade fiscalizadora municipal, não encontra amparo legal (Binenbojm, Gustavo, Uma Teoria do Direito Administrativo – 1ªedição, Ed. RENOVAR).

Diante do que foi exposto, não têm os Municípios competência em matéria de licenciamento ambiental, ficando esta atividade reservada aos Estados e em caráter supletivo ao órgão executor federal (IBAMA), conforme dispõe o artigo 10 da Lei 6938/81, assim como as resoluções do CONAMA, na medida em que passam a disciplinar e limitar direitos, não encontram espeque no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que referido mister deve ser tratado através de lei, fruto da atividade do poder legislativo.

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Sobre o autor
Bruno Carvalho de Menezes

Bacharel em Direito. Agente de Polícia Federal lotado na Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico em Manaus/AM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Bruno Carvalho. Licenciamento ambiental municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2244, 23 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13375. Acesso em: 23 nov. 2024.

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