A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê, dentre os direitos individuais fundamentais, a garantia do direito a herança (art. 5º, XXX). Herança é a forma de sucessão patrimonial conferida àqueles juridicamente ligados ao titular do patrimônio sucedido, por vínculos familiares ou afetivos, reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Conforme o princípio da saisine, a propriedade e posse do objeto da herança são transmitidas automaticamente aos herdeiros, formando o espólio, sem que haja necessidade do corpus (apreensão física) ou do animus (intenção de possuir). Uma vez aberta a sucessão, ocorre simultaneamente a delação, colocação da universalidade de bens e direitos à disposição dos legitimados em recebê-la (arts. 1.791 e 1.784 do Código Civil de 2002 - CC/02).
No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-á inventário ou arrolamento do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança. Neste procedimento, todos os herdeiros deverão ser cientificados e chamados a comparecer a fim de habilitarem-se e expressarem sua aceitação ou renúncia.
A aceitação é o ato voluntário de anuência à transmissão operada, que pode se dar de forma expressa ou tácita. Este é um ato facultativo, irrevogável e universal, baseado em direito potestativo do herdeiro, não sendo possível se fracionar ou condicionar a aceitação, a qual gerará ao beneficiário responsabilidades obrigacionais limitadas às forças da herança.
Por sua vez, a renúncia (1.804, parágrafo único, do CC/02) é ato solene, voluntário e incondicional, possível a partir da abertura da sucessão [01], no qual se exige para sua validade agente capaz, vontade livre e lavratura de escritura pública ou termo inicial (art. 1.806, do CC/02), pois a incapacidade absoluta torna nula a renúncia, enquanto a relativa torna-a anulável. Se presente algum dos vícios de consentimento, será possível a anulação, ou, se ausente a lavratura de escritura, tem-se por nulo o ato pela falta de requisito essencial. Esta formalidade tem base nas consequências advindas, já que quem renuncia deixa de ser herdeiro da universalidade, desde a abertura da sucessão.
Diante do ato de repúdio à herança, a parte ideal que era cabível ao renunciante retorna ao monte-mor para daí ser distribuída nas proporções fixadas pelo CC, de acordo com a ordem de vocação hereditária e regime matrimonial de bens quanto ao possível cônjuge ou companheiro. Não se permite, no entanto, quanto aos descendentes do renunciante, o exercício de "direito de representação" com relação ao objeto da renúncia (art. 1.811 do CC/02). Já na renúncia pelo herdeiro testamentário, há que se verificar a vontade do testador. Se nomeado substituto, este será chamado a aceitar a deixa. Na falta de disposição testamentária, a parte que caberia ao renunciante segue a ordem de vocação legítima, acrescendo-se ao monte.
A renúncia não pode caracterizar fraude contra credores (art. 1.813 do CC/02), de forma que podem os credores aceitar a herança renunciada pelo devedor-herdeiro. Tal aceitação é feita com autorização do juiz, em nome do herdeiro, até a quantia suficiente para cobrir o débito. Como não houve aceitação por parte do herdeiro e sim renúncia, o montante remanescente ao débito não ficará com renunciante, pois será devolvido ao monte para partilha entre os demais herdeiros.
Outra especificidade diz respeito à capacidade do renunciante. Sendo o ato de renúncia assemelhado a uma alienação, o renunciante deve ter capacidade civil para alienar. Os incapazes só podem renunciar com autorização judicial. Por essa razão, sendo a herança considerada bem imóvel (art. 80, II do CC/02), a renúncia depende de autorização do cônjuge, se o renunciante for casado, exceto no regime de separação absoluta (art. 1.647, I, CC/02).
Tratando-se do cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será sempre assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (art. 1.831 do CC/02).
Abordadas as características e efeitos gerais, especialmente quanto o gênero renúncia, pode-se constatar a presença de três espécies: pura, tardia e translativa.
A renúncia pura ou abdicativa é aquela que consiste no efetivo repúdio unilateral à transferência patrimonial, decorrente do direito sucessório, o qual obsta a "transmissão causa mortis", retornando a parte ideal do renunciante ao monte mor, a fim de ser este partilhado conforme as proporções e vocação hereditária dispostas no Código Civil atual (por exemplo, o renunciante beneficiando genericamente seus irmãos, herdeiros em uma mesma classe, todos filhos do autor da herança, ausentes outros herdeiros necessários). Logo, esta modalidade retroagirá seus efeitos à data da abertura da sucessão, não sendo então o renunciante beneficiário do direito sucessório, restando assim excluído também da responsabilidade sobre o recolhimento do imposto sobre transmissão causa mortis e doações (ITCMD) incidente sobre o objeto da herança, não sendo sujeito passivo nem responsável na obrigação tributária.
Já a renúncia tardia corresponde à que é feita após a aceitação tácita, em favor do monte mor, ou seja, possui natureza jurídica de cessão gratuita de direito hereditário (por exemplo, a renunciante beneficiando genericamente suas irmãs, herdeiras da mesma classe, todas filhas da mesma mãe, única ascendente e autora da herança). Deste modo, uma vez implementado o fato gerador da "transmissão causa mortis", nasce quanto ao herdeiro a obrigação tributária sobre o recolhimento do ITCMD. E, por conta da cessão gratuita, nasce a segunda obrigação tributaria resultante da doação.
Por fim, a renúncia imprópria ou translativa é aquela também feita após a aceitação, razão pela qual o ato possui também natureza jurídica de cessão gratuita de direito hereditário. Deste modo, por conta "transmissão causa mortis", nasce quanto ao herdeiro a obrigação tributária sobre o recolhimento do ITCMD. E, na sequência, enseja a cessão gratuita outra obrigação tributaria, oriunda da doação (cite-se como exemplo o filho renunciante que pretende beneficiar o pai, sendo a mãe a autora da herança).
Há de se ressaltar que a renuncia tardia se diferencia da translativa no ponto de favorecimento, uma vez que aquela favorece o monte mor, enquanto esta é feita em favor de certa e determinada pessoa. Logo, reveste-se dos mesmos requisitos que se exige para uma transmissão contratual de direitos, exigindo-se, inclusive duas declarações de vontade, uma de quem transmite algum direito, e a outra de quem o recebe. É o instituto que mais conhecemos como cessão de direitos.
Este instituto somente se relaciona à renúncia quanto à cessão gratuita de direitos, uma vez que sobre a modalidade onerosa há incompatibilidade de institutos, visto que somente pode o titular alienar aquilo que lhe pertence, seja na forma ideal, seja na individualizada.
Para haver a denominada renúncia translativa é mister que o ato de renúncia implique, ao mesmo tempo, a aceitação tácita de herança e a subseqüente transferência desta, pois não se pode transferir o que, se não tiver havido aceitação, prévia, ainda não se adquiriu. E para que esses dois atos, logicamente sucessivos, se exteriorizem por meio de um ato só (a chamada renúncia translativa) se faz necessário que o ato de renúncia acrescente algo que não se compatibilize com a renúncia pura e simples (a chamada renúncia abdicativa), como se declare onerosa, ou se limite a beneficiar alguns — e não todos — co-herdeiros [02].
No mais, uma vez identificados os beneficiários responsáveis recolhimentos tributários (o herdeiro, o legatário, o donatário ou o cessionário), deve-se passar à análise da base de cálculo do imposto que é feita através do valor venal do bem ou direito transmitido, expresso e atualizado em moeda nacional, incidindo a alíquota de 4% sobre o apurado, ressalvados e respeitados casos e intervalos de isenção. Considera-se valor venal o valor de mercado na data da abertura da sucessão ou da doação. Portanto, nos processos de inventário, a apuração do valor se faz por avaliação judicial, mas esta pode ser dispensada se o valor declarado pelo inventariante for aceito pelos demais interessados e pela Fazenda Estadual, que intervém nos autos por meio do seu Procurador. Em se cuidando de bem imóvel, o valor de base de cálculo não pode ser inferior ao que constar do lançamento fiscal (IPTU, se for imóvel urbano, ou ITR, se rural) [03].
Notas
- A renúncia é ato de repudio à herança, por meio do qual se abrindo mãos dos bens e direitos já transferidos ao beneficiário. Logo, este ato somente é possível a partir da abertura da sucessão. O ato de renuncia praticado anteriormente a este marco será nulo, por ilicitude do objeto (art. 426, CC), uma vez que não se pode dispor sobre herança de pessoa viva.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Abertura da Sucessão. Transmissão da Herança. Aceitação e Renúncia da Herança. Cessão da Herança. Direito Civil: direitos das sucessões. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. Pág.11-32. Material da 1ª aula da disciplina Direito das Sucessões: Recentes Inovações, ministrada no Curso de Pós-graduação lato sensu televirtual em Inovações do Direito Civil e seus Instrumentos de Tutela – UNIDERP/REDE LFG.
- OLIVEIRA, Euclides de. Nova lei do imposto sobre herança e
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www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/Artigo+7.htm>. Acesso em: 27 mai 2009.
Referências
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