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Acesso de menores a conteúdos inapropriados às suas faixas etárias por meio da internet

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5 PORTARIAS DE VARAS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Entendendo a magnitude do problema aqui disposto, houve a edição, em várias comarcas do país, de portarias de Varas da Infância e da Juventude disciplinando, de diferentes formas, o acesso de crianças e adolescentes a lan houses, fliperamas, cybercafés e congêneres, assim entendidas as empresas que exploram a atividade dos jogos eletrônicos por meio de vídeos-game e computadores, com acesso ou não à Web. Tais normas se encontram amparadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 149, I, d, de onde se depreende que compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria (nos casos gerais), ou autorizar, mediante alvará (nos casos específicos), a entrada e a permanência de criança ou adolescente, desacompanhados dos pais ou responsável, em casa que explore comercialmente diversões eletrônicas. Assim, é óbvio que aos menores por eles acompanhados não haverá qualquer impedimento para entrada e permanência em tais locais, visto que o titular do poder familiar poderá, de fato, selecionar as diversões com as quais o ele se entreterá, desde que não se tratem das diversões destinadas a público maior de dezoito anos.

Nesse sentido, o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal editou a portaria 05/2007. Os dispositivos acerca de cinemas, salas de vídeo, DVD e fitas de vídeo são substancialmente os mesmos já vistos quando da análise das portarias ministeriais citadas. Fazendo menção, ainda, a diversos enunciados do Estatuto da Criança e do Adolescente e à Portaria 1.100/06 do Ministério da Justiça, o juízo disciplina o acesso e a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados de seus responsáveis em estabelecimentos que explorem jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres, ainda que tal atividade se dê de forma secundária.

As crianças com até dez anos, como já visto, só podem ingressar nesses locais em companhia dos pais ou do responsável, ou mediante alvará expedido por autoridade judicial, em situação excepcional. A exemplo da veiculação de programação em televisão, o acesso das demais crianças e dos adolescentes a esses estabelecimentos deve obedecer a critérios objetivos de horário, vinculados a suas idades.

Em todos esses casos, para ter acesso ao estabelecimento, deve o menor portar autorização de qualquer dos pais ou do responsável, a ficar aí retida, da mesma forma que é feito quando frequentam, desacompanhados, espetáculos ou diversões impróprias para sua idade. Ainda é necessário declarar o turno em que estudam, para que o horário do lazer não se confronte com o horário letivo, tempo durante o qual não poderá o menor ter acesso a esses estabelecimentos, ou enquanto trajarem o uniforme escolar, salvo se acompanhado de pessoa responsável. Aos desacompanhados não será permitido, tampouco, que se utilizem dos jogos eletrônicos por mais de três horas por dia, o que coaduna com a preocupação, manifestada pelo juízo na mesma Portaria, com o comportamento agressivo e baixo rendimento escolar de crianças e adolescentes que se prestam a jogos eletrônicos por grande intervalo de tempo.

Bastante sagaz foi o juízo ao estabelecer que tanto o proprietário quanto o responsável pelo estabelecimento devem fazer que a criança e o adolescente só tenha acesso a jogos compatíveis com suas idades. Ora, se a classificação indicativa é meramente ilustrativa para que os pais ou responsáveis possam decidir sobre as diversões a serem oferecidas a seus filhos menores, não pode essa opção ser feita por mais ninguém, nem mesmo pela própria criança ou adolescente afetado. Dessa forma, estando o menor desacompanhado e não constando autorização expressa para que experimente diversões indicadas a faixas etárias em que não se encontra, deve ele ser apresentado exclusivamente ao jogos condizentes com sua idade. Adiante, se reforça a proibição de acesso, pelo menor, a material impróprio para sua idade, seja na forma de internet, DVD, fita de vídeo, disco, disquete etc. Infelizmente, não há disposição acerca de qualquer sistema de registro que permita a averiguação sobre o cumprimento de tais prescrições. Isso apenas poderá ser feito mediante fiscalização pessoal e direta dos Agentes Judiciários de Proteção, o que ainda acontece de forma bastante incipiente.

Por fim, sendo encontrada qualquer criança ou adolescente em situação contrária ao estabelecido, será imediatamente entregue ao pai, à mãe ou ao responsável, mediante termo de entrega, devendo a pessoa que o recebe participar de audiências e reuniões estipuladas pelo juízo. O proprietário e o responsável do estabelecimento são solidariamente responsáveis pelo cumprimento dos preceitos informados na referida Portaria.

Em Minas Gerais, o juiz da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte editou a Portaria 003/07, em data de 16 de abril. Bastante minuciosa, revela diferentes tratamentos dados aos estabelecimentos inseridos em shopping centers com dispositivos de segurança físico e eletrônico, os quais podem inclusive receber adolescentes de doze a catorze anos desacompanhados dos pais ou responsáveis no intervalo das dez às dezenove horas, sem necessidade de apresentarem autorização, conforme se depreende de seu art. 10º.

Em Belo Horizonte, os adolescentes com dezesseis a dezoito anos nunca precisarão de autorizações para frequentar esses estabelecimentos. Nos dias úteis, a permanência do menor não poderá exceder três horas; nos demais, quatro. Em caso de diversões cujo local do estabelecimento apresente insegurança, o horário máximo de permanência será reduzido. São também apresentadas as mesmas restrições acerca do horário escolar do menor, bem como a proibição de frequentar os estabelecimentos trajando o uniforme escolar, sendo proibido sua permanência uma hora antes do início da aula. Estipulou-se a distância mínima de trezentos metros entre tais estabelecimentos e escolas de ensino fundamental e médio, salvo os estabelecimentos localizados no interior de shopping centers.

A Portaria 006/2003, editada pelo juízo da Infância e da Juventude de Goiânia, apresenta maior permissividade quanto aos horários em que os menores podem se encontrar nos estabelecimentos que exploram diversões eletrônicas. Menores de dez a doze anos podem fazê-lo sem necessitar de autorização, das nove às vinte horas. Os de doze a catorze anos, se autorizados, podem permanecer nos estabelecimento até as vinte e três horas. Dos catorze aos dezesseis anos, podem aí continuar até as vinte e três horas sem autorização, e depois desse horário indefinidamente, com autorização dos pais ou responsável. Proíbe-se o acesso de menores a equipamentos em desacordo com sua faixa etária, bem como a permanência no local com fardamento ou material escolar.

As portarias judiciais apontadas, que seguramente devem ter semelhantes em várias outras comarcas do país, revelam preocupações fundamentais da sociedade e das famílias. Seus regramentos visam impedir que crianças e adolescentes deixem de frequentar aulas para se dirigirem a lan houses, ou que aí permaneçam sem conhecimento e aquiescência de seus pais ou responsáveis, o que seria remediado pela exigência da autorização por escrito.


6 DA INCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS MUNICIPAIS OU ESTADUAIS SOBRE A MATÉRIA

No Município de São Paulo, a lei 11.610, de 1994, determina que só serão concedidos alvarás de funcionamento às casas de diversões eletrônicas conhecidas como fliperamas que guardem uma distância mínima de mil metros de escolas, cursos supletivos ou cursos preparatórios para o vestibular.

No Estado de São Paulo, foi editada a lei 10.228/06, que disciplina o acesso e a permanência de menores nas lan houses. Determina que crianças de até doze anos não podem permanecer nesses recintos sem o acompanhamento de ao menos um dos pais ou do responsável; os entre doze e dezesseis anos devem ter autorização por escrito de um dos pais ou do responsável, e os menores de dezoito só podem lá permanecer após a meia-noite com tal autorização.

No entanto, apesar da preocupação salutar que tinha o legislador estadual e municipal, tais leis são inconstitucionais, por desrespeitarem as regras constitucionais de atribuição de competência.

O artigo 24, XV da Constituição Federal aduz que é competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal legislar sobre proteção à infância e à juventude. Esse sistema de organização da matéria legislativa para cada Ente Federado segue determinados preceitos: à União cabe estabelece normas gerais, e aos Estados e ao Distrito Federal, as específicas, observadas as anteriores. Caso não haja, ainda, norma produzida pela União, o Estado ou o Distrito Federal exercerá a competência legislativa plena, até que sobrevenha disciplinamento do outro Ente, sendo suspensa a norma estadual ou distrital no que lhe for contrária. Trata-se de competência suplementar, nas modalidades complementar e supletiva, respectivamente.

Pois bem. A Lei Federal nº 8.069/1990 (vulgo ECA) contém, no seu art. 149, I, que compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável em estádio, ginásio e campo desportivo; bailes ou promoções dançantes; boate ou congêneres; casa que explore comercialmente diversões eletrônicas; estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão, bem como, segundo o inciso II, a participação de criança e adolescente em espetáculos públicos e seus ensaios e certames de beleza. Trata-se de um rol taxativo. Arremata o § 1º que a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores: os princípios do ECA; as peculiaridades locais; a existência de instalações adequadas; o tipo de frequência habitual ao local; a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo. O § 2º afirma que essas medidas deverão ser fundamentadas, caso a caso, sendo vedadas as determinações de caráter geral.

Como se vê, inexiste a inércia da União que permitiria a livre regulação da matéria pelos Estados e pelo Distrito Federal, somente lhes cabendo complementar a norma. Portanto, se a Lei Federal determina que é o juiz da Infância e da Juventude (ou o que exercer tal atribuição, por determinação da Lei de Organização Judiciária Local), o competente para determinar as formas como se dará a entrada e permanência de crianças e adolescentes a esses locais, observando os preceitos legais acima colacionados, não cabe à Lei Estadual ou Distrital, a ela submissa, dispor diferentemente, limitando a atividade do juiz. Tampouco seria tarefa da Lei Municipal, por total incompetência do Município para tal. Para fins de melhor entendimento, seria constitucional a Lei Estadual que determinasse, por exemplo, parâmetros para a melhor avaliação dos critérios apontados no ECA, dirigidos ao magistrado, tendo como base as peculiaridades locais, o que, inclusive, é um dos elementos a serem considerados pelo magistrado em suas portarias e alvarás.

A exigência de fundamentação para o alvará ou portaria demonstra que esse ato administrativo perpetrado pelo magistrado é uma espécie de prestação jurisdicional especial, inserida no microcosmo normativo que é o ECA. Dadas as especificidades que a matéria impõe – a proteção integral a crianças e adolescentes –, nada mais natural que haja, também, a presença de uma nova forma de administração da justiça. A Constituição aponta como garantia fundamental a exigência de fundamentação das decisões jurisdicionais

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A vedação de determinações de caráter geral e a taxatividade das hipóteses em que poderá haver regramento pelo magistrado são totalmente consentâneas com o Estado Democrático de Direito, em que somente a lei, devidamente votada e discutida pelos representantes eleitos pelo povo, é a única espécie normativa capaz de impor obrigações e atribuir direitos de forma genérica. Todas as determinações infra-legais, de que a portaria é espécie, devem respeito ao seu regramento, sob pena de ilegalidade (afronta à lei) ou inconstitucionalidade (quando não haja a lei ou ela própria seja também inconstitucional).

Por fim, resta ressaltar a diferença entre as Portarias Ministeriais tratadas no item 3 e as Portarias Judiciais, explanadas no item 5. Aquelas, gerais, se aplicam a todo o território nacional. Porém, seu conteúdo é mais informativo, pedagógico, indicativo: organiza os critérios de classificação de diversões e determina o seu aproveitamento ou não conforme a idade do menor. As Portarias Judiciais estão adstritas à Comarca do juiz que as editaram, contendo regras sobre uma situação específica, inserida nas hipóteses legalmente apontadas, obedecendo a critérios mais pormenorizados. É exemplo dessa o disciplinamento do horário de funcionamento de parques de diversões em uma comarca. Vê-se, pois, que tais espécies normativas contém matérias distintas, e substratos jurídicos diferenciados, razão pela qual não se deve confundi-los.


7 CONCLUSÃO

A internet, atualmente, engloba todas as mídias conhecidas pelo homem: podem-se ler livros, revistas, jornais de qualquer tipo ou procedência; assistir a novelas, filmes, peças ou programações inteiras de canais televisivos, ouvir programas de rádio e qualquer espécie de música, ter acesso a salas de bate-papo, jogos etc. Todas essas formas de comunicação e informação são detalhadamente reguladas e classificadas pelo Estado, enquanto o acesso à Web não conhece tamanha pormenorização. Obviamente, seria tarefa inumana classificar todos os conteúdos expostos na rede, mas há substancial diferença entre o uso que os menores fazem dela em seus computadores pessoais, sujeitos que estão à supervisão parental, e o uso das máquinas em estabelecimentos comerciais, onde a liberalidade reina.

Dessa forma, deve-se cuidar para que os pais ou responsáveis possam realmente interferir no conteúdo visualizado por seus filhos ou tutelados quando no uso de computadores em lojas tais como as descritas. Naturalmente, o melhor é que tal regramento se dê por força de portaria ministerial, a exemplo das já existentes, que devem apontar formas e procedimentos pelos quais os proprietários e responsáveis pelos estabelecimentos cuidariam para que a o conteúdo visto pelos menores, que é de escolha dos pais ou responsáveis, seja seguido tal qual os detentores do poder familiar o desejem. São exemplos a serem considerados: configuração de filtros para sítios eletrônicos, senhas, restrições quanto a jogos eletrônicos liberados para uso etc.

Necessita-se de (mais) normatização da matéria, mormente em âmbito nacional, o que pode ser realizado através de portarias ministeriais, a exemplo das que disciplinam os procedimentos e critérios da classificação indicativa de programas radiofônicos e televisivos, diversões e espetáculos públicos, jogos eletrônicos e de interpretação (RPG), cinema, vídeo e DVD. Deve ser priorizada a questão do acesso de crianças e adolescente a conteúdos inadequados, de forma a impossibilitar tal ocorrência, através de mecanismos de filtro e bloqueio de sites, bem como exigindo que sítios virtuais com forte conteúdo violento ou sexual sinalizem tal condição previamente à exibição de tais materiais, e até estabeleçam métodos eficazes de verificação de idade.

De qualquer forma, uma regulação nacional nesse sentido ensejaria grande discussão acerca das peculiaridades regionais quando do estabelecimento das faixas etárias e horários indicados à permanência dos menores em tais casas de diversão. No entanto, tal obstáculo não pode, de forma alguma, impedir o avanço de considerações desse tipo.


REFERÊNCIAS

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TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao Código Civil. V. 18. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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Sobre a autora
Cíntia Bezerra de Melo Pereira Nunes

bacharelanda em Direito pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Cíntia Bezerra Melo Pereira. Acesso de menores a conteúdos inapropriados às suas faixas etárias por meio da internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2271, 19 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13538. Acesso em: 22 nov. 2024.

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