Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Breve análise do imposto de renda. 3. Danos Morais. 4. Não incidência do imposto de renda sobre a indenização por danos morais. Críticas a este atual entendimento do STJ. 5. Considerações finais.
1. Considerações iniciais
O presente trabalho, rebatendo atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem como escopo demonstrar que a efetiva indenização por danos morais se submete à incidência do imposto de renda e proventos de qualquer natureza (IR). Isso porque a vítima experimenta um acréscimo patrimonial e, com isso, preenche-se o fato gerador da espécie tributária acima citada.
Em um primeiro momento, limitar-me-ei a traçar uma breve análise do imposto de renda. A competência para a sua criação, a sua natureza e, com isso, a sua finalidade econômica, os princípios a que se submete e, por fim, o que seria "renda" e "proventos" para fins de sua incidência no caso concreto.
Já em um segundo momento, breves comentários acerca do dano moral serão realizados. Sua conceituação e, bem ainda, o que poderia ser considerado como seu fato gerador.
Por último e em um terceiro momento, demonstrarei que o IR incide sobre a indenização por danos exclusivamente morais. Para tanto, trarei à baila recente entendimento do STJ a respeito e, bem assim, críticas construtivas acerca de tal matéria.
Este artigo, portanto, aspira apresentar uma visão crítica sobre assunto de destacado relevo no campo tributário, convicto da ideia de que não podemos nos acostumar às iniquidades.
2. Breve análise do imposto de renda
De competência privativa da União, o imposto de renda e proventos de qualquer natureza (IR) é eminentemente fiscal. Quer dizer: regra geral, sua finalidade precípua é a de arrecadar pecúnia para os cofres do Estado [01].
Constitucionalmente, está amparado pelos princípios da generalidade, universalidade e progressividade. Enquanto que o primeiro e o segundo consagram a possibilidade de o IR incidir em todas as rendas e proventos existentes (generalidade) de todas as pessoas que adquiriram tais rendas ou proventos (universalidade), a progressividade efetiva o princípio da isonomia e da capacidade contributiva, impondo que o IR recaia de forma mais significativa naquele que auferiu, em um espaço de tempo, mais renda ou proventos [02].
O termo "renda", consoante o Código Tributário Nacional [03] (CTN), pode ser definido como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. O produto do capital seria o acréscimo pecuniário decorrente de uma aplicação financeira, por exemplo. O produto do trabalho seria o salário ou no vencimento recebido pelo empregado ou servidor público, respectivamente, no final do mês. Já a combinação de ambos seria, para fins de ilustração, o pro labore recebido pelos sócios de uma empresa.
Por outro lado, a expressão "proventos" é todo o acréscimo patrimonial do sujeito passivo da relação tributária que não se enquadre como renda. Em outras palavras: para fins de hipótese de incidência do IR, basta que o sujeito passivo perceba um aumento patrimonial. Se não enquadrado como renda, por exclusão, será considerado como proventos.
Por último, resta observar que tal espécie tributária ainda está submetida aos princípios da estrita legalidade tributária (no que concerne à majoração de suas alíquotas, especialmente) e da anterioridade do exercício financeiro. Não se submete à anterioridade nonagesimal, podendo ter suas alíquotas majoradas no último dia de um exercício financeiro para já ter aplicabilidade no próximo dia útil do ulterior exercício.
3. Danos Morais
O dano moral, diferentemente do patrimonial, atinge o ofendido como pessoa e não o seu patrimônio. Ultrapassada a discussão acerca da possibilidade ou não da indenização por danos morais [04], atualmente, doutrina e jurisprudência aceitam tal possibilidade. Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, [05] a indenização por danos morais "não representa a medida nem o preço da dor, mas uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza e dor infligidas injustamente a outrem". E tal compensação se manifesta por meio de um valor pecuniário, definido pelo Poder Judiciário, dirigido à vítima do dano. Quer dizer: além de tentar compensá-la moralmente, este determinado valor pecuniário acarreta, por conseguinte, um aumento no seu patrimônio.
Mas o que causaria um dano moral? Um simples aborrecimento, mágoa, irritação? Ou, bem ao revés, uma dor, vexame, sofrimento, que fogem à razoabilidade? Muito embora não haja um critério exato a respeito, é claro que, pelo bom senso, uma simples mágoa, irritação ou, até, aborrecimento cotidiano não são suficientes para ensejar uma eventual ação por danos morais. Para que se justifique tal ação, faz-se necessário que a dor, o vexame, a humilhação, fujam à normalidade e, com isso, tragam duradouros transtornos psíquicos à vítima. Com precisão, são os ensinamentos de Sérgio Cavalieri. In verbis:
Deve-se reputar como dano moral, a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazer parte do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. [06]
Isto posto, o dano moral é uma consequência de um sofrimento, vexame, dor, que, fugindo à normalidade, atinja psiquicamente a vítima, causando-lhe, de forma duradoura, sentimentos que a levam à humilhação. Uma indenização por tal dano, além de buscar uma compensação pecuniária correspondente ao sofrimento sentido pela vítima, traz consigo um inevitável aumento do seu patrimônio material.
4. Não incidência do imposto de renda sobre a indenização por danos morais. Críticas a este atual entendimento do STJ.
Conforme supra-aventado, a hipótese de incidência do tributo em comento é o acréscimo patrimonial do sujeito passivo decorrente da aquisição, em determinado período de tempo, de renda ou provento.
Logicamente, a indenização por danos morais não está enquadrada no conceito de "renda". Contudo, tal indenização, sem sombra de dúvidas, representa um aumento patrimonial do autor da ação e, com isso, mormente não se enquadre no conceito de "renda", subsume-se ao que é entendido por "provento".
À primeira vista, portanto, perfeitamente possível seria a incidência do IR sobre o valor da indenização por danos morais. Inclusive, este era o antigo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Entretanto, recente julgado decidido pela 1° Seção do retromencionado tribunal [07], pacificando, diga-se de passagem, a sua jurisprudência, firmou orientação em sentido contrário, qual seja (fazendo uso de outras palavras): a indenização por danos morais não representa um acréscimo patrimonial, mas, sim, uma compensação pecuniária decorrente do sofrimento degustado pela vítima. Como não representa um aumento patrimonial oriundo do produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, este tipo de indenização não se amolda ao termo "renda" e, com isso, descaracterizada está a hipótese de incidência da espécie tributária aqui estudada.
Nesta senda, oportuno é o teor do julgado. Note-se:
O entendimento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o de que a negativa da incidência do Imposto de Renda não se dá por isenção, mas pelo falo de não ocorrer riqueza nova capaz de caracterizar acréscimo patrimonial.A indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do Imposto de Renda, pois se limita a recompor o patrimônio imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado.
A questão foi definida em um recurso especial da Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS), que, ao apreciar mandado de segurança, reconheceu o benefício fiscal à verba recebida, confirmando decisão da primeira instância.
A ação foi apresentada pelo advogado gaúcho Elton Frederico Volker contra ato do delegado da Receita Federal em Porto Alegre, buscando afastar a incidência do Imposto de Renda sobre a verba indenizatória. O contribuinte recebeu R$ 6 mil de indenização do Estado do Rio Grande do Sul como ressarcimento por danos morais relativos a falhas administrativas que, dentre outros problemas, provocaram a expedição equivocada de ordem de prisão em seu nome. O fato que gerou a ação de indenização foi um assalto no qual levaram todos os documentos de Volker. Um mês depois, ele soube pelo noticiário que um assaltante de uma agência de turismo foi preso e identificado com o seu nome. Três anos depois, esse assaltante fugiu do presídio e foi expedida ordem de prisão no nome de Elton Frederico Volker. O advogado só teve conhecimento da confusão quando recebeu ordem de prisão ao tentar renovar a Carteira Nacional de Habilitação, prisão que só não ocorreu porque conseguiu provar todas as circunstâncias.
No recurso ao STJ, A Fazenda Nacional argumentava que a indenização representa acréscimo patrimonial. Sustentava, ainda, ser impossível conceder isenção por falta de fundamento legal, uma vez que somente a lei poderia deferir a exclusão do crédito tributário.
’.O relator do recurso no STJ, ministro Herman Benjamin, entendeu que a verba recebida a título de dano moral não acarreta acréscimo patrimonial e, por isso, não se sujeita à incidência do Imposto de Renda. Para o relator, ‘a indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do Imposto de Renda, pois se limita a recompor o patrimônio imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado. Ao negar a incidência do Imposto de Renda, não se reconhece a isenção, mas a ausência de riqueza nova - oriunda dos frutos do capital, do trabalho ou da combinação de ambos – capaz de caracterizar acréscimo patrimonial. A indenização por dano moral não aumenta o patrimônio do lesado, apenas o repõe, pela via da substituição monetária, in statu quo ante [no mesmo estado em que se encontrava antes]
O ministro Herman Benjamin ressaltou que ‘a tributação
da reparação do dano moral, nessas circunstâncias, reduziria a plena
eficácia material do princípio da reparação integral, transformando o
Erário simultaneamente em sócio do infrator e beneficiário da dor do
contribuinte. Uma dupla aberração. Destaco que as considerações feitas no
presente voto, referentes à incidência do IR sobre o dano moral,
restringem-se às pessoas físicas enquanto possuidoras, por excelência, dos
direitos da personalidade e das garantidas individuais, consagrados no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana’.
Após voto-vista do Ministro Francisco Falcão, acompanhando integralmente
o relator, a Seção, por maioria, vencido o ministro Teori Albino Zavascki,
concluiu pelo afastamento da tributação pelo IR sobre a indenização por
dano moral. O julgamento pacifica a questão nas duas turmas que
integram a Primeira Seção, responsável pela apreciação das causas
referentes a Direito Público. [08](grifo nosso)
Ocorre que, sem embargo da decisão aventada, o eminente Relator esqueceu-se que o fato gerador do imposto de renda não é apenas a aquisição do patrimônio decorrente do produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos (preenchendo o conceito de renda). Bem ao contrário, o fato que gera a incidência de tal espécie tributária é, também, a aquisição de proventos de qualquer natureza que, por sua vez, traduz-se em todo o aumento patrimonial suportado pelo sujeito passivo da relação tributária que não se enquadre no conceito de renda.
A indenização por danos morais, como diversas vezes já comentada, acarreta um aumento patrimonial da vítima. Logo, muito embora não se enquadre no conceito de renda, tal acréscimo se amolda ao termo "provento" e, com isso, permite a incidência do imposto de renda e proventos de qualquer natureza em um caso concreto.
5. Considerações Finais
Por todo o exposto, percebe-se que a indenização por danos morais se submete à incidência do imposto de renda e proventos de qualquer natureza. Isso porque, muito embora não seja caracterizada como "renda", este tipo de indenização acarreta um acréscimo patrimonial à vítima do dano moral. Por trazer tal acréscimo, mormente não se enquadre no conceito de renda, perfeitamente se amolda ao que definido como "proventos", um dos fatos geradores do supracitado imposto.
Muito embora decisão judicial em sentido contrário, claro e evidente torna-se a incidência do IR sobre a indenização por danos exclusivamente morais. Como já demonstrado, além de promover uma satisfação à vítima do dano, esta indenização acarreta, também, um aumento no seu patrimônio e, com isso, mais do que justificável é a incidência do já tão mencionado imposto.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 1 ed. São Paulo: Método, 2007.
CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
LEGISLAÇÃO
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Código Civil de 2002.
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resp. 963387/RS – RIO GRANDE DO SUL. Relator: Ministro Herman Beijamim, DF, 20/06/2007. Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89640. Acesso em 29/10/2008.
Notas
- Deve-se ressaltar que o IR também possui natureza extrafiscal. É que, por ser progressivo, incide significativamente naquele que possui mais patrimônio, ao passo que, ao detentor de pouco patrimônio, nada exige ou pouco é exigido, consagrando a isonomia e promovendo a redistribuição de renda.
- ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 1ed., 2007, p. 506.
- Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
- Principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do advento do Código Civil de 2002.
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 4 ed., p. 107.
- CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2 ed, p. 78.
- Noticiada na página do Tribunal, no dia 17/10/2008.
- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resp. 963387/RS – RIO GRANDE DO SUL. Relator: Ministro Herman Beijamim, DF, 20/06/2007. Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89640. Acesso em 29/10/2008.