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A Lei Antitruste e a AMBEV.

Uma análise sob a norma-da-razão

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25/09/2009 às 00:00
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4.Considerações sobre o enquadramento sob o art. 21.

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;

(...)

IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

Os incisos escolhidos para a configuração do delito são simplesmente absurdos. A única forma material de a representada conseguir limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado seria por conta de algum conluio com o governo que o impedisse pela concessão de um monopólio ou de um oligopólio. Isto é precisamente o que o estado faz com a energia elétrica, com a telefonia, com os serviços de água e de esgoto, com as linhas de ônibus urbanos, com as licenças para os canais de televisão, e um sem número de outras atividades.

Não se confunda, porém, a dificuldade de alguém entrar em um mercado que por si somente é competitivo. Os fabricantes de televisores em preto e branco podem até tentar, e absolutamente nada há que lhes obste abrir uma firma, expor os seus produtos e colocá-los à venda. Se alguém vai comprar, isto é lá outra história. Assim também com os fabricantes de aparelhos VHS ou com as máquinas de escrever.

Praticamente o mesmo se pode dizer do inciso V. A única forma material de ser possível criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de uma empresa é tendo poder de decisão sobre ela, o que somente poderia ser alcançado com a mãozinha estatal. Tendo esta empresa toda a liberdade para ser constituída, para poder se organizar e traçar suas estratégias, nada há que ser falar em criação de dificuldades, dificuldades estas que não podem ser confundidas com o puro e concorrido mercado.

Por fim, o inciso VI cai por extrema falta de nexo. Quem disse que as representantes tiveram, o acesso "impedido", no caso, aos canais de distribuição? Este inciso somente pode ser lido com uma interpretação forçada no sentido do "que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados", do caput do art. 20, redação ampliativa que deve ser repudiada, pois tal hermenêutica é totalmente contrária ao bom direito.


5.O Caso Dolly

Há um caso que tem sido amplamente noticiado, que trata de denúncia realizada pelo fabricante dos refrigerantes Dolly, contra a Coca-Cola. Tomando como base apenas as suposições, sem exame de mérito, já que prosseguem as investigações e o processo judicial, para exclusivo fim de estudo de caso, aqui poderíamos encontrar, caso sejam verdadeiras as denúncias, verdadeiros atos de restrição à constituição, funcionamento e desenvolvimento de concorrente, com limitação de acesso às fontes de matérias-primas, fornecedores e adquirentes.

No caso, houve denúncias de dirigismo fiscalizatório, denúncias estas que estão sendo apuradas por meio da Corregedoria da Receita Federal do Brasil. Houve também a denúncia de que a Coca-Cola teria conseguido da Receita Federal a edição de uma portaria que obrigasse os fabricantes de embalagens PET a declararem a lista de seus clientes - isto facilitaria à Coca-Cola exercer pressão sobre eles, para obrigá-los a não vender embalagens para os concorrentes. E houve até mesmo a denúncia de ameaça de morte, com a divulgação de uma gravação.

Todos estes atos, caso verdadeiros, configuram reais agressões ao direito de propriedade e à competição, e note-se, sempre há alguma impressão digital deste senhor, o estado.


6.Considerações sobre a penalidade aplicada

Sobre a penalidade aplicada, qual seja, a de impor uma multa em torno de trezentos e cinqüenta milhões de reais, vale também um comentário, e para tanto vamos fazer um paralelo com o comércio exterior: quando um país vai à OMC prestar queixa contra outro, e sendo dado ganho de causa, em regra a punição é realizada de forma a propiciar ao outro a faculdade de se ressarcir pela imposição de taxas de importação, ou quotas. Sem adentrar muito na matéria, o importante é que a vantagem vai para o concorrente ofendido. O mesmo acontece no trânsito, quando da colisão entre dois veículos. A perícia vai ao local para determinar o culpado, de modo que este preste os ressarcimentos à vítima. Mas, o que acontece com alei antitruste? Tudo o que a representante ganhou foi a determinação à representada para que parasse com a prática, mas a bolada – e que dinheirão (!) – foi todo para os cofres públicos! Por quê?

Apenas sendo o caso de que reconhecêssemos a validade desta lei horrenda, ela poderia determinar, por exemplo, a redução da produção da representada com o estabelecimento de uma cota, ou outra coisa com o mesmo efeito.

Prever a arrecadação de multas arquimilionárias é abrir as portas à perseguição interessada de empresas, é abrir a temporada de caça, seja por motivos pragmáticos (arrecadar) e/ou ideológicos (destruir o bom funcionamento do mercado).


7.Conclusão

Mais uma vez, reiteramos: caso o programa da representada não tenha envolvido figuras do crime comum: ameaças, execuções, sabotagens, conluio com políticos ou agentes de governo, e afins, um programa de fidelidade com cláusula de exclusividade nada tem de anticomercial.

Do ponto de vista dos bares, estes fazem o mesmo que o governo faz ao editar licitações: eles buscam vantagens, e o fazem de forma permanente, ainda que mais informal, como é próprio da iniciativa privada ter esta liberdade para procurar o que seja melhor pra si. Em todo momento, estes bares estiveram abertos para receber propostas mais vantajosas dos concorrentes, e o resultado desta guerra seria maravilhoso para a população.

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O mercado dos bares nunca foi um mercado fechado, de modo que o universo deles estivesse circunscrito a um determinado número; ao contrário, bares se abrem a todo instante e é bem possível que o programa que a representada mantinha tenha sido responsável pela abertura do mercado. Ora, abrir mais mercado não é restringi-lo.

Por sua vez, a lei 8.884/94 se fez um tanto... oportunista, em relação à aplicação de penalidades.

Finalmente. Aqui nos estendemos mais do que o esperado para fazermos um arrazoado sobre o caso AMBEV. Comentar todo o texto da lei exigiria uma dedicação mais extensa, o que ainda faremos, assim, de forma homeopática. Todavia, o importante aqui foi registrado: não há que se falar em reforma pontuais, administrativas, com traço de maquilagem. Tanto o CADE quanto a lei antitruste devem ser sumariamente extintos do ordenamento jurídico e administrativo.

Esta lei foi fundamentada sobre teorias econômicas infundadas que jamais se revelaram verdadeiras, e serve como um autêntico fator de desestímulo ao desenvolvimento honesto da livre iniciativa, à inovação e a eficiência.

Como muito bem disse a Dra. Petterson, foi criada para proteger não a concorrência, mas os concorrentes mais lentos e incompetentes, que buscam os meios políticos como forma de frear a competitividade dos empreendedores que mais sabem atender aos desejos da população. Agem, eu diria, como o sujeito que agarra a camisa do adversário na grande área, contando com a amizade com o juiz.


Notas

  1. MISES, Ludwig von. Theory and History. P.147.: Those politicians, professors and union bosses who curse big business are fighting for a lower standard of living.
  2. ARMENTANO Dominck. Antitrust – the case for repeal. 2ª ed. Ludwig von Mises Institute, Auburn, Alabama, EUA, 2007 – p.xvi: "Investigations and enforcement efforts were also expanded during the Clinton administration under Assistant Attorney General Anne K. Bingaman and her sucessor at Justice, Joel Klein. Besides the sharp increase in corporate criminal fines collected for alleged price-fixing, the Clinton trust-busters (including the FTC) dramatically expanded the number of merger investigations, initiated questionable cases adressing vertical integration issues, supported the internacionalization of antitrust enforcement, and filed high profile cases against firms such as Staples, Intel, and, of course, Microsoft".
  3. DI LORENZO, Thomas J. Anti-trust, Anti-truth (artigo). http://mises.org/story/436: General Motors was never prosecuted, but because of the company''s fear of antitrust it was official company policy from 1937 until 1956 to never let its market share top 45 percent, for any reason. This fear of antitrust prosecution contributed to the industry''s dramatic losses in market share to the Japanese and German automakers during the 1970s and ''80s.
  4. ARMENTANO, Dominick. Antitrust and monopoly. Anatomy of a policy failure. 2ª ed. The Independent Institute, Oakland, California, 1999.
  5. ARMENTANO, Dominick. Antitrust and monopoly. Anatomy of a policy failure. 2ª ed. p. 43. The Independent Institute, Oakland, California, 1999: "To establish monopoly in a free market would require perfect entrepreneurial foresight, both in short run and the log run, with respect to consumer demand, technology, location, material supplies and prices, and thousands of other uncertain variables; it would also require an unanbiguous definition of the relevante market. Few, if any, firms in business history, before or since antitrust, have ever approached such unerring perfection, let alone realized it for extended periods of time. The so-called quiet life that is reputed to be enjoyed by the free-market monopolist is, as we shall discover below, part of the folclore af antitrust history".
  6. LOTT, John R.. Freedomnomics.Why the fre market works and other half-baked theories don’t. p.22 Regenery Publishing, Inc. Washington, DC. 2007: "Contrary to popular opinion, monopolies are rare and dificult to maintain, and the real few monopoly situations that exist tend to benefit consumers; in some cases, such as with pharmaceutical companies, they literally save lives. What’s more, the kind of allededly nefarious pricing schemes that monopolies employ – such as price discrimination – often increase the availability of products or services and spur innovation"
  7. ARMENTANO, Dominick. Antitrust and monopoly. Anatomy of a policy failure. 2ª ed. p. 32-33. The Independent Institute, Oakland, California, 1999: Perfect competition theory is both ilogical and irrelevant. Moreover, it simply assumes conditions to exist which necessarily result in an equilibrium. Business competition, on the other hand, is always a process in which entrepreneurs, with imperfect information, attempt to make adjustments in market conditions such that a closer coordination between supply and demand plans is achieved. (…) Antitrust policy in the United States has often been associated with that vision of competition inherent in the perfectly competitive equilibium. (…) If perfect competition is ilogical and irrelevant, then market structures, or market struture changes, reveal nothing a priori concerning competition or welfare.
  8. PETERSON, Mary Bennett. The regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama, 2007: "Who in fact put the village blacksmith out of business, or, more recently, did in the iceman, or still more recently, the corner grocer? Many may be inclined to say that these entrepreneurs of another era were economically done in by the giants of Detroit, the huge utilities, Westinghouse and General Elçetric, the food chains of A & P, Safeway, Grand Union, and other corporate octopi. I would argue instead that the real econnomic executioner of the iceman was the consumer – the person who purchased an eletric or gas refrigerator".
  9. ARMENTANO, Dominick. Antitrust and monopoly. Anatomy of a policy failure. 2ª ed. p. 34-35. There are serious methodological dificulties in attempting to measurecompetition in this manner, or to infer anything meanningful concerning an efficient allocation of resources. The most serious dificulty is that any cross elasticity test over time would inevitably confuse a change in sales due to a price change, and a change in sales due to any and all other factors. Since other things are never constant in an actual situation, there is never any guarantee that one is, in fact, testing cross-elasticity at all.
  10. http://www.cade.gov.br/Default.aspx?6cdf2efb150a1ee5301d320f20 (acesso em 03 de agosto de 2009).
  11. LOTT, John R.. Freedomnomics.Why the fre market works and other half-baked theories don’t. p.23 Regenery Publishing, Inc. Washington, DC. 2007: So is this necessarily a bad thing? Price discrimination frequently allows firms to produce more and increases society’s total wealth. This is especially true for monopolies that make large investments in research and development or in infraestructure; if they are not allowed to price discriminate, the firms will simply have to charge a uniform high price in order to recoup their product out of reach for the poor or others who can’t pay the high price.
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Sobre o autor
Klauber Cristofen Pires

Analista Tributário da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Ciências Náuticas. Especialista em Direito Tributário "Lato Sensu" pela ESAF/UFPA. Graduando em Direito pela Faculdade Integrada Brasil-Amazônia (FIBRA) em Belém (PA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Klauber Cristofen. A Lei Antitruste e a AMBEV.: Uma análise sob a norma-da-razão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2277, 25 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13568. Acesso em: 19 abr. 2024.

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