Capa da publicação Exército e poder de polícia na fronteira
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O poder de polícia atribuído ao Exército Brasileiro na faixa de fronteira terrestre.

Um enfoque geográfico, geopolítico e jurídico

29/09/2009 às 00:00

Resumo:


  • O Exército Brasileiro atua na faixa de fronteira terrestre contra delitos transfronteiriços e ambientais, conforme a Lei Complementar nº 97/1999.

  • A faixa de fronteira terrestre do Brasil tem até 150 km de largura ao longo das fronteiras terrestres, sendo fundamental para a defesa do território nacional.

  • As ações preventivas e repressivas realizadas pelo Exército Brasileiro incluem patrulhamento, revistas e prisões em flagrante delito, conforme a Portaria Nº 061/2005.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como o Exército pode agir com poder de polícia na faixa de fronteira? Estudo analisa limites jurídicos, crimes transfronteiriços e defesa nacional.

O presente texto tem por finalidade realizar um estudo sobre a faixa de fronteira terrestre do Brasil e a atuação do Exército Brasileiro (EB), em atribuições subsidiárias, a partir do advento da Lei Complementar (LC) nº 97, de 9 de junho de 1999, com as alterações feitas pela Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004.

Esse novo dispositivo legal, infraconstitucional, trouxe para a Força Terrestre (F Ter) a possibilidade do uso do poder de polícia na faixa de fronteira terrestre do País, isoladamente ou em conjunto com outros órgãos do Poder Executivo.

Para se atingir o fim proposto, analisar-se-á cada elemento em destaque do Art. 17-A, inciso IV, da LC 97/1999.

"Cabe ao Exército Brasileiro, além de outras ações pertinentes, [...]: IV - atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, [...]."

(Art. 17-A, inciso IV, da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999)

Após uma breve análise dos elementos legais, o objetivo passará a ser o de proporcionar aos militares - e outros agentes do Poder Público - que venham realizar operações nessa faixa uma visão interdisciplinar sobre a importância do tema fronteira, abordando aspectos geográficos, geopolíticos e jurídicos, a fim de que tornem esse tipo de operação o mais legítimo e legal possível, visando sempre atender aos postulados constitucionais, aos Objetivos, à Defesa e à Segurança Nacionais, sem que para isso ocasione indício ou fato caracterizador de arbitrariedade, desvio ou abuso de poder. Tudo isso considerando o atual estágio da globalização, o advento do processo da supranacionalização e os riscos de ingerência na soberania estatal.


DA FAIXA DE FRONTEIRA TERRESTRE

O primeiro elemento a ser estudado será a faixa de fronteira terrestre, a fim de, simultaneamente, proporcionar ao leitor uma conceituação desse termo e uma demonstração de sua importância para o Estado.

Conforme a própria Constituição da República do Brasil, de 1988, "A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei." (Art. 20, §2º). Sendo assim, a partir da definição constitucional, tem-se, pelo menos, os seguintes dados:

  • Extensão da faixa: até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres.

  • Finalidade: defesa do território nacional.

Para um melhor dimensionamento da área que se está estudando, consta abaixo uma tabela e um mapa demonstrativos da extensão das fronteiras terrestres do Brasil com os países fronteiriços:

Tabela: Características físicas dos limites internacionais do Brasil

Fonte: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores, 1999. In: BARCELLOS et. al., 2001 apud ABREU, 2008

O próximo elemento a ser estudado será a expressão as ações preventivas e repressivas, que deverão ser efetivadas pelos militares do EB na faixa de fronteira terrestre, a fim de coibir os crimes transfronteiriços e ambientais.

Para tanto, o próprio inc. IV, do art. 17-A, da LC 97/99, em suas alíneas, elenca quais ações estão legalmente previstas. Tratam-se das ações de patrulhamento; de revista de pessoas, de veículos terrestres, embarcações e aeronaves, e de prisões em flagrante delito.

A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército, em atenção ao poder de polícia atribuído ao EB por meio da LC 97/1999, traz um rol exemplificativo de ações preventivas e repressivas a serem realizadas. São elas:

  • preventivas:

    • a) intensificar as atividades de preparo da tropa, de inteligência e de comunicação social, consideradas de caráter permanente;

    • b) cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, for desejável e em virtude de solicitação, na forma do apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução; e

    • c) prover segurança às atividades de órgãos federais, quando solicitado e desejável, [..].

  • repressivas:

    • a) instalar e operar postos de bloqueio e controle de estradas e fluviais e postos de segurança estáticos;

    • b) realizar patrulhamento e revista de pessoas, veículos, embarcações, aeronaves e instalações;

    • c) efetuar prisão em flagrante delito;

    • d) apoiar a interdição de pistas de pouso e atracadouros clandestinos, utilizados, comprovadamente, para atividades ilícitas; e

    • e) fiscalizar produtos controlados.

Pormenorizando algumas dessas ações, destacam-se as Instruções Provisórias 85-1 Operações de Garantia da Lei e da Ordem, aprovada pela Port nº 034–EME-RES, de 24 de maio de 2002, que traz, dentre outras: o Estabelecimento de Postos de Bloqueio e Controle de Estradas (PBCE), o Estabelecimento de Postos de Bloqueio e Controle de Vias Urbanas (PBCVU), a Busca e Apreensão de Pessoas, Armamento, Munição e Outros Materiais, a Identificação de Pessoas, a Interdição ou a Evacuação de Áreas e o Controle de Distúrbios.

Convém frisar que essas ações poderão ocorrer de modo isolado ou em conjunto. No entanto, segundo própria recomendação do Comandante do Exército, e considerada uma premissa básica (Port Nº 061/2005, Cmt EB), deverão ser realizadas dentro de um contexto de Segurança Integrada, compreendendo o contato com as demais Forças Armadas, os Órgãos de Segurança Pública (OSP), o Ministério Público (MP) e órgãos do Poder Judiciário, dos Ministérios da Justiça e do Meio Ambiente, dentre outros afins, sempre que pertinente e possível.

Todavia, surge o questionamento: que poder é esse atribuído ao Exército Brasileiro para realizar essas ações? Qual é o seu limite?

Esse poder é denominado poder de polícia. Está intrinsecamente ligado ao Poder Público e tem seu fundamento no próprio poder soberano do Estado. O professor Hely Lopes Meirelles (2002, p. 127) leciona que poder de polícia "[...] é a faculdade que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado."

Esse poder tem como razão de existência o interesse social, da coletividade, e como objetivo coibir ações que possam afetar esta coletividade ou pôr em risco a segurança nacional. Para tanto, a eficácia e a efetivação desse poder necessita de uma regulamentação, de um controle e de contenção pelo Poder Público.

Como consequência, para os militares federais e demais agentes do Poder Público justifica-se a necessidade de se conhecer a Lei Complementar nº 97/1999 (com as alterações da LC 117/2004). É pelo dispositivo objeto desse estudo que a Força Terrestre (F Ter) adquire esse poder de atuação, mas não se esquecendo dos limites impostos.

Já Bandeira de Mello (2008, p 809) entende que o termo poder de polícia deveria ser denominado "limitações administrativas à liberdade e à propriedade".

O mestre José Afonso da Silva (2007, p. 778) traz uma definição de atividade de polícia, realizando, ainda, uma distinção entre os tipos dessa atividade: a atividade administrativa e a atividade de segurança. Esta última se subdividindo em atividade ostensiva e judiciária.

A atividade administrativa seria a responsável pelas limitações impostas a bens jurídicos individuais – liberdade e propriedade. À atividade de segurança (ostensiva) caberia a preservação da ordem pública, com medidas preventivas a fim de evitar dano ou perigo às pessoas. E, por fim, a atividade judiciária (também um dos ramos de segurança) seria a incumbida de realizar as atividades de investigação, de apuração de infrações penais e de indicação de autoria.

Desta feita, certos do poder atribuído à F Ter, perfaz-se a necessidade de observação dos limites impostos. Tais balizadores encontram assento no texto da Constituição Federal, sobretudo no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Bandeira de Mello (2008, p.830) menciona a preocupação que o Poder Público e seus agentes devem ter ao se utilizarem do poder de polícia: "[...] é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade [...]."

Portanto, crucial para o agente que se utiliza desse poder é observar o Princípio da Proporcionalidade, sabendo ponderar a medida adotada e a finalidade a ser atingida, eis que um eventual excesso desse poder pode ocorrer "quando a intensidade da medida é maior que a necessária para a compulsão do obrigado, ou quando a extensão da medida é maior que a necessária para a obtenção dos resultados licitamente perseguíveis." (MELLO, 2008, p.830).

Sendo assim, além da Legalidade, a Proporcionalidade entre o meio e o fim dessas ações deverão servir constantemente como um farol norteador, principalmente aos que estiverem na função de comando.


DOS CRIMES TRANSFRONTEIRIÇOS E AMBIENTAIS

Cabe agora tecermos considerações sobre o elemento crimes transfronteiriços e ambientais.

A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército, é muito elucidativa a respeito. Em seu item 6. EXECUÇÃO essa norma traz uma enumeração, exemplificativa, dos principais ilícitos objetos de prevenção e repressão por parte da F Ter. São eles:

1. Delitos Transfronteiriços:

  • a entrada (e/ou tentativa de saída) ilegal no território nacional de armas, munições, explosivos e demais produtos afins;

  • o tráfico ilícito de entorpecentes e/ou de substâncias que determinem dependência física ou psíquica, ou matéria-prima destinada à sua preparação;

  • o contrabando e o descaminho (Código Penal Brasileiro, art. 334);

  • o tráfico de plantas e de animais, na forma da Lei de Crimes Ambientais (L. 9.605/98), do Código Florestal (L. 4.771/65) e do Código de Proteção à Fauna (L. 5.197/67);

  • a entrada (e/ou tentativa de saída) no território nacional de vetores em desacordo com as normas de vigilância epidemiológica.

2. Delitos ambientais:

  • a prática de atos lesivos ao meio ambiente, assim definido pela Lei de Crimes Ambientais (L. 9.605/98);

  • a exploração predatória ou ilegal de recursos naturais;

  • a prática de atos lesivos à diversidade e à integridade do patrimônio genético do País, assim definido na Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 Ago 01.

Conveniente lembrar que tais delitos ocorrem com frequência, apesar de todo o aparato inibidor já montado e em funcionamento nessa área fronteiriça. Podem ser citados, por exemplo: a região da Tríplice Fronteira: Brasil – Paraguai - Bolívia, uma das principais vias de acesso do tráfico de entorpecentes, do contrabando de armas e de descaminho, sem contar com insinuações de existência de células ligadas ao terrorismo internacional; as ações do governo colombiano e a possibilidade de transbordamento das ações da FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para o território brasileiro. Destacam-se, ainda, os crimes ambientais, praticados por meio do garimpo e da extração de madeira ilegais, dentre inúmeros outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É nesse novo cenário que os agentes representantes do Poder Público, em especial os militares do Exército Brasileiro, deverão atuar: cientes da extensão e das características geográficas da faixa fronteiriça do País e das repercussões geopolíticas e internacionais que essa área possui intrinsecamente.

Conhecedores do embasamento legal que respalda as ações preventivas e repressivas necessárias ao cumprimento das atribuições subsidiárias do EB na faixa de fronteira terrestre e os limites impostos pela lei.

Sabedores de que sua boa atuação garantirá, dentre outros inúmeros benefícios, a Defesa e, por fim, a Segurança Nacional, promovendo a paz e o bem-estar social tão almejados pela Pátria.


Bibliografia

ABREU, Gustavo de Souza. Faixa de fronteira do Brasil: o aparente conflito entre segurança e desenvolvimento. Disponível em: https://www.eceme.ensino.eb.br/portalcee/arquivos/faixafronteirabrasil.pdf. Acesso em: 19 set. 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

______. Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre asnormas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp97.htm. Acesso em: 23 set. 2009.

______. Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp117.htm. Acesso em: 23 set. 2009.

______. Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências. Brasília, DF, 1979. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6634.htm. Acesso em: 23 set. 2009.

______. Ministério da Defesa. Política de Defesa Nacional. Brasília, DF, 2005.

______. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. IP 85-1: Operações de Garantia da Lei e da Ordem. 1. ed. Brasília, 2002.

______. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Portaria Nº. 061, de 16 de fevereiro de 2005: Aprova a Diretriz Estratégica para Atuação na Faixa de Fronteira contra Delitos Transfronteiriços e Ambientais. Brasília, DF, 2005.

ESTODUCTO, Francisco Carlos Sartorio. Emprego do Exército Brasileiro nas ações contra delitos transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira terrestre: aspectos jurídicos. Disponível em: https://www.eceme.ensino.eb.br/portalcee. Acesso em 19 set. 2009.

MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica e Teoria de Fronteiras: fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 1990.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2007.


Nota

  1. Mapa extraído do artigo Faixa de fronteira do Brasil: o aparente conflito entre segurança e desenvolvimento, de autoria do Coronel Gustavo de Souza Abreu, publicado em 2008. Disponível em: https://www.eceme.ensino.eb.br/portalcee.

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Sobre o autor
Walfredo Bento Ferreira Neto

Pós-graduando em Direito Público e em Direito Militar. Bacharel em Direito. Licenciado em Geografia. Professor de Geografia na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA NETO, Walfredo Bento. O poder de polícia atribuído ao Exército Brasileiro na faixa de fronteira terrestre.: Um enfoque geográfico, geopolítico e jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2281, 29 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13580. Acesso em: 5 dez. 2025.

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