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Controle de constitucionalidade e cláusula de reserva de plenário.

Vantagens e desvantagens da Súmula Vinculante nº 10 do STF

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3 ANTECEDENTES E PRECEDENTES DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10

A edição da súmula vinculante nº 10 teve como estopim a questão de ordem invocada no RE nº 580.108 / SP. Neste recurso extraordinário, discutia-se o prazo para repetição do indébito tributário. A 2ª Turma do STJ havia aplicado a famosa tese do "cinco mais cinco", entendendo que o prazo prescricional para a repetição do indébito era de 10 anos, mesmo após a edição da LC nº 118/05. Entedia a União, por outro lado, que o prazo prescricional fluía do recolhimento indevido, esgotando-se em cinco anos, a contar deste evento, remetendo-se aos artigos 3º e 4º da LC nº 118/05.

Os supracitados artigos da LC nº 118/05 afastaram expressamente a tese dos "cinco mais cinco" [08]. Numa manobra engenhosa, para se dizer o mínimo, do legislador, estes artigos usaram a expressão "para efeito de interpretação". Esperava-se, assim, que por ser legislação meramente interpretativa, esta pudesse ser aplicada retroativamente. Na visão fazendária, não se trataria uma nova norma e, sim, da interpretação legítima dada pelo Poder Legislativo quanto ao conteúdo normativo que já estava em vigor.

Há que se apontar, todavia, que o entendimento consolidado do STJ, ao longo de vários anos, era pela possibilidade da repetição de indébito pelo prazo de até dez anos. Adotando-se a tese da União, milhares de processos em trâmite, ajuizados antes mesmo da LC nº 118/05, seriam julgados improcedentes, à luz desta nova "interpretação" dada pelos artigos 3º e 4º da referida Lei Complementar.

No caso do RE nº 580.108 / SP, a 2ª Turma do STJ deixou de aplicar os artigos 3º e 4º da LC nº 118/05 e também deixou de suscitar o incidente de inconstitucionalidade, não submetendo a questão a Corte Especial daquele Tribunal. Argumentou a Turma que seria dispensável tal medida, eis que o entendimento majoritário da Jurisprudência do STJ era que a Lei Complementar nº 118 somente seria aplicável às ações propostas após a sua entrada em vigor. Em outras palavras, apesar do órgão especial do STJ jamais ter declarado a inconstitucionalidade dos artigos 3º e 4º da LC 118/05 – até aquele momento - , os mesmos deixariam de ser aplicados, em razão da jurisprudência das turmas fracionárias daquele Tribunal.

Em seu recurso, dirigido ao STF, apontou a União que as Turmas do STJ estariam deixando de submeter a sua Corte Especial milhares de recursos especiais nos quais se discutia a aplicação da Lei Complementar nº 118/05 às ações ajuizadas antes da sua vigência.

É inegável a importância do RE nº 580.108, verdadeiro paradigma do novo modelo de controle de constitucionalidade, por ter tratado dos aspectos processuais da repercussão geral, questão, todavia, que não é o objeto do presente artigo. Porém, duas outras importantes conclusões abordadas no RE devem ser destacadas, pela pertinência com o presente estudo:

a) o plenário do STF fixou claramente a jurisprudência dominante daquela corte sobre a cláusula de reserva de plenário, entendendo o Pretório Excelso que ofende à regra do full bench o afastamento de lei ou ato normativo do poder público sem a expressa declaração de inconstitucionalidade; e

b) reconheceu o STF a repercussão geral do tema violação à cláusula de reserva de plenário, atribuindo-lhe status de questão de grande relevância.

Logo, pode-se apontar o RE nº 580.108 - e a tese do "cinco mais cinco" - como o evento que motivou o STF a editar a súmula vinculante nº 10, passando aquela Corte a tratar com mais firmeza as sistemáticas violações à cláusula de reserva de plenário.

Assim, foi neste contexto jurídico que o STF aprovou o enunciado da Súmula Vinculante nº 10:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.

Claro está que a súmula vinculante nº 10, ora em análise, somente foi necessária ante o reiterado descumprimento por parte das Turmas fracionárias dos diversos Tribunais da cláusula de reserva de plenário.

Nos debates para a aprovação do enunciado da súmula em exame, o Ministro Marco Aurélio ressalvou que a súmula não deveria ser aplicada se já houvesse declaração de inconstitucionalidade da lei pelo Supremo no controle difuso, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. Este acrescentou, ainda, a desnecessidade do incidente de inconstitucionalidade, na hipótese de haver decisão anterior do órgão especial (ou pleno) do próprio Tribunal. Tais ressalvas, todavia, não integraram expressamente o enunciado da súmula, eis que o Ministro Gilmar Mendes alertou que o próprio CPC já fazia estas advertências [09].

Importante estudo sobre a cláusula do full bench foi tecido pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 472.897-7 / PR, o qual, pela sua relevância, passa-se a comentar. No entender do Ministro, da qual compartilhamos, a observância à cláusula de reserva de plenária atua como pressuposto de validade e de eficácia da declaração jurisdicional.

Na visão do Ministro Celso de Mello, a reserva de plenário é aplicável quer no controle difuso, quer no controle concentrado. E mais: a inconstitucionalidade somente pode ser decidida pela maioria absoluta dos membros do Tribunal reunidos em sessão plenária (ou pela maioria absoluta do seu órgão especial, onde houver).

Por via de consequência, o órgão fracionário é absolutamente incompetente para declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Ainda na visão do referido Ministro, é equivalente à declaração de inconstitucionalidade a decisão da Turma que, embora não afirme explicitamente ser a norma inconstitucional, afaste a sua incidência ou negue a sua aplicabilidade, sob a alegação de suposto conflito com princípios ou critérios extraídos do texto constitucional.

Como bem assinala Celso de Mello:

Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário. [10]

Ressalta-se, ainda, que como assentado nos precedentes supracitados, vem entendendo o Supremo que a violação à cláusula de reserva de plenário acarreta a nulidade absoluta da decisão jurisdicional, eis que ausente os seus pressupostos de existência e eficácia.


4 ALTERAÇÕES DA SÚMULA NO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Pode-se indagar, após a análise do instituto da cláusula do full bench, se a imposição da cláusula de reserva de plenário irá, de fato, alterar o modelo de controle de constitucionalidade pátrio.

Para que se possa entender o real alcance da Súmula Vinculante nº 10, há que se analisar o procedimento previsto pelo Supremo para a declaração válida de inconstitucionalidade de uma norma pelo Tribunal.

Como preveem os artigos 480 e 481 do CPC, arguida a inconstitucionalidade da norma por uma das partes, caberá ao relator submeter a questão à Turma ou Câmara, a quem caberá acolher ou não o incidente.

Excluído o incidente, ou seja, entendendo a Turma ou Câmara que a norma é constitucional, é dispensado a remessa ao plenário, eis que toda norma presume-se constitucional.

Acolhido o incidente, a Turma (ou Câmara) lavrará o Acórdão e submeterá a questão ao plenário (ou órgão especial), ficando o processo suspenso até o julgamento do incidente de inconstitucionalidade. No julgamento do incidente, serão ouvidos o MP, as pessoas jurídicas responsáveis pelo ato, os órgãos legitimados para a propositura da ADI e terceiros eventualmente admitidos como amicus curiae.

A primeira evolução importante está na ampla participação da sociedade no julgamento, tanto pela manifestação indireta, representada pelo MP e pelos órgãos políticos, quer pela manifestação direta, na qualidade de amicus curiae. Ademais, à luz do §3º do artigo 482 do CPC, pode o Relator expandir os debates, permitindo-se a realização, por exemplo, de audiência pública. Assim, inegável que o julgamento do incidente de inconstitucionalidade permitirá a discussão de questões jurídicas relevantes pela sociedade civil, além de tornar mais democrático o procedimento de controle de constitucionalidade difuso.

O segundo ponto importante é a possibilidade da decisão plenária do Supremo Tribunal Federal poder dispensar o incidente. Tal medida dá um status próximo ao stare decisis às decisões da Corte Maior. Note-se que as decisões que estamos falando não são as do controle concentrado – as quais já tem força vinculante pela previsão constitucional do §2º do artigo 102 da CRFB/88 – mas, sim, as decisões proferidas no controle difuso, as quais passariam a ter reflexos, ainda que indiretos, nas demais lides. Tal premissa foi, inclusive, discutida no momento da aprovação da Súmula Vinculante nº 10 no Supremo, como já apontado. Assim, as decisões plenárias do Supremo no controle difuso não vincularão propriamente os Tribunais, mas, se a Turma, Câmara ou Tribunal quiser contrariá-la, terá que fazê-lo pelo incidente de inconstitucionalidade, na forma do artigo 97 da CRFB/88.

É bastante claro, portanto, que tal medida reforçará e dará maior relevo às decisões plenárias do Supremo. Até mesmo porque, caso o acórdão do incidente de inconstitucionalidade contrarie a decisão plenária do STF, o mesmo poderia ser reformado por meio de Recurso Extraordinário, por aplicação direta do artigo 102, III, a da CRFB/88. Assim, ao invés de julgar e reformar milhares de acórdãos de um mesmo Tribunal, caberia ao Supremo tão somente reformar a decisão do incidente de inconstitucionalidade, sendo certo que o Acórdão reformado vincularia o Tribunal origem.

Outra mudança significativa é que o julgamento do incidente de inconstitucionalidade vincula as Turmas e juízes do respectivo Tribunal, como já apontado. Mesmo que não se admitisse um efeito vinculante no sentido formal, decerto que uma decisão amplamente discutida e decidida pela maioria absoluta dos julgadores de segunda instância tenderá a ditar o entendimento majoritário. Assim, imagina-se que haverá um tratamento mais isonômico no julgamento das causas pelos diversos magistrados de um mesmo Tribunal, o que, decerto, é um dos conceitos mais básicos de justiça. Caso a Turma ou Câmara discorde do julgamento anterior feito pelo plenário (ou órgão especial), terá que suscitar um novo incidente de inconstitucionalidade, sendo bastante óbvio que o próprio Tribunal, em sua composição plena, poderá rever a qualquer tempo os seus entendimentos, na hipótese de haver evolução jurisprudencial ou doutrinária sobre a matéria anteriormente decidida.

Como bem aponta Fredie Didier Junior, o modelo de jurisdição constitucional vem passando por um processo de objetivação do recurso extraordinário:

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Nada impede, porém, que o controle de constitucionalidade seja difuso, mas abstrato: a análise da constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão judicial. Obviamente, porque tomada em controle difuso, a decisão não ficará acobertada pela coisa julgada e será eficaz apenas inter partes. Mas a análise é feita em tese, que vincula o tribunal a adotar o mesmo posicionamento em outras oportunidades. É o que acontece quando se instaura o incidente de argüição de inconstitucionalidade perante os tribunais (art. 97 da CF/88 e arts. 480-482 do CPC): embora instrumento processual típico do controle difuso, a análise da constitucionalidade da lei, neste incidente, é feita em abstrato. Trata-se de incidente processual de natureza objetiva (é exemplo de processo objetivo, semelhante ao processo da ADIN ou ADC). É por isso que, também à semelhança do que já ocorre na ADIN e ADC, é possível a intervenção de amicus curiae neste incidente (§§ do art. 482). [...] [11]

Tem-se, pois, que a análise do incidente de inconstitucionalidade pelo plenário ou órgão especial do tribunal é uma forma do recurso extraordinário atuar como processo objetivo, eis que a tese nele contida terá efeitos também em abstrato. Por tal razão, a aplicação da súmula vinculante nº 10 é um importante passo na objetivação do recurso extraordinário, eis que forçará os tribunais a decidir as questões de constitucionalidade em abstrato, com repercussões mais abrangentes do que a simples solução da lide em concreto.

Em razão do artigo 103-A da CRFB/88, introduzido pela EC nº 45/2004, na hipótese da Turma deixar indevidamente de suscitar o incidente de inconstitucionalidade, cabe ao interessado o ajuizamento de Reclamação ao Supremo, o qual poderá cassar a decisão. Pode, ainda, o relator conceder liminar para suspender o acórdão até o julgamento da reclamação (conforme os precedentes do STF na RCL 6863 MC / BA; e RCL 6776 MC / PE).

Restando caracterizada a violação ao artigo 97 da CRFB/88, caberia ao Supremo invalidar a decisão recorrida e determinar que a questão de inconstitucionalidade fosse submetida ao plenário ou órgão especial do Tribunal origem (precedente: RE 319.181-1).

Outra consequencia desta mudança hermenêutica é que o Acórdão proferido em violação à cláusula do full bench não faz coisa julgada, eis que ausente o seu pressuposto de existência, pois proferido por órgão jurisdicional absolutamente incompetente. Assim, poderia a parte interessada, por exemplo, obstar a sua execução alegando se tratar de coisa julgada inconstitucional.

Duas importantes questões, relativas à amplitude da aplicação da súmula vinculante nº 10, devem ser analisadas: a primeira, sobre a sua aplicabilidade às decisões das Turmas Recursais, nos Juizados Especiais e Juizados Especiais Federais; a segunda, quanto ao questionamento sobre a interpretação conforme à constituição e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, indagando-se quanto a possibilidade de dispensa da remessa ao plenário (ou órgão especial), nestes casos.

Em relação à primeira dúvida, o mestre Nagib Slaibi Filho [12] entende que a cláusula de reserva de plenário não se aplica às Turmas Recursais, eis que estas não se enquadram na definição de Tribunal, pois compostas por juízes de primeira instância. Assim, na visão do doutrinador, não haveria que se falar em aplicabilidade à Turma Recursal da sistemática da súmula vinculante nº 10. Este tem sido exatamente o entendimento do STF sobre a matéria, como pode se verificar pela leitura do inteiro teor do RE-AgR 468.466 / RJ:

A regra da chamada reserva do plenário para declaração de inconstitucionalidade (art. 97 da CF) não se aplica, deveras, às turmas recursais de Juizado Especial. [...]

Sobre a segunda questão, há que se apontar que a Turma fracionária do Tribunal está dispensada de suscitar o incidente de inconstitucionalidade se declarar a constitucionalidade da norma. De fato, parte da doutrina apontava que a interpretação conforme a Constituição era uma declaração de constitucionalidade da norma, o que poderia indicar a possibilidade da dispensa do incidente de inconstitucionalidade. Esta posição, todavia, já se encontra superada:

A interpretação conforme a Constituição levava sempre, no direito brasileiro, à declaração de constitucionalidade da lei. Porém, como já se disse, há hipóteses em que esse tipo de interpretação pode levar a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. [...]

No caso, o Supremo Tribunal Federal, seguindo orientação formulada por Moreira Alves, reconheceu que a interpretação conforme à Constituição, quando fixada no juízo abstrato de normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade. [13]

Assim sendo, hoje, o entendimento do Supremo é que a interpretação conforme à Constituição corresponde à uma declaração de inconstitucionalidade. Por tal razão, há que se concluir que mesmo a interpretação conforme à Constituição deve ser efetuada pelo Plenário (ou órgão especial). Até mesmo porque, neste caso, não se trata de uma simples interpretação e, sim, de aplicação de uma técnica de decisão de controle de constitucionalidade, a qual é da competência do plenário ou do órgão especial, não sendo hipótese de dispensa do incidente de arguição de inconstitucionalidade.

À luz de todas estas considerações, resta inegável que o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade está prestes a passar por intensas mudanças, particularmente considerando que o Supremo vem sendo rigoroso e enérgico na aplicação da súmula vinculante nº 10 e no julgamento das Reclamações decorrentes da não observância da súmula (Precedentes: RCL 6806 MC / SE; RE-AgR 371.820 / BA; e RCL 6863 MC / BA).

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Sobre o autor
Gustavo Augusto Freitas de Lima

Procurador Federal. Mestre em Direito, na linha de pesquisa de Políticas Públicas. Pós-Graduado em Direito Público. Professor de cursos de graduação e pós graduação, nas cadeiras de Direito Administrativo e Direito Constitucional. Membro do Conselho Editorial da Revista da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gustavo Augusto Freitas. Controle de constitucionalidade e cláusula de reserva de plenário.: Vantagens e desvantagens da Súmula Vinculante nº 10 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2284, 2 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13609. Acesso em: 19 abr. 2024.

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