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A morte civil dos brasileiros

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03/10/2009 às 00:00
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No Brasil, dezenas de pessoas são condenadas à morte civil pela sociedade, pela polícia e pela imprensa. Parece existir uma opinião de que o assassinato de reputação e o linchamento moral são inevitáveis.

1. A pena de morte civil

Desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e continuando na Idade Moderna, até o século 18, existiu na Europa uma penalidade criminal brutal conhecida como morte civil.1 2 3 O indivíduo apenado com a morte civil perdia todos os direitos civis e políticos, sendo considerado civilmente morto. Em conseqüência, o condenado tornava-se um morto-vivo. Ele não era condenado à morte física nem mantido preso mas, para todos os efeitos jurídicos, era tido como morto, cessando por completo sua participação na vida política e civil da comunidade.

A morte civil não acarretava só a perda de direitos políticos como os de votar e de exercer funções públicas, mas também a perda de direitos civis básicos. Por exemplo, fazia desaparecer todos os laços de família: o condenado perdia o pátrio poder sobre os filhos e tinha seu casamento desfeito, podendo sua esposa contrair novo matrimônio como se solteira ou viúva fosse. O infeliz também perdia todos os direitos patrimoniais, abrindo-se sua sucessão em favor dos herdeiros. Ele tampouco podia adquirir qualquer bem ou recebê-lo por doação entre vivos ou por herança. O condenado ficava ainda proibido de manter qualquer emprego, público ou privado, e de exercer qualquer ofício em sua comunidade. Ninguém podia dar-lhe comida, abrigo, dinheiro ou qualquer tipo de apoio. Quem o fizesse também seria processado criminalmente, correndo o risco de receber a mesma pena.

A morte civil frequentemente levava à morte de fato, pois qualquer pessoa ficava autorizada a matar impunemente o indivíduo civilmente morto. Embora o condenado mantivesse formalmente o direito à vida e à liberdade, ele não podia contar com o Estado para garantir esses direitos, isto é, não podia recorrer às autoridades em busca de proteção. Historicamente, na Inglaterra, a declaração de um indivíduo como "fora da lei" (outlaw) foi uma forma comum de decretação da morte civil. Não era uma pena de morte, mas sim, a proibição de o indivíduo continuar ligado à sua comunidade. Para não ser morto, o "fora da lei" tinha que fugir para as florestas, passando a viver como um animal.


2. Resquícios da pena de morte civil

No atual ordenamento jurídico brasileiro existem dois resquícios da morte civil:

a) Herdeiro indigno. 4 A indignidade é declarada por ter o herdeiro cometido algum crime contra a pessoa que deixa a herança. O herdeiro indigno é considerado morto para fins de sucessão e seus descendentes herdam em seu lugar;

b) Militar declarado indigno do oficialato.5 O oficial declarado indigno do oficialato perde o posto e a patente e sua família passa a receber pensão como se ele estivesse morto.


3. Indíviduos mantidos em estado de morte civil – mendigos

No Brasil, embora não exista a pena de morte civil, existem certas categorias de indivíduos que se encontram, de fato, e injustamente, em situação muito próxima disso, por omissão da sociedade. Uma dessas categorias é a dos mendigos que vivem isolados. Um mendigo típico não tem casa, emprego, família, documentos, enfim, não tem nenhum contato com outros, vivendo em estado de completa exclusão social. Muitas vezes ele sequer lembra o próprio nome ou a data em que nasceu. Ele vive da caridade eventual de pessoas ou entidades que lhe dão comida, roupas ou abrigo.6

Se um mendigo solitário for assassinado de madrugada, o que acontecerá com seu matador? Prova-velmente, nada. A polícia terá dificuldades praticamente insuperáveis para identificar o assassino pelo fato de a vítima não ter nome e viver nas ruas, em estado de isolamento. Não haverá testemunhas e será difícil conhecer o motivo do crime. A pressão da opinião pública será nula ou muito pequena. Em consequência, o tempo e o esforço dedicados ao caso tendem a reduzir-se rapidamente.


4. Indíviduos colocados em estado de morte civil – doentes mentais

Outra categoria de indivíduos que, sem merecer, encontram-se em estado de morte civil por omissão da sociedade é a dos doentes mentais internados em hospitais psiquiátricos. Abaixo são reproduzidos trechos de uma reportagem publicada em dezembro de 2005 pelo jornal baiano A Tarde, intitulada OAB promete ajuda a internos do HCT: 7

A Defensoria Pública do Estado vai receber apoio da Ordem dos Advogados do Brasil / Seção Bahia (OAB-BA) no trabalho que desenvolve em defesa de internos que estão abandonados há décadas no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT). A defensoria impetrou ação de reparação de danos com pedido de tutela antecipada contra o Estado, acusado de ter sido o responsável pelo esquecimento de oito pacientes. São portadores de doença mental, sem periculosidade, que não oferecem riscos à sociedade, mas permanecem no HCT por 20, 30 anos ou mais porque perderam vínculos com a família e a sociedade e não têm para onde ir.

Psicólogo jurídico e especialista em saúde mental, Antônio Cajazeiras acredita que o atual modelo de assistência ao paciente mental "está falido, é anacrônico, pouco resolutivo, desumano e leva à exclusão". "Os internos que acabam abandonados pela família e pela sociedade no Hospital de Custódia e em outros manicômios judiciários são condenados à morte civil – que acontece quando as pessoas perdem a noção do que acontece na sociedade", acredita. "Do ponto de vista psicológico, ele perde as referências da cultura, dos costumes familiares, do trânsito, das novidades, da liberdade."

O profissional, que atua no HCT há dez anos, disse que internamentos além do tempo determinado, como os registrados na unidade hospitalar, são prejudiciais até para os tratamentos. Por isso, avalia o psicólogo, alguns internos podem evoluir para o quadro de demência, de embrutecimento psicossocial. O especialista afirma ainda que, com o passar dos anos, o interno fica tão acostumado ao confinamento que, se algum dia recebe a liberdade, pede para não sair. (...) Um risco também é a consolidação do abandono da família que se acostuma sem o paciente e o esquece.

A situação de abandono dos internos do Hospital de Custódia e Tratamento (HCT), o atraso na realização do exame de sanidade e outros problemas enfrentados foram objeto de pesquisa realizada pelo Movimento Antimanicomial em 2003. Edna Amado, assistente social e integrante do movimento, disse que o quadro não muda por falta de vontade política. "Ali é a sucursal do inferno. Toda violação de direitos humanos possível acontece lá dentro. No mês passado, um paciente foi morto a pauladas. Quem sabe quem matou? Ninguém apura! Tudo que foi feito e dito há dois anos continua atual", disse, enfática.


5. Assassinato sem sangue

Entre nós, além dos indivíduos que se encontram em estado de morte civil por omissão social, existem aqueles que, também injustamente, recebem essa pena pela ação da sociedade, em um processo conhecido em inglês pelo nome de character assassination 8 (assassinato de caráter ou assassinato de reputação), também chamado de bloodless murder (assassinato sem sangue).

Assassinato de reputação é um conjunto de ações destinadas a destruir a reputação de uma pessoa. Em geral, consiste no exagero, distorção, insinuação ou pura invenção de fatos cujo objetivo é produzir uma imagem falsa da vítima. Para esta última, o processo de assassinato da reputação pode ter como resultado a rejeição pela família e pela respectiva comunidade pessoal e profissional. O assassinato da reputação é difícil de reverter, tornando-se muitas vezes permanente e provocando a morte civil da vítima ou uma situação próxima disso.

No Brasil, uma das formas que o assassinato de reputação tem assumido é a divulgação de denúncias envolvendo pessoas públicas ou privadas na prática de atos ilícitos. Essas denúncias podem ser explícitas, contendo uma acusão direta, ou implícitas, contendo apenas insinuações. O que todas essas denúncias têm em comum é o seguinte: a) a acusação ou insinuação consiste na deturpação, distorção ou pura invenção de fatos; b) o denunciante não apresenta provas; c) a denúncia é amplamente noticiada pela imprensa ou tem origem em um órgão da própria imprensa; d) a denúncia tem ampla repercussão.

O assassinato de reputação é extremamente grave porque a reputação é um dos bens mais preciosos que um indivíduo possui. Reputação é a imagem pública de uma pessoa. É o que os outros pensam que um indivíduo é. Reputação é uma condição imprescindível para que alguém seja aceito em um grupo social ou profissional e nele permaneça. Por esse motivo, possuir uma boa reputação é condição indispensável à sobrevivência da pessoa. A perda da reputação pode acarretar a morte civil do indivíduo.

As pessoas, em geral, não se dão conta do tamanho da responsabilidade que assumem ao formular uma denúncia. Denunciar alguém é uma seríssima responsabilidade. De fato, a construção de uma boa reputação é um processo lento, demorado, que exige um comportamento inatacável, mantido durante anos a fio. Uma única denúncia, porém, é suficiente para destruí-la de modo instantâneo e irreversível.

Denunciar em público um indivíduo, muito mais do que um simples abuso da liberdade de expressão, constitui um ato de inominável covardia porque aquele que é acusado em geral não consegue produzir uma defesa que reverta completamente o processo destrutivo de sua reputação que se instala nas mentes das pessoas. Esse processo é difícil de reverter mesmo em caso de retratação do acusador.

Vamos supor que um vizinho meu seja publicamente acusado de pedofilia sem que, porém, o denunciante apresente qualquer prova. Toda vez que eu cruzar com esse vizinho, eu pensarei na acusação que foi feita contra ele. Quando eu o vir, pensarei: "Ele foi acusado de molestar crianças". Sua imagem mudou. Ele deixou de ser simplesmente meu vizinho para se tornar um vizinho supostamente pedófilo. Eu nunca esquecerei disso. Mesmo que ele consiga provar que a acusação é falsa, eu sempre me perguntarei: "Será que ele é capaz disso?". Eu terei medo de deixar uma criança sozinha com ele. Sua reputação foi arruinada para sempre.

Outro exemplo. Vamos supor que eu abro minha carteira e descubro que está faltando uma certa quantia. Por um processo de eliminação, eu chego à conclusão de que alguém pegou o dinheiro e que a única pessoa que poderia ter feito isso é a empregada. A suspeita se instala em minha mente. Quanto mais eu penso, mais eu me convenço de que ela é culpada. Cada expressão em seu rosto, cada gesto seu, será interpretado por mim como uma evidência de culpa. Eu penso, apavorado: "Será que coloquei uma ladra dentro de minha casa?" No dia seguinte, porém, eu encontro o dinheiro no bolso de uma calça ou me lembro que, na verdade, gastei aquele dinheiro que "estava faltando". Aliviado e envergonhado, eu constato que a empregada era inocente, embora eu tivesse certeza de que era culpada. Felizmente, minha suspeita, ou melhor, minha "certeza" não teve maiores consequências. Eu poderia, contudo, ter feito algo terrível. Eu poderia tê-la despedido por "quebra de confiança". Depois, eu poderia ter revelado minhas suspeitas às agências de colocação ao dar referências sobre ela. Isso bastaria para arruinar sua reputação e reduzir drasticamente suas possibilidades de arrumar outro emprego.

Também somos culpados de assassinato de reputação quando criamos dúvida na mente dos outros sobre a integridade de uma pessoa por meio de insinuações ou perguntas feitas com uma acentuação maliciosa, como nestes exemplos: "Você tem certeza de que ele é honesto?", "Eu não estou dizendo que ele fez isso, apenas estou dizendo que ele é capaz de fazer isso", "Que outra razão ele teria para não cumprir o que prometeu?" "Se você fosse o Secretário Municipal, e um amigo seu estivesse participando da concorrência, você não tentaria dar uma ajuda para seu amigo ganhar o contrato?"

Outra maneira de assassinar a reputação alheia é referir-se às ações de alguém por meio de frases com duplo sentido, também chamadas de meias-verdades, que induzem o ouvinte ao erro, tais como: "Ele exigiu dinheiro", insinuando que a pessoa extorquiu alguém ou exigiu propina de outrem, quando, na verdade, ela exigiu que o terceiro pagasse o que lhe devia. Outro exemplo: "No ano passado ele não pagou Imposto de Renda", insinuando que o indivíduo sonegou o imposto, quando, na verdade, ele não o pagou porque teve imposto a restituir. O assassinato de reputação também pode ser feito citando-se frases que a pessoa falou, porém, retirando-as do contexto em que foram ditas para alterar seu sentido.

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6. O cinema retrata a morte civil – Trocando as bolas

O cinema contou várias vezes a história de pessoas que tiveram sua reputação arruinada. Uma situação próxima da morte civil foi retratada no filme Trocando as Bolas (Trading Places) 9 , de 1983, uma comédia estrelada por Dan Aykroyd e Eddie Murphy.

A história se passa na cidade norte-americana da Filadelfia. Aykroyd interpreta Louis Winthorpe III, gerente geral da firma corretora de commodities (produtos agrícolas) Duke e Duke, de propriedade dos corruptos, inescrupulosos e milionários irmãos Randolph e Mortimer Duke. Louis graduou-se pela renomada Universidade de Harvard, recebe um alto salário, mora em um palacete pertencente aos Duke, conta com um mordomo que também funciona como seu motorista particular e cujo salário é pago pelos donos da corretora, frequenta a alta sociedade local, é membro do Heritage, um clube seleto e refinado, e vai se casar dali a poucos dias com Penelope Witherspoon, sobrinha-neta de seus patrões. No extremo oposto da escala social está Billy Rae Valentine (interpretado por Eddie Murphy), um mendigo golpista das ruas que não tem casa, nem emprego, nem família.

Billy Rae está andando na calçada. Ele passa em frente à porta do Heritage exatamente quando Louis sai do clube. Billy Rae se choca acidentalmente com ele e o derruba. O golpista tenta devolver a maleta de Louis que caiu ao chão mas este pensa que Billy Rae quer roubá-lo, assusta-se e grita pedindo socorro. Policiais que, por coincidência, estavam na esquina, chegam rapidamente e prendem Billy Rae dentro do Heritage, pois o golpista havia corrido para dentro do clube tentando escapar da polícia.

Os irmãos Duke, que também lá estavam, presenciam a cena. O caso atrai a atenção de Randolph. Ele acha que a conduta das pessoas depende do ambiente em que vivem enquanto Mortimer acredita que o destino dos indivíduos é determinado por seu código genético. O contraste entre Louis e Billy Rae atiça sua curiosidade e eles fazem uma aposta. Randolph aposta com Mortimer que, se Billy Rae tiver tudo que Louis possui, tornar-se-á um homem de bem e será capaz até de gerenciar a corretora. Ele também aposta que, se Louis perder tudo que tem, ele se tornará um ladrão.

Para testar essa hipótese, que eles chamam de "experimento científico", eles tiram Billy Rae da cadeia, fazem com que sejam canceladas todas as queixas que existem contra ele e lhe dão a casa e o emprego que pertencem a Louis. De outro lado, eles fazem Louis perder tudo: sua casa, seu carro, seu emprego, sua noiva, seus amigos, seu dinheiro, seu crédito e, principalmente, sua reputação. Essa troca, porém, será temporária. Terminada a "experiência", eles pretendem devolver Billy Rae às ruas. Louis, porém, no final não será trazido de volta à sua antiga posição, pois eles passarão a desprezá-lo em função de tudo que ele terá feito em conseqüência da situação em que será colocado.

Primeiro, eles criam uma armadilha para que Louis seja preso, falsamente acusado de furto dentro do Heritage, na frente de seus amigos. Depois, na delegacia, o policial encarregado das formalidades de encarceramento, devidamente convencido pelos Duke, coloca no bolso do casaco de Louis um papelote de PCP, droga popularmente conhecida como "pó de anjo", para que ele também seja acusado falsamente de tráfico de entorpecentes. Ele passa a noite na cadeia e é espancado pelos outros presos, que também tentam seviciá-lo, embora sem o conseguir.

Solto na manhã seguinte, Louis é demitido do emprego e perde sua casa. Quando ele tenta fazer um saque no banco, é informado de que sua conta bancária e seus cartões de crédito foram bloqueados, sendo expulso de lá. Sua noiva e seus amigos querem distância dele. Sem meios de sobreviver e devastado moral e psicologicamente, a única coisa que lhe resta é seu relógio de 7 mil dólares, que ele vende por 50 dólares. Com o dinheiro, compra uma pistola. Na noite de 24 de dezembro, vestido de Papai Noel, ele invade o prédio da Duke e Duke, onde estava se realizando uma festa de Natal, e rouba comida e bebida. Depois, já na rua, completamente embriagado e encharcado pela chuva, tenta se matar com um tiro na cabeça. A arma falha e ele a joga longe. Em seguida, tenta novamente dar um fim à sua vida tomando um vidro inteiro de remédios.

O fato de Trocando as Bolas ser uma comédia com final feliz, elencada por ótimos atores, induz o público a ver o filme de forma divertida, superficial e irrefletida. Dificilmente alguém se revoltará com o fato de os irmãos Duke serem corruptos e tentarem manipular o mercado de suco de laranja congelado por meio da aquisição de informação privilegiada. No final da trama, o espectador provavelmente apenas se divertirá e se sentirá satisfeito com o castigo que eles recebem. Igual reação terá o espectador ao ver o comportamento do funcionário do Departamento de Agricultura que vende a informação privilegiada aos proprietários da corretora. O público também não ficará indignado ao ver os Duke manipularem a vida de duas pessoas da forma como fazem com Louis e Billy Rae apenas para satisfazer sua "curiosidade científica" em um "experimento" que não seria aprovado por nenhum comitê de ética em pesquisa.

Provavelmente, ninguém se deterá para refletir sobre a bárbara crueldade perpetrada pelos Duke contra Louis. O espectador será, talvez, influenciado pelo fato de que seu sofrimento é atenuado por Ophelia, a prostituta que o acolhe e que é a mesma que, paga pelos Duke, finge ser consumidora das drogas que Louis supostamente vende, para fazer Penelope acreditar que ele, de fato, é traficante. Ninguém tentará se colocar no lugar de Louis para ter ideia do que significa a morte civil. Ninguém perceberá que sua situação tem semelhanças com casos reais.


7. O cinema retrata a morte civil – Onde Há Sangue, Há Violência

Outro filme que conta a história de uma reputação arruinada é um episódio da série de TV The Rockford Files 10 (Os Arquivos Rockford), estrelada por James Garner, que faz o papel do detetive particular Jim Rockford. O título original do episódio em questão, de 1999, é If it bleeds, it leads.11 Trata-se de um dito popular do jornalismo norte-americano que poderia ser traduzido suscintamente por "Sangue é notícia". A frase expressa a ideia de que as histórias que se referem a tragédias ou que contêm detalhes escabrosos ou sangrentos dão boas manchetes no noticiário. Não obstante, o título do episódio foi traduzido para o português por Onde Há Sangue, Há Violência.

O filme conta a história de Ernie Landale, um professor respeitado que é amigo de longa data de Rockford. Ernie se parece incrivelmente com o retrato falado de um estuprador em série que ataca adolescentes, razão pela qual é intimado pela polícia a prestar declarações. Rita, sua esposa, sugere que, quando for à delegacia depor, ele se submeta ao teste do polígrafo (teste de honestidade) para afastar qualquer dúvida sobre suas respostas. Ele o faz mas os resultados são inconclusivos. A imprensa é avisada e começa a acreditar que Ernie é o principal suspeito. O chefe de reportagem do Canal 6 está decidido a descobrir todos os "podres" de Ernie e ordena que sua equipe faça uma cobertura ininterrupta sobre ele. Ernie fica assustado e envergonhado quando a cidade começa a acusá-lo pelos crimes. Ele confia que Rockford encontre o verdadeiro criminoso para que ele possa limpar seu nome.

Devido à repercussão do caso, Ernie é suspenso da escola onde leciona. A princípio, a diretora da escola se recusa a dar um depoimento à imprensa, mas quando o faz, por insistência de Rita, suas declarações são completamente distorcidas pela mídia. Nesse meio tempo, quando Jim e Ernie saem da escola, Ernie agride um cinegrafista que insiste em filmá-lo. Rockford o leva para casa, mas quando lá chegam descobrem que a imprensa está acampada no jardim. Jim então se dirige a um motel para esconder Ernie enquanto sai para investigar o caso. Jim volta ao motel pouco depois com Rita mas Ernie não está – ele foi comprar remédio para sua úlcera e, assim, fica sem álibi quando outra garota é atacada na mesma hora em que ele esteve fora. Ele é preso e espancado pelos outros detentos de sua cela por ser suspeito de atacar menores.

Rockford insiste com o policial encarregado do caso para que este faça uma pesquisa no banco de dados federal sobre criminosos sexuais. O policial concorda e Jim consegue, desta forma, encontrar outro suspeito – Ray Chulack. Jim segue Chulack e o agarra momentos antes de ele atacar mais uma garota. Ernie é libertado mas não consegue seu emprego de volta. A mídia noticia a prisão do verdadeiro criminoso mas não reconhece que massacrou Ernie nem pede desculpas por isso. Ele se torna cada vez mais deprimido. Duas semanas depois, ele desaparece e Rita dá queixa na polícia. Ernie é encontrado no teto de um edifício e, com ampla cobertura da imprensa, comete suicídio saltando do alto do prédio.

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Sobre o autor
Flavio Farah

professor universitário em São Paulo (SP), mestre em Administração de Empresas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARAH, Flavio. A morte civil dos brasileiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2285, 3 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13613. Acesso em: 18 abr. 2024.

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