5. Influência do Direito Internacional na Proteção Interna dos Direitos Humanos: Conceitos Qualitativo e Quantitativo de Soberania
A compreensão das profundas modificações implementadas no conceito de soberania, com a conseqüente identificação dos efeitos daí decorrentes na proteção dos direitos humanos, exige, para além da referência aos seus aspectos interno e externo, seja ele dissociado do atributo da indivisibilidade, verdadeiro dogma da doutrina clássica. [47]
Com isso, será possível demonstrar que a noção de soberania ainda tem importância e utilidade, ainda que suas linhas estruturais tenham sofrido um sensível realinhamento. Ultrapassando o outrora impenetrável dogma da indivisibilidade, será possível compreender a coexistência da soberania com outros princípios igualmente relevantes para o direito internacional, como é o caso da proteção dos direitos humanos.
Para tanto, é necessário realçar dois aspectos do conceito de soberania: o qualitativo e o quantitativo. O primeiro aspecto indica a "aptidão" do Estado "para se firmar como poder supremo e independente, como raiz, como fundamento, como essência ou conteúdo essencial," [48] não estando atrelada a qualquer quantificação. Em relação ao segundo aspecto, o quantitativo, aponta a "soma de poderes soberanos, isto é, como medida, como quantum de todas as faculdades em que se traduz o poder supremo e independente". [49] A exemplo da árvore em relação aos frutos, também o aspecto qualitativo antecede e dá sustentação ao quantitativo, sendo possível que este, a exemplo dos frutos, sofra inúmeras vicissitudes sem que o aspecto qualitativo, tal como a árvore, apresente qualquer alteração em sua substância.
O aspecto qualitativo traz em si a essência da soberania, não importando em negação do conceito as suas variações de ordem quantitativa. Assim, mesmo nos casos em que determinados poderes inerentes à noção de soberania sofram limitações, de maior ou de menor amplitude, não será correto falarmos em supressão da própria soberania. A soberania somente será afetada em seu aspecto qualitativo, logo, em sua essência, "quando a limitação da soberania quantitativa for ao ponto de esvaziar completamente o quantum dos poderes soberanos". [50]
Compreendida a dicotomia estrutural da soberania, não haverá maior dificuldade em negar-lhe o caráter absoluto, concepção que tem se mostrado inaceitável ante as profundas modificações experimentadas pelo direito internacional a partir da Segunda Guerra Mundial. Auxiliará, ainda, à aceitação da divisibilidade dos poderes, o que permitirá uma limitação quantitativa da soberania.
As intervenções internacionais de ordem consensual têm igualmente contribuído para a revisão da concepção de soberania, sectárias da sua inarredável indivisibilidade. Celebrados em grande número, os tratados de proteção dos direitos humanos, por imporem aos Estados a obrigação de respeito às pessoas submetidas à sua jurisdição, possuem uma natureza especial em relação aos tratados clássicos, que somente geravam obrigações entre os Estados partes. [51] Geram reflexos na ordem interna e, em caso de descumprimento, expõem o Estado à crítica e à repulsa internacionais, isto sem olvidar a possível existência de mecanismos sancionadores específicos previstos no respectivo tratado.
Outro exemplo dessa última vertente pode ser constatado nas crescentes formas de integração entre os Estados, resultando na criação de órgãos ou organizações internacionais de integração, também denominadas de supranacionais, com a delegação [52] de poderes soberanos. Nesses casos, contrariamente ao que se verifica em relação às organizações de cooperação, é comum outorgar-lhes atribuição para aferir a própria correção das medidas adotadas pelos órgãos de soberania do Estado, acrescendo que suas deliberações, não raro, possuem aplicabilidade e eficácia direta na ordem jurídica dos respectivos Estados. [53] Persistindo a idéia de indivisibilidade, como explicar a delegação de poderes soberanos?
Também as intervenções não-consensuais, nos casos de graves violações aos direitos humanos (v.g.: a intervenção da ONU nas hipóteses de violação da paz), têm sido admitidas. Podem variar desde a emissão de pronunciamentos censurando determinada conduta ao próprio uso (lícito) da força. Nesses casos, é manifesta a impossibilidade de a intervenção ser explicada pelo conceito clássico de soberania, já que sensivelmente limitados os poderes passíveis de serem exercidos pelo Estado, no seu território e sobre os seus próprios cidadãos. Tais modalidades de intervenção também exigem novas reflexões em torno do entendimento que restringe as limitações quantitativas da soberania à "voluntária renúncia ao exercício de algumas atividades soberanas", exercício que poderia ser "sempre reassumido" pelo Estado. [54] Se o raciocínio é exato no que diz respeito às intervenções consensuais, merece temperamentos quanto às não-consensuais.
Admitir limites à atuação do Estado, consensuais ou não-consensuais, não significa necessariamente negar a sua soberania. Como dissemos, o aspecto quantitativo da soberania, mera projeção de sua feição qualitativa, pode sofrer limitações ou balizamentos sem que o conteúdo essencial do poder estatal seja comprometido. [55] Em se tratando de proteção dos direitos humanos, o direito internacional não mais desempenha o papel de coordenador de individualidades iguais, absolutas e intangíveis, como eram concebidos os Estados, o que necessariamente impõe o redimensionamento do clássico conceito de soberania. [56]
6. A Universalidade dos Direitos Humanos como Fator de Redimensionamento da Soberania Estatal
Reconhecendo-se que os direitos humanos aglutinam valores verdadeiramente essenciais a qualquer grupamento, daí derivando a sua fundamentalidade e a correlata necessidade de imperativo respeito pelos Estados, tornou-se inevitável e impostergável uma releitura do conceito de soberania. A universalidade aqui referida, no entanto, possui um colorido mais idealístico-formal que propriamente material, já que freqüentes as situações de inobservância. A partir dessa constatação, também a referida releitura da soberania, diuturnamente proclamada, deve encontrar ressonância no plano da realidade, legitimando a adoção de medidas para salvaguardar aqueles que tenham seus direitos básicos e essenciais violados pelo próprio Estado de que são nacionais.
O respeito aos direitos humanos, preconizado em inúmeros atos internacionais, principalmente a partir do segundo pós-guerra, tem contribuído à disseminação de ações protetivas e à sedimentação na percepção de cada indivíduo da existência de uma obrigação moral à sua conservação. Essa progressiva integração de determinadas normas internacionais de proteção dos direitos humanos, ainda que de origem convencional, ao direito consuetudinário, tem contribuído de forma decisiva para lhes conferir um alcance geral. [57]
Além disso, o dever de respeito aos direitos humanos há muito vem sendo realçado pela doutrina internacionalista e pode ser considerado ínsito nos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Nessa linha, torna-se claro que a ordem internacional, em harmonia com as referidas fontes de direito internacional, contempladas no parágrafo primeiro do art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, deve preocupar-se com a sua impostergável concretização, atenuando os outrora intangíveis dogmas da soberania e disponibilizando mecanismos verdadeiramente eficazes para a sua proteção.
Esse processo evolutivo indica a existência de regras imperativas de direito internacional (ius cogens), possibilita o surgimento de obrigações erga omnes, atenuando o relativismo inerente à descentralização do sistema jurídico internacional e sedimenta o dever de observância dos interesses afeitos à sociedade internacional em seu conjunto. [58]
A proteção internacional dos direitos humanos é um forte indicador da universalidade (tomando-se como paradigma as normas internacionais e a retórica argumentativa) ou da tendência à universalidade (tendo-se em conta o relativismo cultural, os mecanismos de proteção e a efetiva concretização) desses direitos. À luz dessa universalidade, os Estados teriam o dever de respeitá-los e de promovê-los, com abstração de qualquer particularidade nacional ou regional e das concepções próprias das distintas culturas existentes. [59] Os direitos humanos, assim, se dissociariam da idéia de reciprocidade, impondo o seu respeito mesmo em relação aos nacionais dos Estados que normalmente os desrespeitem, sendo exigíveis de todos os Estados, independentemente das suas obrigações convencionais na matéria. [60]
O processo de internacionalização dos direitos humanos tem sido lento e penoso, mas sua importância à evolução jurídico-positiva desses direitos é inegável: sob a ótica da fundamentação, facilitou o acolhimento de seu caráter universal e supra-estatal, justificando a positivação na ordem interna sem o auxílio de concepções jusnaturalistas; no aspecto da titularidade, contribuiu para a ampliação dos sujeitos ativos de direito internacional, sendo reconhecida essa condição, observados determinados pressupostos, ao indivíduo; e quanto aos instrumentos de proteção, permitiu que a jurisdição interna não mais ocupasse um papel de exclusividade na tutela desses direitos. [61]
Embora pareça incontestável que "a proteção internacional do indivíduo importa numa grave ameaça à soberania do Estado", [62] não se pode negar que a importância desses princípios exige sejam envidados esforços no sentido de assegurar a sua coexistência, evitando que um deles seja diuturnamente invocado para aniquilar o outro.
Apesar da disseminação da concepção de que os direitos humanos devem ser imperativamente observados por todos os Estados, sua transposição à realidade fenomênica, longe de ser direcionada pela estabilidade e pela universalidade indissociáveis da perspectiva idealístico-formal, tem sido caracterizada por momentos de ruptura e por uma inegável limitação de ordem espacial. Nos Estados de reduzida tradição democrática ou naqueles assolados por constantes conflitos armados, a instabilidade política e a ausência de uma sólida ideologia participativa em muito contribuem para a não-sedimentação do respeito ao ser humano como um valor verdadeiramente fundamental. [63]
Esse quadro não sofre alterações substanciais mesmo nos casos em que, no plano internacional, o contorno essencial dos direitos humanos tenha assumido a condição de ius cogens. Ainda que a observância desses valores passe por períodos de confortante estabilidade, as rupturas têm sido freqüentes, o que é um claro indicador de que a perspectiva material de observância dos direitos humanos está longe de ter seus contornos sobrepostos à perspectiva idealístico-formal.
A exemplo de um governo despótico ou antidemocrático, que jamais será rotulado como tal no respectivo texto constitucional, [64] também nos Estados onde a inobservância dos direitos humanos é uma constante, a apologia de sua importância é contraditoriamente entusiástica. [65] Diminutos são os Estados que não consagram o respeito aos direitos humanos como um valor fundamental, mas múltiplos são aqueles que não observam os mais comezinhos princípios relacionados à sua proteção. Além disso, ainda são marcantes determinadas diversidades culturais, permitindo que comportamentos aparentemente nocivos à dignidade humana [66] em certos Estados sejam tolerados ou mesmo legalizados em outros. [67]
Se a referência ao universalismo dos direitos humanos é constantemente prestigiada pelos seus defensores, não se pode ignorar o relativismo verificado na transposição da abstração de suas linhas estruturais para a realidade. [68] O universalismo, em verdade, seria uma "teoria do bloco dominante", que almeja ver-se "convertida em uma ideologia". [69] Essa ideologia, por sua vez, se põe em contraste com uma grande variedade de dimensões axiológicas, vendo-se amparada pela normatização internacional dos direitos humanos e tendo como meta-valor e ponto de equilíbrio a paz universal. [70]
Epílogo
O desafio que se apresenta no terceiro milênio é a impostergável necessidade de romper-se com as sólidas barreiras culturais (v.g.: a posição inferior da mulher em certas culturas), ideológicas (v.g.: a reminiscência de concepções marxistas), econômicas (v.g.: a insuficiência de recursos para a implementação dos direitos sociais) e técnicas (v.g.: a insuficiência de ratificações e as reservas apresentadas em atos internacionais convencionais) que ainda conferem força às dissonâncias existentes no trato dos direitos humanos. [71]
Ultrapassado esse obstáculo, com a disseminação de valores ético-culturais de natureza comum à sociedade internacional, será possível alcançar-se o aumento das zonas de convergência quanto ao imperativo respeito aos direitos verdadeiramente essenciais à dignidade humana.
Para um maior desenvolvimento do tema, vide, de nossa autoria, Proteção Internacional dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.
Notas
- Cf. Paul Reuter, Droit International Public, 4ª ed., Paris: Presses Universitaires de France, 1973, pp. 358/360.
- O Pacto de Paris, conhecido como Briand-Kellog, de 27 de agosto de 1928, condenou o recurso à guerra para a solução dos conflitos internacionais e vedou a sua utilização como instrumento de política nacional.
- Cf. Manuel Diez de Velasco, Instituciones de Derecho Internacional Público, 13ª ed., Madrid: Editorial Tecnos, 2002, p. 871.
- Cf. André Weiss, Traité Théorique et Pratique de Droit International Privé, 2ª ed., Paris: Recueil Sirey, 1907, p. 1.
- Cf. Josef Isensee, Braucht Deutschland eine neue Verfassung? Überlegungen zur neuen Schluβbestimmung des Grundgesetzes, Art. 146, Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1991, pp. 7 e ss.
- Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3ª ed., 5ª reimp., Coimbra: Almedina, 2002, pp. 81 a 93.
- Cf. Maria Rita Saulle, Lezioni di Diritto Internazionale, Napoli: Edizioni Scientifique Italiane, 2001, p. 90.
- Cf. Patrick Daillier et alli, Droit International Public, 7ª ed., Paris: LGDJ, 2002, p. 95.
- Mesmo os defensores do dualismo, que sustentam a necessidade de expressa previsão constitucional para uma possível preeminência da norma internacional na ordem jurídica interna, reconhecem que a proteção internacional dos direitos humanos e a responsabilidade penal internacional do indivíduo são pontos favoráveis à teoria monista. Ressaltam, no entanto, que as dificuldades na sua implementação fazem que a teoria monista seja interpretada como "uma antecipação de alterações na estrutura da sociedade internacional que podem ocorrer no futuro". Cf. Luigi Ferrari Bravo, Lezioni di Diritto Internazionale, 4ª ed., Napoli: Editoriale Scientifica, 2002, pp. 147/149. As dificuldades efetivamente existem, mas não nos parecem fortes o suficiente para comprometer os alicerces dessa teoria.
- Como se sabe, a preeminência do direito comunitário europeu sobre as ordens jurídicas nacionais impõe a não aplicação das últimas sempre que com ele colidam. O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias há muito reconheceu o princípio do primado (vide Processo nº 6/642, Caso Costa c/ ENEL, j. em 15/07/1964, Recueil, p. 1141), tendo deixado expresso, nos Casos Internationale Handelsgesellschaft (Processo nº 11/70, j. em 17/12/1970, Recueil, p. 1135) e Simmenthal (Processo nº 106/77, j. em 09/03/1978, Recueil, p. 629), que o juiz nacional está autorizado a não aplicar uma lei nacional que esteja em contraste com o Direito Comunitário, ainda que referida lei encontre um fundamento adequado na Constituição do Estado membro. Cf. Florence Chautiel, Droit constitutionnel et droit communautaire, in RTDE nº 3/395 (400), 1999.
- Cf. Patrick Daillier et alli, Droit International Public, 7ª ed., Paris: LGDJ, 2002, p. 97; Jean-François Dobelle, L’application du Droit International: L’Introduction du Droit International Public dans le Droit Interne, in Leçons de Droit International Public, org. por Marc Perrin de Brichambaut et alii, Paris: Éditions Dalloz, 2002, p. 179 (179); José A. Pastor Ridruejo, Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales, Madrid: Editorial Tecnos, 2003, p. 171; Manuel Diez de Velasco, Instituciones de Derecho Internacional Público, Madrid: Editorial Tecnos, 1999, p. 196; e Vezio Crisafulli, Lezioni di Diritto Costituzionale, vol. I, 2ª ed., Padova: CEDAM, 1970, pp. 65/66. Em razão da eficácia limitada do direito internacional, o qual, sem a anuência da ordem jurídica interna, seria inapto a tornar nula a regra interna dele dissonante, há quem sustente que o primado daquele, embora imaginável, não corresponde à atual realidade das relações entre a ordem interna e a ordem internacional, sendo preferível a adoção da teoria dualista, que justifica a validade paralela de ambas. Nesse sentido: Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado (Allgemeine Staatslehre), 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 87/89. Esse entendimento, no entanto, não obstante associado ao dualismo, em muito se aproxima da teoria monista moderada, com primado do direito internacional, adotada no texto. Ambas reconhecem o dever de o Estado compatibilizar a ordem interna com as obrigações assumidas no plano internacional, a liberdade na escolha dos meios adequados a tal compatibilização e a responsabilidade internacional do Estado caso descumpra esse dever, bem como afastam a idéia de imediata invalidade da norma interna que contrarie o direito internacional (Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., pp. 82 a 93). Ademais, não se pode justificar a posição dualista com o simples fato de a norma interna dissonante do direito internacional continuar a vigorar, pois, não raro, leis inconstitucionais e regulamentos ilegais produzem efeitos e nem por isso se põe em dúvida a unidade da ordem interna (Cf. André Gonçalves e Fausto de Quadros, op. cit., p. 85).
- A referência a cidadãos é proposital, pois, em se tratando de nacionais de outros Estados, a situação exigiria reflexões complementares àquelas que nos propusemos realizar, especialmente em relação à existência de uma causa de justificação na invasão do território de um Estado por outro com o fim de proteger os direitos dos seus cidadãos, como é o caso do resgate armado de cidadãos no estrangeiro. A esse respeito, vide Eduardo Correia Baptista, O Poder Público Bélico em Direito Internacional: O Uso da Força pelas Nações Unidas em Especial, Coimbra: Livraria Almedina, 2003, pp. 200 a 225.
- Esse entendimento foi expressamente recepcionado pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional no Caso Lotus (França c/ Turquia), Sentença nº 10, j. em 07/09/1927, PCPJI, Serie A, Recueil des Arrêts nº 10, pp. 1/108, 1927.
- Cf. Juan Antonio Carrillo Salcedo, Soberanía de los Estados y Derechos Humanos en Derecho Internacional Contemporáneo, 2ª ed., Madrid: Editorial Tecnos, 2001, pp. 11/12. Lembra o autor que o direito internacional tradicional, surgido na Paz de Westphalia (1648) e consolidado entre o Congresso de Viena (1815) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), regulava as relações de coexistência e cooperação entre Estados soberanos. Sobre as relações internacionais no período anterior à Paz de Westphalia, marcadas pela instabilidade e pelo reduzido número de normas internacionais, normalmente adstritas a tratados bilaterais, vide: Judge C. F. Amerasinghe, The Historical Development of International Law – Universal Aspects, in Archiv des Völksrechts vol. 39, nº 4, p. 367 (368/379), 2001.
- Nas palavras de Nicolas Politis (Les nouvelles tendencies du droit international, Paris, 1927, pp. 91/92, apud Carrillo Salcedo, op. cit., p. 13), "o Estado Soberano era para seus súditos uma jaula de ferro, em razão da qual eles não poderiam se comunicar juridicamente com o exterior senão por meio de estreitíssimas barras".
- Cf. Massimo Fragola, Sovranità degli Stati Membri e Garanzie a Protezione dei Diritti Umani nell’Ordinamento Comunitário, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa vol. XLII, nº 2, p. 1435 (1440), 2001; Pierre-Marie Dupuy, Droit International Public, 6ª ed., Paris: Éditions Dalloz, 2002, pp. 255/256; e Santiago Ripol Carulla, El Consejo de Seguridad y la Defensa de los Derechos Humanos. Reflexiones a partir del Conflicto de Kosovo, in Revista Española de Derecho Internacional nº 1, vol. LI, p. 59 (86), 1999.
- Cf. Margarida Salema d’Oliveira Martins e Afonso d’Oliveira Martins, Direito das Organizações Internacionais, vol. I, 2ª ed., Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, pp. 253/254.
- Cf. Ian Brownlie, Principles of Public International Law, 6ª ed., New York: Oxford University Press, 2003, p. 658.
- A competência interna do Estado soberano se projeta nos planos da competência territorial e da competência pessoal. A primeira alberga a noção de exclusividade, tratando-se de regra consuetudinária há muito reconhecida pelo Tribunal Internacional de Justiça (Casos Lotus, Estreito de Corfu, Rainbow Warrior) que autoriza o Estado soberano a recusar que qualquer outro Estado pratique atos de autoridade em seu território. Quanto à competência pessoal, indica que, observados os limites estabelecidos em convenções internacionais, cabe ao Estado atribuir, com exclusividade, a sua nacionalidade a pessoas singulares e coletivas, a navios, a aviões, a satélites etc. É o que esclarecem André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., pp. 330/331; Marcel Sinkondo, Droit Internacional Public, Paris: Ellipses Edition Marketting, 1999, pp. 369/370; e Pierre-Marie Dupuy, op. cit., pp. 61/88.
- Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., p. 64.
- A possibilidade de utilização da força física como mecanismo de concreção do poder estatal é evidenciada pela inscrição ultima ratio regum, grafada em antigos canhões (Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., p. 68).
- Georg Jellinek, Teoría General del Estado (Allgemeine Staatslehre), 1ª ed., 2ª imp., México: Fondo de Cultura Econômica, 2002, pp. 399/400.
- Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., pp. 72/73.
- Cf. Vezio Crisafulli, op. cit., pp. 63/64; Giuseppe de Vergottini, Diritto Costituzionale, 3ª ed., Padova: CEDAM, 2001, p. 71; Paolo Biscaretti di Rufia, Diritto Costituzionale, 15ª ed., Napoli: Jovene Editore, 1992, p. 58; Sergio M. Carbone, I Soggetti e gli Attori nella Comunità Internazionale, in Istituzioni di Diritto Internazionale, org. por Sergio M. Carbone et alii, Torino: G. Giappichelli Editore, 2002, p. 1 (3/4). A unidade do poder é plenamente compatível com a existência de um sistema de coordenação funcional que, buscando prevenir o arbítrio, distribua o seu exercício entre distintos órgãos, que o exercerão de forma derivada e adstrita aos contornos estabelecidos por uma estrutura central. Nesse particular, é célebre a obra de Montesquieu, cuja primeira publicação data de 1748. Cf. De L’Ésprit des Lois, com notas de Voltaire, de Crevier, de Mably, de la Harpe e outros, Paris: Librairie Garnier Frères, 1927, Livro XI, Capítulo VI.
- Los Seis Libros de la República (Les Six Livres de la Republique, de 1576), 3ª ed., Madrid: Editorial Tecnos, 1997. Segundo Bodin (Livro I), a soberania é um poder perpétuo e absoluto (p. 47) que enseja a independência em relação aos poderes internos e aos externos. Quanto aos primeiros, indica a desnecessidade de consentimento dos súditos para a validez e a eficácia das normas, já a independência frente aos poderes externos demonstra a igualdade entre os Estados. Resultando da consolidação do poder e da supremacia daí decorrente, a soberania será necessariamente ilimitada (Livro I, p. 49) e indivisível (Livro II, p. 89).
- Cf. Giuseppe de Vergottini, op. cit., p. 70; e Costantino Mortati, Istituzioni di Diritto Pubblico, Tomo I, 10ª ed., Padova: CEDAM, 1991, pp. 96/97.
- Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., p. 77; e Costantino Mortati, op. cit., p. 97.
- The Second Treatise of Government: Essay concerning the true original, extent and end of civil government, 3ª ed., Norwich: Basil Blackwell Oxford, 1976, publicado inicialmente em 1690, como parte da obra Two Treatises of Government.
- Op. cit., pp. 14 e ss.
- Quanto ao "alicerce metafísico-teológico de que carece qualquer direito natural" (Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., p. 146), estaria ele associado a paradigmas de ordem religiosa, com especial deferência ao cristianismo na cultura ocidental [Cf. São Tomás de Aquino, Os Princípios da Realidade Natural (De principiis naturae), trad. de Henrique Pinto Rema, Porto: Porto Editora, 2003, especialmente pp. 79/80]. Apesar da pureza dos fins, sendo concebida como antagonismo ao poder estatal absoluto (absoluter staatlicher Herrschaft), observa Heiner Bielefeldt (in Philosophie der Menschenrechte, Grundlagen eines weltweiten Freiheitsethos, Frankfurt: Primus Verlag, 1998, p. 162) que essa teoria não logra demonstrar como seria possível conceber um direito (Recht) dissociado de uma relação jurídica (Rechtsbeziehung).
- O próprio Bodin (op. cit.) ressaltou a existência desses limites, excluindo a possibilidade de o órgão de poder suprimir ou desvirtuar as normas fundamentais à organização do Estado e à fundação do Reino, por já estarem incorporadas à Coroa (Livro I, p. 56), o mesmo ocorrendo em relação às leis naturais e divinas (Livro I, p. 53).
- Cf. Emmanuel Joseph Sièyes, A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le tiers état), trad. de Norma Azevedo, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.
- Cf. Henri Legohérel, Histoire du Droit International Public, Paris: Presses Universitaires de France, 1996, pp. 48/49. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789, em seu art. 3o, consagra "o princípio de que toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum órgão e nenhum indivíduo podem exercer uma autoridade que dela não emane expressamente". Esse preceito, além de retirar do rei toda a soberania, a concentrou na Nação. Se somente a Nação é soberana, os indivíduos apenas podem exercer uma autoridade, não a soberania. A idéia de "soberania nacional" é expressamente referida no art. 3º da Constituição francesa de 1958, repetindo prescrição do art. 3º da Carta de 1946. Com isto, foi assumida posição quanto à controvérsia entre as teorias da "soberania nacional" e da "soberania popular". A primeira, apesar de situar a soberania na Nação - sendo a democracia dela representativa, somente materializando-se pela ação dos seus representantes –, em última ratio, tinha o povo como o seu titular. Para a "soberania popular", que se afastava do componente sociológico (a idéia de Nação), o povo é soberano, podendo agir diretamente. Cf. François Luchaire, La Souveraineté, in Revue Française de Droit Constitutionnel nº 43, p. 451 (452), 2000.
- Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., pp.79/80.
- Cf. Patrick Daillier et alli, op. cit., p. 425. Situação peculiar pode ser verificada no âmbito de determinados Estados federais, nos quais os Estados federados, embora gozem de certa autonomia normativa, não possuem um amplo e irrestrito contato com o Direito Internacional, o que exclui o mencionado "imediatismo normativo", a possibilidade de serem considerados Estados perante a sociedade internacional e, conseqüentemente, o reconhecimento de sua plena personalidade jurídica internacional. Cabe ao Estado federal o estabelecimento de relações internacionais, o exercício dos direitos e o cumprimento das obrigações delas decorrentes. A situação seria simples não fosse o fato de que a ordem constitucional interna pode impedir determinadas interferências do Estado federal junto às unidades federadas. Assim, embora seja internamente autônomo em relação aos Estados federados, é bem possível que o Estado federal, por representar a federação perante a sociedade internacional, seja responsabilizado perante o Direito Internacional em virtude do comportamento dos Estados membros. Essa situação foi levada a extremos no Caso Bread, que opunha o Paraguai aos EUA perante o Tribunal Internacional de Justiça. O Caso versava sobre um cidadão paraguaio condenado à morte por um Tribunal da Virgínia. Submetida a questão ao T.I.J, foi determinado, em caráter cautelar, que "os Estados Unidos devem tomar todas as medidas de que dispõem para que M. Angel Francisco Bread não seja executado enquanto a decisão definitiva na presente instância não tenha sido proferida." Em 14 de abril de 1998, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou o pedido de suspensão da sentença de morte, apresentado imediatamente após a decisão do T.I.J., concluindo que "se o Governador (da Virgínia) desejar aguardar a decisão do T.I.J, isto releva das suas prerrogativas. Mas nada na nossa jurisprudência atual nos permite fazer esta escolha no seu lugar". Na mesma noite, Bread foi executado. Cf. Patrick Daillier et alli, op. cit., pp. 426/428.
- Cf. Reinhold Zippelius, op. cit., pp. 84/85.
- Cf. Jorge Miranda, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 323.
- Cf. Carrillo Salcedo, op. cit., p. 11. Segundo o autor, podem ser mencionadas as seguintes notas características do antigo sistema jurídico regulador das relações de coexistência e de cooperação entre entidades políticas soberanas e autônomas: a) voluntarismo – as normas emanariam da vontade expressa ou tácita dos Estados; b) relativismo – o Estado somente estava vinculado a uma obrigação quando tivesse anuído em sua criação ou a tivesse reconhecido; c) neutralidade – o Direito Internacional estava desvinculado de qualquer inspiração de ordem axiológica ou ideológica; e d) positivismo – sem prejuízo da importância do costume, o Direito Internacional aglutinava um conjunto de normas jurídicas de lex lata, não regras morais ou de aspiração de lege ferenda (p. 12).
- Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., pp. 57/80, com ampla análise das teorias que procuram demonstrar os fundamentos do Direito Internacional.
- O último Estado a aderir às Nações Unidas (que totaliza 192 Estados membros) foi Montenegro, em 28 de junho de 2006, logo após a sua declaração de independência da Sérvia. Além disso, inúmeras associações e organizações internacionais possuem o status de observadoras, o mesmo ocorrendo com a Santa Sé.
- Cf. Norberto Bobbio et alii, Dizionario di Politica, Torino: Unione Tipografico- Editrice Torinese, 1976, pp. 857 a 862.
- Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., p. 90.
- Cf. Patrick Daillier et alli, op. cit., pp. 428/435.
- Segundo o art. 2º, nº 1, da Carta das Nações Unidas, "a organização baseia-se no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros". À evidência, trata-se de igualdade situada no plano idealístico-formal, pois, no plano material, fatores políticos, econômicos ou mesmo bélicos contribuem para aumentar a perspectiva de efetividade dos interesses de determinados Estados em detrimento dos demais.
- Cf. Patrick Daillier et alli, op. cit., pp. 430/431. Os autores ainda identificam uma outra conseqüência da soberania do Estado: "a presunção de regularidade dos atos estatais". Considerando que os atos do Estado somente são controlados "a posteriori", aquele que seja acusado de violar o Direito Internacional assumirá uma postura defensiva, o que obriga os seus acusadores a demonstrarem o abuso de autoridade ou a má-fé (pp. 431/432). Esse entendimento, em linha de princípio, é mero desdobramento do princípio geral de direito de atribui o ônus da prova a quem alega, o que pode vir a ser afastado ou remediado a partir das obrigações internacionais assumidas pelo Estado.
- Cf. Georg Jellinek, op. cit., pp. 450/456. Nas palavras de Duguit, a soberania é "una, indivisível, inalienável e imprescritível" (Manuel de Droit Constitutionnel, 4ª ed., Paris: E. de Boccard, 1923, p. 85).
- Fausto de Quadros, Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público, reimpressão, Coimbra: Livraria Almedina, 1991, pp. 338/339.
- Fausto de Quadros, Direito das Comunidades ..., op. cit., p. 339.
- Fausto de Quadros, Direito das Comunidades ..., op. cit., p. 339.
- Cf. Carolina Loayza e Nicolas de Piérola, Efectos Jurídicos Internacionales por la Expedición y aplicación de leyes violatorias de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, Comentários a la Opinón Consultiva OC-14/94 de la Corte Interamericana de Derechos Humanos del 9 de diciembre de 1994, in Anuario de Derecho Internacional nº XIII, p. 213 (233), 1997.
- Sobre a distinção entre transferência e delegação, indicando a primeira uma cessão definitiva de poderes e a segunda uma cessão temporária, com a possibilidade de reaquisição dos poderes cedidos, vide Fausto de Quadros, Direito das Comunidades ..., op. cit., pp.196/249. Por ser admissível a denúncia aos tratados, não se deve falar em renúncia, mas unicamente em limitação de soberania. Cf. Giuseppe de Vergottini, op. cit., p. 47). Vergottini ainda observa que falar em transferência (rectius: delegação) de poderes soberanos é um "non senso", pois isto somente seria adequado se o ente beneficiário da transferência fosse soberano, sendo irrelevante a natureza soberana do ente que operou a transferência: "a atribuição ou a competência transferida não é soberana ex se, mas unicamente quando a sua titularidade pertence a um sujeito soberano" (op. cit., p. 48). Não obstante a coerência do argumento, como o caso é de delegação, não de transferência, o Estado mantém a titularidade dos poderes que serão temporariamente exercidos pela organização, o que justifica falarmos em delegação de poderes soberanos.
- Em relação à estrutura jurídica e ao alcance das limitações que impõem à soberania dos Estados, as organizações internacionais podem ser de duas espécies: organizações intergovernamentais, de coordenação ou de mera cooperação e organizações supranacionais, de unificação ou de integração. As primeiras configuram o tipo clássico e são a grande maioria das organizações existentes, sendo caracterizadas pelo fato de os Estados (ou mesmo outros sujeitos de direito internacional, como as próprias organizações internacionais) se associarem e estabelecerem relações de cooperação com o fim de realizar os objetivos materiais da organização. Nesses casos, em rigor, a organização não realiza qualquer intervenção direta na ordem interna dos Estados membros e não é divisada qualquer limitação à soberania estatal, limitando-se à coordenação dessas soberanias. Quanto às organizações supranacionais ou de integração, apareceram após a Segunda Guerra Mundial, tendo como exemplos mais característicos as comunidades européias (o designativo supranacional apareceu pela primeira vez no Tratado de Paris, de 1951, que instituiu a CECA) e, em situação ainda embrionária, o MERCOSUL. São caracterizadas pela limitação da soberania dos Estados, os quais delegam parte dos seus poderes soberanos a essas organizações. Com isto, são estabelecidas, em determinados domínios, relações de subordinação entre os Estados e a organização de que são membros, possibilitando a influência direta da organização na ordem interna dos Estados e a própria revisão de determinados atos praticados, inclusive com o acesso direto dos sujeitos de direito interno aos órgãos da organização. Na primeira categoria, tem-se uma relação de cooperação, na segunda uma relação de subordinação para fins de integração. A inclusão da organização nessas categorias dependerá da preponderância de uma ou outra característica, já que é factível a presença de ambas em uma mesma organização. Cf. André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., pp. 421/424; João Mota de Campos et alii, Organizações Internacionais, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, pp. 51/53; Patrick Daillier et alii, op. cit., pp. 578/579; e Joe Verhoeven, Droit International Public, Bruxelas: Larcier, 2000, p. 209. José A. Pastor Ridruejo (op. cit., pp. 655/657), bem como Margarida Salema d’Oliveira Martins e Afonso d’Oliveira Martins (op. cit., pp. 77/82), dividem as organizações de mera cooperação nas seguintes categorias: a) de coordenação – articulam a atuação dos Estados ; b) de controle – zelam pela observância de um tratado; e c) operacionais – atuam diretamente no plano internacional, utilizando-se de processos financeiros, econômicos e materiais.
- Costantino Mortati, op. cit., pp. 99/100.
- O Conselho Constitucional francês, na Decisão no 188 DC, de 22 de Maio de 1985 (confirmada pelas Decisões nº 294 DC, de 25 de Julho de 1991 e no 308 DC, de 9 de abril de 1992) , relativa a Protocolo celebrado no âmbito do Conselho da Europa e que dizia respeito à abolição da pena de morte, fixou, de forma discricionária, o seguinte conteúdo essencial da soberania estatal: "o dever de o Estado assegurar o respeito às instituições da República, a continuidade da vida da Nação e a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos". Cf. François Luchaire, op. cit., p. 458.
- Nesse sentido, é sugestivo o art. 11 da Constituição italiana, ao dispor que o Estado "aceita limitações de soberania onde elas sejam necessárias para possibilitar um sistema jurídico de justiça e paz entre as nações". A alínea 15 do Preâmbulo da Constituição francesa de 1946, incorporado à Carta de 1958, consagra disposição praticamente idêntica.
- Cf. Júlio D.González Campos et alii, Curso de Derecho Internacional Público, Madrid: Civitas, 2003, p. 752.
- Cf. Bruno Nascimbene, L’Individuo e la Tutela Internazionale dei Diritti Umani, in Istituzioni di Diritto Internazionale, a cura de Sergio M. Carbone, Riccardo Luzzatto, Alberto Santa Maria, Torino: G. Giappichelli Editore, pp. 280/281; e Carrillo Salcedo, op. cit., pp. 153/158.
- Cf. Bruno Simma, The Charter of the United Nations, A Comentary, vol II, 2ª ed., Nova Iorque, Oxford University Press, 2002, p. 923; e Júlio D.González Campos et alii, op. cit., p. 751.
- Cf. Marcel Sinkondo, op. cit., p. 414. O art. 60, V, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, é expresso no sentido de que "a condição de reciprocidade é excluída no que concerne às disposições relativas à proteção humana contida nos tratados humanitários". Tratando-se de regra indiscutivelmente costumeira, é ela extensiva aos Estados que não ratificaram a Convenção. Cf. François Luchaire, op. cit., p. 456.
- Cf. Antonio Henique Pérez Luño, , Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion, 8ª ed., Madrid: Editorial Tecnos, 2003, pp. 129/130.
- Cf. Patrick Daillier et alii, op. cit., p. 658.
- O fenômeno da "globalização", metáfora condensadora da nova realidade, permite visualizar uma clara dicotomia: a contraposição entre aqueles que têm seus direitos fundamentais diuturnamente reconhecidos e aqueles para os quais direitos dessa natureza são signos lingüísticos destituídos de conteúdo, daí a felicidade da expressão cunhada por José Manuel Pureza ao referir-se à existência de um "apartheid global" (O Patrimônio Comum da Humanidade: Rumo a um direito internacional da solidariedade?, Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1995, pp. 15 e ss).
- O art. 1º da Constituição cubana fala por si: "Cuba es un Estado socialista de trabajadores, independiente y soberano, organizado con todos y para el bien de todos, como república unitaria y democrática ...".
- Benedetto Conforti (Diritto Internazionale, 6ª ed., Napoli: Editoriale Scientifica, 2002, p. 208) observa que muitos Estados aderentes aos pactos internacionais não têm grande familiaridade com a tutela dos direitos humanos, o que justifica a suspeita de que várias adesões foram inspiradas em mera propaganda, não estando acompanhadas de uma séria vontade de cumprir as obrigações assumidas.
- Sobre os contornos gerais da dignidade humana, vide, de nossa autoria, "Dignidade da Pessoa Humana: Referenciais Metodológicos e Regime Jurídico", in Revista Brasileira de Direito Constitucional nº 4/380, 2004.
- Analisando o fundamento da regra do art. 30, § 4º, da Constituição portuguesa ("Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos"), afirmou o Tribunal Constitucional [1ª Seção,Acórdão nº 522/95, Proc. nº 183/94, Rel. Cons. Monteiro Diniz, j. em 28/09/1995, ATC vol. 32, 1995, pp. 345 a 354 (352)]: "Aliás, tudo o que vem de dizer-se tem sido referido em diversos arestos deste tribunal (Cf. acórdãos nºs 16/84, 165/86 e 353/86, Diário da República, respectivamente, 2ª série, de 12 de Maio de 1984, 1ª série, de 3 de Junho de 1986 e 2ª série, de 9 de Abril de 1987) sublinhando-se aí, designadamente, que ‘no fundo, o nº 4 do artigo 30º da Constituição deriva, em linha recta, dos primordiais princípios definidores da actuação do Estado de direito democrático que estruturaram a nossa lei fundamental, ou sejam: os princípios do respeito pela dignidade humana (artigo 1º); e os do respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2º)’. E a seguir ajuntou-se que ‘daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade’, para se concluir assim: ‘Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios, figurando o condenado como um proscrito, o que constituiria um flagrante atentado contra o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana’". Por outro lado, o art. 15, III, da Constituição brasileira determina a suspensão dos direitos políticos enquanto perdurarem os efeitos da condenação criminal transitada em julgado, suspensão esta que é automática, acarretando, inclusive, a perda do mandato eletivo (STF, RE nº 418.876/MT, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Inf. nº 350), isto sem olvidar o art. 92 do Código Penal, que dispõe sobre a perda do cargo do agente público condenado a pena superior a 1 (um) ano nos crimes contra a administração e superior a 4 (quatro) nos demais casos. Aqui, os interesses individuais foram relegados a plano secundário, sendo prestigiado o interesse público correlato à ocupação do cargo que a condenação criminal demonstrou não ter o agente aptidões ético-morais para ocupar. A dicotomia de valores consagrados pelas Cartas brasileira e portuguesa bem demonstra que a noção de dignidade pode apresentar profundas variações de ordem espacial, o que permite concluir que, embora seja um valor inerente ao homem e transcendente ao direito posto, a constitucionalização de matérias afeitas à dignidade confere maior especificidade a esse princípio.
- Sobre o universalismo que a concepção individualista ocidental e moderna dos direitos humanos procura atribuir a si própria, Eusebio Fernández-García (Dignidad Humana y Ciudadanía Cosmopolita, Madrid: Editorial Dykinson, 2001, p. 66) realiza uma crítica que, embora vigorosa, é extremamente realista: "Nem todas as tradições culturais têm tido ou têm o mesmo valor a partir da perspectiva do reconhecimento, desenvolvimento e garantia dos direitos humanos. Uma Declaração universal dos direitos fundamentais é incompatível com a defesa do relativismo cultural e moral. Isso significaria que a universidade dos direitos tem preferência sobre a preservação de identidades culturais antidireitos". Anteriormente, o autor havia ressaltado que, em determinadas sociedades, como a hindu, os direitos derivam dos deveres, que assumem uma posição de preeminência no organismo social, enquanto que, à luz da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os deveres estariam determinados por esses deveres (op. cit., p. 65). Outros exemplos de acentuada diversidade podem ser vistos na Declaração dos Direitos do Homem no Islã, adotada pela Organização da Conferência Islâmica, no dia 5 de Outubro de 1990, no Cairo - quando afirma que "a comunidade islâmica é a melhor comunidade que Deus criou" e que "o islã é a religião natural do homem", o que definitivamente não se compatibiliza com a liberdade religiosa propagada pelo ocidente – e na prática de um considerável número de países asiáticos, especialmente Singapura e Malásia, que professam os valores de Confúcio e centram o foco de suas atenções nos deveres dos indivíduos perante a sociedade, na disciplina e no respeito à autoridade. Cf. Jean-François Dobelle, Le Droit International et la Protection des Droits de L’Homme, in Leçons de Droit International Public, org. por Marc Perrin de Brichambaut et alii, Paris: Éditions Dalloz, 2002, p. 371 (383/384). Bruno Nascimbene (op. cit., p. 290) acrescenta que a Carta da Liga Árabe, em seus arts. 32 a 35, estabelece nítidas discriminações entre nacionais e estrangeiros por razões religiosas. Também Bruno Simma (op. cit., vol. II, p. 924) lembra que a China e os Estados islâmicos professam o relativismo dos direitos humanos.
- Cf. Marco Ruotolo, La "Funzione Ermeneutica" delle Convenzioni Internazionali sui Diritti Umani nei Confronti delle Disposizioni Costituzionali, in Rivista Diritto e Societá nº 2, pp. 291 a 319, 2000, p. 318.
- Cf. Marco Ruotolo, op. cit., p. 318.
- Cf. Pierre-Marie Dupuy, op. cit., pp. 228/232.