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A competência administrativa do Juiz da Criança e do Adolescente à luz do entendimento do Conselho Nacional de Justiça

12/10/2009 às 00:00
Leia nesta página:

1.Introdução

Diante dos índices de violência que assolam todas as regiões do país e da participação, em muitos casos, de criança e adolescente, seja como vítima de infrações penais ou como autores de ato infracional, os juízes das varas da infância e juventude têm tomado atitudes que soam como um ato de desespero.

Nos últimos meses, muitos magistrados têm publicado portarias que decretam o denominado "toque de recolher" nas comarcas onde atuam. Estas atitudes atraíram os olhos da imprensa, da sociedade e, principalmente, da comunidade jurídica acerca da legalidade desta atuação.

Como exemplo cite-se o caso dos municípios de Taperoá, Livramento e Assunção, no Cariri paraibano, que levaram o magistrado local a publicar uma portaria que decreta toque de recolher nas três cidades. De acordo com a determinação, fica proibida a circulação de menores de 12 anos nas ruas do Centro, bares e restaurantes após às 21h, mesmo que estejam acompanhados pelos pais ou responsáveis.

Ainda conforme o texto da portaria, maiores de 12 anos e menores de 18 anos só podem transitar pelas ruas após às 22h se estiverem acompanhados dos pais. "Tomei essa decisão com base em vários processos que tramitam em segredo de justiça e que envolvem menores de idade e outras ações com denúncias de atos infracionais praticados por crianças e adolescentes", justificou o magistrado.


2.O Estatuto da Criança e do Adolescente e a competência administrativa dos juízes

A lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) atribuiu ao juiz da infância e juventude, além de suas funções jurisdicionais típicas, competência administrativa. A competência administrativa da autoridade judiciária será exercida através de portaria ou alvará concernentes a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em: a) estádio, ginásio e campo desportivo; b) bailes ou promoções dançantes; c) boate ou congêneres; d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas; e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão; a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza.

Tal competência administrativa foi conferida pelo legislador ao juiz com o intuito de lhe instrumentalizar com poderes para efetivar a prevenção geral de que tratam os artigos 70 a 73 do ECA.

Para Wilson Donizeti Liberati a prevenção geral tem seu fundamento no conjunto de medidas sociais e jurídicas colocadas à disposição da família e a sociedade para a garantia e respeito dos direitos da criança e do adolescente. Prossegue o autor afirmando que é dever de todos prevenir a ocorrência da ameaça ou violação desses direitos (artigo 60, do ECA). Essa prevenção deverá garantir todos os direitos infanto-juvenis, pela adoção de medidas e programas de atendimento que evitem a marginalização, a discriminação e a caracterização de risco pessoal.

Neste diapasão, dispõe o artigo 149, §1º, da Lei 8.069/90 que para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores: a) os princípios desta Lei; b) as peculiaridades locais; c) a existência de instalações adequadas; d) o tipo de freqüência habitual ao local; e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.

As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.


3.O Conselho Nacional de Justiça e o "toque de recolher"

Foi noticiado no dia 10 de setembro de 2009, que por maioria de votos, o plenário do Conselho Nacional de Justiça, em sua 89ª sessão, aprovou nesta quarta-feira (09/09/2009) a suspensão do chamado "toque de recolher", das 23h às 6h, para menores de idade no município mineiro de Patos de Minas. Os conselheiros consideraram ilegal a Portaria 003/2009 do juiz da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Patos de Minas (MG), Joamar Gomes Pereira Nunes que limita o horário de circulação de crianças e adolescentes.

Na decisão do Procedimento de Controle Administrativo (PCA 200910000023514), prevaleceu o voto divergente apresentado pelo conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, contrário ao voto do relator, conselheiro ministro Ives Gandra Martins Filho. O PCA foi proposto pelo Ministério Público do estado de Minas Gerais contra o juízo da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Patos de Minas (MG).

Justificando seu voto, favorável à suspensão da portaria, o conselheiro Jorge Hélio argumentou que a portaria é ilegal, já que o juiz de Patos de Minas não tem competência para editar norma com força de lei. Segundo ele, apesar de o artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dar ao magistrado poder para disciplinar a entrada e permanência dos menores em locais públicos, o parágrafo 2º limita esse poder, ao determinar que a medida não pode ter caráter geral e deve ser fundamentada, caso a caso.

"A portaria, como ato administrativo deve se referir a questões específicas, pontuais e concretas. E não, como neste caso, atingir um público generalizado", argumenta Jorge Hélio. De acordo com o conselheiro, a portaria restringe o direito de ir e vir dos adolescentes. "Em nome de uma proteção à criança e ao adolescente, alguns juízes estão extrapolando suas funções", acrescenta.

Segundo o conselheiro Jorge Hélio, o conselho estuda editar uma resolução que determine a ilegalidade de portarias assinadas pelos juízos. "A tendência é que de agora em diante, essas portarias sejam consideras ilegais", explicou o conselheiro. Em agosto, o conselheiro Ives Gandra Martins Filho havia negado pedido de liminar que questionava a limitação de horário para a circulação de adolescentes em Patos de Minas (MG) e em outros dois municípios: Ilha Solteira (SP) e Santo Estevão (BA). Em junho, o conselheiro Marcelo Nobre também negou o pedido de liminar para suspensão da Portaria 001/2009 da 3ª Vara Cível da Comarca de Nova Andradina (MS).

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Esta decisão do Conselho Nacional de Justiça serve para consolidar o entendimento e o comando legal que dispõem que a portaria expedida pelo juiz da infância e da juventude não pode regulamentar matérias de caráter geral não previstas em lei, como prévia o revogado Código de Menores.

Entender o dispositivo de forma diferente não é compatível com a sistemática de assistência a infância e a juventude estabelecida pelo ECA.


4.Conclusão

Em que pese no atual momento ser necessário tomar medidas diferenciadas para proteger nossas crianças da violência, ao contrário do que defendeu Nicolai Maquievel, os fins não justificam os meios adotados.

Desta forma, conclui-se que as portarias editadas pelos juízes da infância e da juventude devem ser claras e precisas, com determinação singular dos casos que pretendem regular, o que não autoriza aos juízes a suprimem as lacunas deixadas pela lei. Sendo assim, as portarias editadas pelos magistrados da infância e juventude dotadas de caráter abstrato e geral são flagrantemente ilegais, eis que violam o princípio da separação de poderes.


Bibliografia:

Liberati, Wilson Donzeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Malheiros Editores, 8ª Edição, revista e ampliada, 2004.

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Sobre o autor
Luis Eduardo Souza e Silva

Advogado, Especialista em Direito Tributário pelo UFBA e Especialista em Direito pela Escola de Magistrados do Estado da Bahia - EMAB/Universidade Católica de Salvador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luis Eduardo Souza. A competência administrativa do Juiz da Criança e do Adolescente à luz do entendimento do Conselho Nacional de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2294, 12 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13667. Acesso em: 22 nov. 2024.

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