3.Princípio da anterioridade e princípio da anterioridade nonagesimal.
3.1. Princípio da Anterioridade.
Dentre todos os direitos materializados ou protegidos por princípios constitucionais, o princípio da anterioridade, ou também conhecido como princípio da anterioridade de exercício, destaca-se como uma garantia ao contribuinte, para que este possa se organizar financeiramente e não ser surpreendido com a imposição tributária de novos tributos ou majorações daqueles já existentes, no mesmo exercício financeiro.
Também conhecido como princípio da não-surpresa tributária, a regra de anterioridade está prescrita no art. 150, III, "b", da Constituição Federal, donde se extrai que:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
[...]
III- cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou."
Dessa forma, de acordo com o princípio da anterioridade, nenhum tributo será cobrado sem que a lei que o instituiu ou aumentou tenha sido publicada no exercício financeiro anterior, ou seja, em outras palavras, proíbe aos Entes Tributantes instituírem e majorarem tributos para cobrança no mesmo exercício financeiro em que haja ocorrido a instituição ou majoração do tributo. [09]
O professor Roque Carraza acrescenta partilhando do mesmo entendimento:
"[...] o princípio da anterioridade exige, evidentemente, que a lei que cria ou aumenta um tributo só venha a incidir sobre fatos ocorridos no exercício financeiro subsecutivo [...]" [10]
Nesse diapasão, do ponto de vista técnico-jurídico a lei instituidora de novas hipóteses de incidência tributária ou majoradora de tributos já existentes, somente entrará em vigor no primeiro dia do exercício financeiro seguinte (1º de janeiro do ano seguinte) ao da sua publicação (31 de dezembro do ano anterior).
A esse propósito é importante diferençar vigência e eficácia. A vigência está ligada a idéia de tempo da vida da norma jurídica. Com a promulgação e publicação, a lei passa a ter existência no mundo jurídico, sendo considerada vigente até que outra a revogue total ou parcialmente. Já a eficácia está ligada a produção de efeitos de uma norma jurídica, de modo que uma lei pode estar vigente, mas não estar produzindo efeitos (eficácia), como nos casos de vacatio legis, em que a lei está vigente, mas não produz efeitos, senão até o termino do prazo estipulado de vacatio.
É nesse sentido que o texto normativo pode estar vigente, isto é, ter existência jurídica no ordenamento, contudo não estar produzindo efeitos, por lhe faltar a eficácia. Somente a união da vigência e da eficácia faz com que a lei ou norma entre em vigor, criando direitos ou obrigações, bem como produzindo efeitos no mundo do direito.
Quando se afirma que um texto legal entra em vigor, quer-se, com isso, afirmar que o mesmo está vigendo e produzindo seus regulares efeitos, sendo, por conseguinte, válida sua aplicação aos casos concretos.
O princípio da anterioridade da lei tributária está intimamente relacionado com a eficácia das leis, impedindo sua aplicabilidade e executoriedade ocorra dentro do período protegido pela regra da anterioridade, qual seja: no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a instituição ou majoração de tributos.
Nesse passo, caso seja instituído ou majorado tributo, por exemplo, anteriormente ou até 31 de dezembro de 2007, a eficácia da lei será diferida para o próximo exercício financeiro, ou seja, a partir do ano seguinte, em 1º de janeiro de 2008, pois, embora esteja vigente em razão da publicação, ainda em 31 de dezembro de 2007, a lei não produzirá efeitos senão até o próximo exercício financeiro, a partir de 1º da janeiro de 2008, em razão da regra da anterioridade.
Significa afirmar que somente a partir de 1º de janeiro de 2008, consoante o princípio da anterioridade de exercício, a lei terá eficácia e estará, por conseguinte, em pleno vigor, sendo permitida a cobrança do novo tributo ou do tributo majorado.
Vale acrescentar que "31 de dezembro" é uma data limítrofe que delimita a possibilidade ou a impossibilidade dos Entes Tributantes utilizarem seus Poderes de Tributação.
Aproveitando o exemplo acima, caso seja publicada a lei instituidora ou majoradora, ainda em 31 de dezembro de 2007, será possível a cobrança a partir de 1º de janeiro de 2008; Mas, caso o Ente Tributante, por desleixo, tenha publicado a lei instituidora ou majoradora de tributos, não em 31 de dezembro de 2007, e sim em 02 de janeiro de 2008, seria impossível a cobrança em 2008, em razão da regra de anterioridade, ora sob análise.
Neste caso peculiar, somente seria possível exigir o tributo novo ou o tributo majorado a partir de 1º da janeiro de 2009, isto é, no exercício financeiro seguinte àquele em que ocorrera a instituição ou majoração do tributo, ficando, portanto diferida a eficácia da norma ao exercício subseqüente.
A corroborar com o exposto, insta transcrever as oportunas lições da Professora Misabel Derzi, no sentido de que o princípio da anterioridade obstaria a eficácia da norma que instituiu ou aumentou o tributo, impedindo sua aplicabilidade, até o exercício subseqüente:
"[...] o princípio da anterioridade das leis tributárias tem como efeito obstar a eficácia das normas que criam ou aumentam qualquer tipo de exação fiscal (salvo as exceções expressamente consignadas no texto), impedindo a sua aplicabilidade, executoriedade e exigibilidade até o exercício subseqüente àquele no qual tenham entrado em vigor. [...]" [11]
Aplicando este princípio de forma mais aprofundada, juntamente com o princípio da irretroatividade da lei tributária [12], pode-se concluir, curiosamente, que o imposto instituído ou majorado por lei só poderá incidir sobre fatos geradores ocorridos no exercício financeiro seguinte à sua publicação, após a sua entrada em vigor, que se dá com a união de sua vigência e eficácia.
O princípio da anterioridade, portanto, visa afastar qualquer tentativa de efetivação de uma tributação surpresa, atentatória à própria segurança jurídica, que exige prévias e claras regras, assim como ao direito do contribuinte poder se preparar à nova tributação, seja consultando seu advogado para fins de elisão fiscal, através do planejamento tributário, ou, simplesmente, para reservar recursos necessários ao custeio dos tributos instituídos ou aumentados pelo novo regramento tributário. Nesse sentido acrescenta o mestre Hugo de Brito:
"A lei fiscal há de ser anterior ao exercício financeiro em que o Estado arrecada o tributo. Com isto se possibilita o planejamento anual das atividades econômicas, sem o inconveniente da insegurança, pela incerteza quanto ao ônus tributário a ser considerado." [13]
Analisando brilhantemente o princípio da anterioridade tributária, o nobre Professor Roque Antônio Carrazza assinala a importância de se respeitar e garantir a segurança jurídica, na instituição ou majoração de tributos, evitando a tributação surpresa:
"[...] o princípio da anterioridade é corolário lógico do princípio da segurança jurídica. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a instituição ou majoração de tributos no curso do exercício financeiro. De fato o princípio da anterioridade veicula a idéia de que deve ser suprimida a tributação surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele impede que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar, com tranqüilidade, sua vida econômica. [...] Portanto, o princípio da anterioridade só é obedecido se e enquanto for aceito que o fato imponível deve necessariamente ocorrer a partir do exercício seguinte àquele em que o tributo foi criado ou majorado. [...]" [14]
A segurança jurídica, a certeza do direito e a previsibilidade das ações estatais, foram as linhas ideológicas que orientaram o constituinte na elaboração do princípio da anterioridade de exercício, com o objetivo de proteger os contribuintes contra a tributação surpresa.
3.2.Costume Odioso.
Tornou-se um costume odioso entre os Entes Tributantes para com seus contribuintes, como medida de satisfação da volúpia arrecadatória, editar, estudar, aplicar e interpretar as normas tributárias da forma mais onerosa e dispendiosa para o sujeito passivo, visando aumentar a arrecadação, como uma tentativa de se maquilar a má administração, ou ainda, camuflar atos de ilegalidade e corrupção.
Os governantes não possuem qualquer pudor quando se trata de arranjar novas alternativas, ainda que ilegais ou inconstitucionais, para aumentar a carga tributária e instituir novos tributos, ou novos mecanismos de arrecadação, e não raro, o princípio da anterioridade já foi alvo dessas incursões políticas e legislativas.
De forma menos aparente, porém muito comum, os Entes Tributantes deturpam a essência do princípio da anterioridade, em razão de objetivos eminentemente fiscais e arrecadatórios, inovando a legislação tributária com a instituição de um novo tributo, ou a majoração daqueles já existentes, bastando, portanto, publicar o texto normativo até o dia 31 de dezembro do ano e prosseguir com a cobrança a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte.
Com essa tática, ainda que teoricamente, o princípio da anterioridade é respeitado, na medida em que a Constituição Federal, em seu art. 150, III, exige que a entrada em vigor do novo texto legal tributário NÃO se dê no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Portanto, todos os anos o mês de Dezembro sempre foi marcado pela corrida dos Poderes Legislativos dos Entes Tributantes para publicar suas leis de instituição de tributos ou majoração, em tempo de viabilizar o aumento da arrecadação no ano subseqüente.
Por conseguinte, cumpre questionar: através dessa tática dos Entes Tributantes, em que é dado o prazo de 1 dia ou menos para o contribuinte tomar ciência e se preparar para a nova imposição tributária, já que as leis são votadas e publicadas às pressas no dia 31 de dezembro para vigerem em 1º de janeiro do ano seguinte, haveria uma violação a não-surpresa tributária? Estariam os Entes Tributantes maquiando, mais uma vez, o cumprimento de um princípio constitucional? Efetivamente, o princípio da anterioridade, nesses termos, possuiria alguma finalidade de garantia ou proteção ao contribuinte na prática fiscal? Onde estaria a segurança jurídica, a certeza do direito e a previsibilidade das ações Estatais, imaginadas pelo constituinte?
Sob esta ótica, o princípio da anterioridade nada acrescenta ao contribuinte, que se vê compelido, por lei, após formalmente respeitada a regra da anterioridade, a arcar com o ônus tributário de um novo tributo ou com o aumento de tributos já existentes, sem, contudo, ter tempo suficiente para estudar, analisar ou planejar uma estratégia de elisão fiscal, bem como estabelecer procedimentos para reservar recursos ao custeio da nova carga tributária.
Nesse quadro, a insuficiência do princípio da anterioridade é latente, na medida em que, como vem sendo reiteradamente praticado, não traz qualquer espécie de segurança jurídica aos contribuintes, tendo em vista a possibilidade de exigência dos tributos recém instituídos ou majorados já no primeiro dia do exercício financeiro seguinte. [15]
Diante disso, infelizmente o princípio da anterioridade tornou-se inócuo e ineficaz. As iluminadas palavras do professor Roque Carrazza, ao comentar tal impropriedade, merecem ser destacadas:
"[...] é fácil percebermos que a surpresa tributária (que o princípio da anterioridade colima evitar), neste caso, por mais que se queira sustentar o contrário, se consuma. E, com ela, a segurança jurídica do contribuinte sofre consideráveis abalos. Evidentemente, é necessário o decurso de um prazo razoável de tempo entre a vigência da lei tributária e sua eficácia, a fim de que o contribuinte prepare seu patrimônio para suportar o novo tributo (ou a majoração do tributo que já existia). Não será no curto período de um dia (!) que este objetivo será alcançado [...]". [16]
Também inconformado com a falta de efetividade do princípio da anterioridade Eduardo Maneira arremata:
"[...] a não surpresa, jurisdicizada pela anualidade ou pela anterioridade, não tem conseguido, no Brasil, vigor correspondente à importância dos valores que carrega. [...] De fato, lei publicada em dezembro para viger em janeiro do ano seguinte é lei que carrega um mínimo, quase nada, dos valores que anterioridade pretende assegurar. [...]" [17]
Sensibilizado com as constantes táticas para instituir e majorar tributos, para cobrança imediata do dia para a noite, o constituinte derivado decidiu reanimar o princípio da anterioridade, até então falecido, criando a figura da anterioridade nonagesimal, através da inclusão da alínea "c" no inciso III do artigo 150 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional n. 42/03:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) [...]" (g.n.)
Em parte houve um importante avanço na tentativa de se fazer retornar a eficácia do princípio da anterioridade (alínea "b) que, uma vez unido ao princípio da anterioridade nonagesimal (alínea "c"), proibiu aos Entes Tributantes a estratégia de edição da lei instituidora ou de aumento de tributos, no dia 31 de dezembro para viger a partir do dia 1º da janeiro do ano subseqüente, tendo em vista a nova necessidade de se aguardar 90 dias, contados da publicação da norma, para exigir o tributo, como medida útil a se evitar as famosas surpresas tributárias de final de ano.
De outro lado, especificamente ao imposto de renda, a Emenda Constitucional 42/03 alterou a redação do § 1º, do art. 150 da Constituição Federal, elencando-o como exceção ao princípio da anterioridade nonagesimal, o que foi objeto de muitas críticas por quase todos os doutrinadores que estudam o Direito Tributário Brasileiro, conforme será melhor analisado a seguir.
O Constituinte derivado, portanto, deu nova força ao princípio da anterioridade, através da inclusão do princípio da anterioridade nonagesimal, com a aplicação conjunta dos dois princípios, mas excluiu o imposto de renda deste último, sem um motivo jurídico e técnico, indicando uma brecha para o legislador infraconstitucional utilizá-la com fins exclusivamente arrecadatórios, mais uma vez em prejuízo da segurança jurídica dos contribuintes.
3.3.Princípio da Anterioridade Nonagesimal.
O princípio da anterioridade nonagesimal, também conhecido como princípio da anterioridade tributária qualificada, princípio da carência, princípio da noventena, ou princípio da anterioridade mínima, foi acrescido ao sistema jurídico constitucional pela Emenda Constitucional n. 42/03, incluindo-o na alínea "c" do inciso III do art. 150 da Constituição Federal, trazendo, ainda, modificações no parágrafo 1º do mesmo dispositivo, consoante anteriormente assinalado.
A regra de anterioridade nonagesimal assegura que nenhum tributo poderá ser instituído ou majorado, senão após transcorridos o prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação de lei que instituiu ou aumentou o tributo.
Cumpre observar que o princípio da anterioridade nonagesimal, deve ser aplicado em conjunto com o princípio da anterioridade, conforme a exigência prevista na parte final da alínea "c" do inciso III do art. 150 da CF, na qual se extrai que a cobrança do tributo novo ou do tributo majorado não será realizada "antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b"
Essa parece ser a melhor interpretação lógica e gramatical do referido dispositivo, na medida em que a expressão "observado o disposto na Alinea ‘b’" indica que as alíneas "c" e "b", ambas do inciso III do art. 150 da CF, devem ser somadas e aplicadas em conjunto.
Nesse diapasão, para que o tributo novo ou o tributo majorado possam ser cobrados, deve o legislador infraconstitucional respeitar duas exigências decorrentes dos dois princípios: (a) não será possível a entrada em vigor da lei tributária, que aumentou ou criou novo tributo, no mesmo exercício financeiro de sua publicação, devendo a cobrança ocorrer no ano seguinte; e deverá ser respeitado o prazo de 90 dias, contado da publicação da lei tributária que instituiu ou majorou o tributo.
Aproveitando o exemplo exposto nos itens anteriores, caso seja instituído ou majorado tributo, anteriormente ou até 31 de dezembro de 2007, a eficácia da lei será diferida para o próximo exercício financeiro, ou seja, a partir do ano seguinte, ou seja, em 1º de Janeiro de 2008, em razão do princípio da anterioridade de exercício (art. 150, III, "b" da CF), prorrogando-se, ainda, o diferimento da eficácia da norma por mais 90 dias, contados da publicação da lei, em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (art. 150, III, "c" da CF).
Percebe-se, que houve um significativo avanço na defesa dos interesses dos contribuintes, na medida em que o falecido princípio da anterioridade, anteriormente a EC n. 42/03, não atingia o seu objetivo principal para assegurar a não-surpresa em matéria tributária e, após o advento da referida emenda constitucional, o mesmo foi ressuscitado e amparado pelo princípio da anterioridade nonagesimal.
Também por este prisma é o entendimento do respeitado professor Eduardo Sabbag, que perfilha do mesmo pensar, ao asseverar, brilhantemente, que o princípio da anterioridade foi revigorado pela anterioridade nonagesimal:
"[...] É imperioso enaltecer que o Princípio da Anterioridade Tributária foi revigorado com o advento da Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003, segundo a qual se vedou a cobrança de tributos antes de decorridos 90 dias da data em que houver sido publicada alei que tenha instituído ou majorado o tributo, em consonância com a alínea "c" do inciso III do art. 150 da Constituição Federal. Dessa forma, robusteceu-se o postulado em comento, na medida em que se exigiu obediência à anterioridade anual, além da anterioridade nonagesimal, garantindo-se ainda mais o contribuintes contra uma tributação inopinada. Como é cediço, não é raro presenciar a voracidade fiscal da Fazenda Pública, que se vale da criação ou majoração de tributos nos últimos dias do ano, a fim de que possa satisfazer a volúpia arrecadatória com valores a receber, logo no início do exercício. A novidade trazida pelo teor da Emenda Constitucional n. 42/2003, quanto ao Princípio da Anterioridade, vem obstar tal expediente, ao exigir uma espera nonagesimal entre a exteriorização do instrumento normativo majorador ou criador e a exigência efetiva do gravame compulsório. [...]" [18]
Assim, em que pese a união dos dois dispositivos constitucionais permitam o efetivo respeito à segurança jurídica, a previsibilidade das ações estatais e a certeza do direito, quanto a maioria dos tributos, em alguns deles, ao contrário, como no caso do imposto de renda, o costume odioso dos Entes Tributantes, acima comentado, foi garantido, tendo em vista a materialização da exceção do IR à anterioridade nonagesimal, assinalada no parágrafo primeiro do art. 150 da Constituição Federal.
3.4.Imposto de Renda como Exceção ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal.
Emenda Constitucional n. 42/03, além de inovar o sistema constitucional tributário, fixando a nova regra da anterioridade nonagesimal, incentivando o avanço do direito tributário, de outro lado, permitiu um retrocesso, diante da alteração veiculada no parágrafo 1° do art. 150, da CF:
"[...] § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)[...]"
Este dispositivo trata das exceções à regra do princípio da anterioridade nonagesimal, previsto na alínea "c", do inciso III, do artigo 150, que abrangem o Empréstimo Compulsório de Calamidade Pública, Guerra Externa ou sua iminência, o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o Imposto de Renda, o IOF, o Imposto Extraordinário de Guerra e a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU.
Nesse raciocínio, é possível observar que o número de exceções à regra da anterioridade nonagesimal é alto, mas se justificaria diante da função extrafiscal desses tributos.
Diferentemente, no caso do IR, tal exceção não parece refletir a lógica e a racionalidade do sistema jurídico constitucional tributário, pois não se trata de um tributo de natureza extrafiscal.
Como é de conhecimento geral, a extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não exclusivamente arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos para obtenção de fins não fiscais, objetivando a realização de objetivos específicos pelo Estado.
Ao contrário do que sucede com a imposição tradicional, denominada simplesmente de "fiscal", que visa exclusivamente à arrecadação de recursos financeiros para prover o custeio dos serviços públicos, a tributação considerada "extrafiscal" é orientada para fins não arrecadatórios, como por exemplo, a redistribuição da renda e da terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos privados para setores produtivos, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial etc.
Como salienta o ilustre professor Ruy Barbosa, a extrafiscalidade deixa de ser conceituada como aquela destinada a cobrir as necessidades financeiras do Estado e passa a ser um instrumento de intervenção e regulamentação de atividades:
"[...] Esta intervenção, no controle da economia, é realizada pelo Estado sobretudo por meio de seu poder impositivo. É, pois, no campo da Receita, que o Estado transforma e moderniza seus métodos de ingerência. O imposto deixa de ser conceituado como exclusivamente destinado a cobrir as necessidades financeiras do Estado. É também, conforme o caso e o poder tributante, utilizado como instrumento de intervenção e regulamentação de atividades. É o fenômeno que hoje se agiganta com a natureza extrafiscal do imposto [...]". [19]
As exceções ao princípio da anterioridade e ao princípio da anterioridade nonagesimal, ora em análise, visam facilitar a atuação do Estado, diante de peculiaridades as quais exigem uma providência urgente e imediata, não raro, de cunho tributário extrafiscal, que não pode esperar quaisquer prazos ou períodos com a finalidade exclusiva de intervir e orientar a conduta dos particulares.
A EC n. 42/03, ferindo de forma incongruente, não somente excepcionou o IR do princípio da anterioridade nonagesimal, tributo este sem caráter extrafiscal, não havendo qualquer urgência em seu conteúdo que possa influenciar finalidades diversas na economia ou nos mercados, como também, incluiu o IPI, este sim, tributo nacionalmente reconhecido como extrafiscal, na regra da anterioridade nonagesimal, dificultando eventual estratégia do Poder Executivo na obtenção de resultados extrafiscais. Em síntese, não se aplica o prazo de 90 dias ao imposto de renda, mas aplica-se ao IPI.
A conseqüência não poderia ser pior, senão o incentivo ao consume odioso da União, que poderá continuar a publicar suas leis sobre imposto de renda, nos finais de cada ano, isto é, no dia 31 de dezembro, para agilizar a cobrança e arrecadação a partir de 1º de janeiro do ano seguinte, já que não há a obrigatoriedade da espera de 90 dias no IR, relativamente ao princípio da anterioridade nonagesinal, sepultando definitivamente o princípio da anterioridade de exercício. [20]
3.5.Princípio da Anualidade.
O princípio da anualidade orçamentária orienta a Administração a obrigação de planejar suas atividades e estabelecer metas e programas, em consonância com os objetivos políticos do Governo, para melhor organizar suas finanças e prestar serviços com maior efetividade, visando a realização do Bem Comum.
O planejamento orçamentário, por conseguinte, é um instrumento eficaz que auxilia o Estado a organizar todas as estratégias e selecionar e direcionar os recursos financeiros aos programas econômicos e sociais propostos, para alcançar a estabilidade da economia, controlar o nível de empregos, manter os preços estáveis, possibilitando o crescimento da economia. [21]
Ressalte-se que o princípio da anualidade não mais se aplica ao campo do direito tributário brasileiro, como ocorria no passado.
Tal princípio existia na Constituição de 1946, constituindo numa das técnicas que asseguravam a não-surpresa em matéria tributária, na medida em que as leis tributárias deveriam estar incluídas na lei do orçamento, isto é, dentro do planejamento orçamentário, para serem executadas no ano, não podendo ser alteradas após o prazo constitucional fixado para aprovação do orçamento anual. E se acaso não incluídas na referida lei orçamentária, não poderiam ser efetivadas as cobranças tributárias no ano de incidência da lei orçamentária.
Nesse sentido também entende o professor Eduardo Sabbag, apontando pela não recepção do princípio da anualidade pela Constituição de 1969:
"[...] é mister esclarecer que o antigo Princípio da Anualidade não está previsto na seara tributária hodierna, uma vez que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1969, data em que ainda possuía sentido doutrinário. Por essa razão, não há que se falar em ‘anualidade’ no Direito Tributário, uma vez que o fenômeno da cobrança do tributo deve ocorrer no ano subsecutivo ao da publicação e vigência da lei, independentemente de tal lei vir antes ou depois da lei orçamentária [...]".
Assim, não se pode confundir o princípio da anterioridade com o princípio da anualidade, ao quais se diferenciam, seja do ponto de vista axiológico, quanto os objetivos idealizados.