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A necessidade de se repensar a reforma do ensino jurídico no Brasil

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26/10/2009 às 00:00
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3.UMA VISÃO PANORÂMICA DOS PRINCÍPIOS E NORMAS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO JURÍDICA

Desde a época do Império [28], quando da criação do primeiro curso de Direito, verifica-se uma inversão de valores no que tange à fundamentação existencial do curso de Direito. Bem dizer, mesmo Portugal não tinha uma consistente fundamentação, acometendo-se o Brasil da mesma impropriedade. Desta forma, como observa Falcão [29]: "nasce o ensino jurídico pátrio: guardião dos ideais liberais do Estado constitucional, mas objetivando fornecer quadros para o aparelho estatal – centralizador".

A República Velha manteve praticamente inerte a situação, inclusive aproveitando, como bem delimita Flávio Galdino [30], o "status da formação jurídica retórica e literária (não técnica), descompromissado com a realidade social e a transformação do país". A única inovação foi a abertura no sentido de se propiciar o ensino livre, autorizando-se a criação de várias escolas de Direito, propiciando descomunal aumento de matrículas e, conseqüentemente, de bacharéis. Nada foi acrescentado por ocasião da Era Vargas, quando simplesmente não se deu qualquer importância à educação jurídica.

O tema somente começou a ser debatido em decorrência da insistência de San Tiago Dantas numa reforma do ensino do Direito, que tomou força por ocasião da aula inaugural do ano de 1955, da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, tomando como tema "A educação jurídica e a crise brasileira". Deve-se ressaltar, ainda, o foco de Dantas no sentido de que se vinculasse o ensino jurídico à realidade social e aos conflitos sociais. Esta foi a primeira situação onde se propôs uma abordagem substancial sobre a problemática do ensino com o oferecimento de soluções práticas.

No período militar houve uma insatisfação política da classe média urbana, motivo pelo qual o governo adotou uma política expansionista da educação, mas focalizando a expansão com cursos de ciências exatas. Porém, o que se viu foi uma proliferação de cursos da área de ciências humanas, dada a maior facilidade de criação. A crise agravou-se em razão dos irrisórios investimentos: houve potencialização dos lucros e inevitavelmente nasceu a mercantilização do ensino. O Direito reduzia-se à norma, sem referenciais sociais ou filosóficos.

3.2.Contemporaneidade

A Constituição Federal de 1988 [31] trouxe uma idéia principiológica mais concisa da educação, devendo-se ressaltar o artigo 205, o artigo 206, especialmente, neste último, o caput e os incisos III e VII, e o artigo 209, como segue:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

...

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

...

VII – garantia de padrão de qualidade.

Art. 209 – O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

No mesmo contexto, fortalecida pelo processo de democratização, a Ordem dos Advogados do Brasil, embora outras fossem suas funções, passou a possuir uma responsabilidade direta sobre o ensino do Direito quando da promulgação da Lei n. 8.906, de 1994 [32], o Estatuto da Advocacia e da OAB, que apregoou em seu artigo 54 inciso XV:

Art. 54 – Compete ao Conselho Federal:

XV – colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos.

Nasceu, então, a Comissão de Ensino Jurídico responsável por se manifestar de forma não vinculativa, mas exercendo pressão sobre o Ministério da Educação, quanto à criação de novos cursos de Direito.

Com a Lei n. 9.394, de 1996 – LDB [33] –, dois passos importantes foram dados, quais sejam, a exigência da monografia e a obrigatoriedade do estágio, antes facultativo. Ademais, indicava o artigo 46 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, "a autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação".

Em 2001, o Decreto n. 3.860, de 2001 [34], pelo caput de seu artigo 28, enfatizou a necessidade de se submeter ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os pedidos de criação e reconhecimento de cursos jurídicos em instituições de ensino superior, estabelecendo, ainda, no parágrafo 1º daquele artigo, o prazo de cento e vinte dias para que tal manifestação fosse emitida.

A referida norma foi expressamente revogada pelo Decreto 5.773, de 2006 [35], contudo, suas diretrizes continuaram basicamente inertes. Em verdade, o Decreto 5.773, de 2006, também conhecido como "decreto ponte", readequou os procedimentos para a abertura de cursos superiores, além de reunir as diversas portarias que tratavam do assunto. Quanto a inovações substanciais, deve-se ressaltar: a indicação para que a Ordem dos Advogados do Brasil se manifeste também acerca da renovação de reconhecimento de cursos de Direito, ampliando a letra da Lei n. 8.906, de 1994 [36]; e a atribuição, à Secretaria de Educação Superior – SESu –, da competência para autorizar, reconhecer e renovar o reconhecimento desses cursos, cabendo, a partir de então, ao Conselho Nacional de Educação – CNE –, apenas o julgamento de recursos.

Há ainda que tratar de um tópico bastante específico, a regulamentação própria da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB. A edição de suas normas ocorre por meio de instruções normativas, as quais seguem: Instrução Normativa n. 01, de 1997, que "dispõe sobre os pedidos de autorização de cursos jurídicos novos"; Instrução Normativa n. 02, de 1997, que "divulga os critérios adotados para análise dos pedidos de reconhecimento de cursos jurídicos"; Instrução Normativa n. 03, de 1997, que "divulga os critérios para análise dos estágios, nos pedidos de autorização"; e Instrução Normativa n. 05, de 2003, que "dispõe sobre a tramitação dos processos de autorização e reconhecimento de cursos jurídicos, e dá outras providências". A Instrução Normativa n. 04, de 1997, foi expressamente revogada pela imediatamente subseqüente, por tratarem, ambas, de procedimentos.

As instruções normativas da OAB estão em fase de aperfeiçoamento e readequação de valores, pois a publicação do decreto ponte obrigou a revisão dos procedimentos e critérios, uma vez que diversas portarias, citadas ou consideradas no texto das normas, estariam, agora, revogadas.


Em razão da já explanada situação de desconforto envolvendo o Ministério da Educação e a Ordem dos Advogados do Brasil, Tarso Genro, então Ministro, instituiu o Grupo de Trabalho MEC - OAB, com a seguinte composição: Alayde Avelar Freire Sant’Anna, Mário Portugal Pederneiras e Roberto Fragale Filho, pelo Ministério da Educação; José Geraldo de Sousa Junior, Paulo Roberto de Gouvêa Medina e Raimundo Cezar Britto Aragão, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; André Macedo de Oliveira, pelo Ministério da Justiça; e Roberto Cláudio Frota Bezerra pelo Conselho Nacional de Educação. Participaram, ainda, dos trabalhos: Orlando Pilati (MEC), Walter José de Souza Neto (CF-OAB) e Renato De Vitto (MJ).

O grupo sistematizou as discussões e seus frutos em um relatório, nos termos da portaria de designação, apresentando, por conclusão, uma síntese orientadora, de forma a representar a dialética concebida durante os meses de trabalho [37]:

... a síntese orientadora exigida pela Portaria de constituição não poderia ser efetuada sob a estreita perspectiva dos critérios aplicáveis aos processos de autorização de abertura de novos cursos jurídicos. Na verdade, percebeu-se que os debates desenhavam pistas em três direções específicas: a construção de uma política pública para o ensino do Direito, a revisão dos procedimentos burocráticos aplicáveis aos processos de autorização e os próprios critérios em si.

Como visto, a síntese orientadora ficou dividida em três pontos principais: política pública, procedimentos burocráticos e critérios. A organização de elementos visou subsidiar ações do Ministro da Educação, com vistas a levar à sociedade, e em especial à comunidade acadêmica, novas perspectivas para um ensino de excelência, retornando às instituições de ensino a merecida confiança histórica. Ver-se-á, adiante, o posicionamento do grupo, regado por uma visão crítica, enfocando a confiabilidade e viabilidade do que se propõe no seu Relatório Final.

4.2.Política pública

Ao tratar da política pública para a área do Direito, o grupo prevê uma ampla discussão nacional sobre o ensino, focando suas bases [38]:

É preciso construir um sentido para o ensino jurídico: o que se deseja com sua transmissão? Quais são os pressupostos pedagógicos que o norteiam? É preciso enfrentar essas questões, pensando a política pública, as diretrizes que irão guiar o ensino jurídico nos próximos anos. Para tanto, sugere-se a realização, no segundo semestre de 2005, de Seminários Regionais e um Seminário Nacional sobre Educação Jurídica para elaborar, coletiva e publicamente, uma política pública que consiga expressar, setorialmente, as estratégias de expansão com qualidade e com inclusão social.

O pensamento do GT MEC-OAB sobre o ensino jurídico é no sentido de que devemos ainda refletir o ensino jurídico repensando a atualidade e trabalhando para a construção do futuro. E a linha de pensamento do grupo faz com que se remeta a Boaventura de Sousa Santos [39]:

... na última década se começaram a alterar significativamente as relações entre conhecimento e sociedade e as alterações prometem ser profundas ao ponto de transformarem as concepções que temos de conhecimento e de sociedade. Como disse, a comercialização do conhecimento científico é o lado mais visível dessas alterações. Penso, no entanto, que, apesar da sua vastidão, elas são a ponta do iceberg e que as transformações em curso são de sentido contraditório e as implicações são múltiplas, inclusive de natureza epistemológica.

...ao longo da última década, se deram alterações que desestabilizaram este modelo de conhecimento e apontaram para a emergência de um outro modelo. Designo esta transição por passagem do conhecimento universitário para o conhecimento pluriversitário.

Boaventura indica as transformações sociais e, por decorrência, jurídicas, dos últimos dez anos, afirmando, inclusive, que esta é apenas a "ponta do iceberg". E as observações do GT MEC-OAB comprovam a previsão de Boaventura, pois o Grupo de Trabalho absorveu justamente esse entendimento, ao afirmar que é preciso avançar ainda mais, com a expectativa de que se possa justamente "triturar todo esse gelo". Cabe ressaltar, porém, que o aprofundamento proposto pelo MEC-OAB não foi realizado, pois em nenhum momento, após a entrega do material, abriu-se discussão decorrente do Relatório Final. Sabe-se que diversos grupos de professores discutiram o tema, com reuniões e seminários realizados, mas uma política firme no sentido de se repensar a reforma com participação ativa de instituições particulares, organizações civis e governo, cuja necessidade, aliás, é consenso entre os educadores, nunca foi efetivada. Mesmo com sérios riscos de estar insistindo na inocuidade é preciso ressaltar a importância do envolvimento público nas políticas educacionais com vistas a viabilizar a melhoria da educação ministrada no Brasil.

4.3.Critérios para criação de cursos de Direito

4.3.1.Contexto Institucional e Necessidade Social

Em princípio, é imprescindível que o leitor tenha uma noção básica do termo "necessidade social", pois, diante deste, concentra a maioria das controvérsias entre a OAB e o MEC. Esclarecimento: a Ordem, na análise dos pedidos de autorização de cursos de Direito, utiliza-se do critério denominado "necessidade social", estampado em sua Instrução Normativa n. 01, de 1997, mais especificamente no artigo 1.o; o Ministério aboliu o uso de tal critério a partir do Parecer CES/CNE n. 293, de 1998 [40], entendendo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1996, não mais comportaria tal condição. Assim, a OAB fundamentava-se, na elaboração de seus pareceres, no referido critério, enquanto o MEC o ignorava, em razão de já ter abolido tal de seus regramentos.

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Ocorre que, na verdade, nunca havia tido uma interlocução mais aprofundada sobre o tema, entre as duas instituições, com vistas a permitir, por meio da dialética, a propiciação de consensial saída para a problemática. Uma oportunidade para que o tema fosse tratado era imprescindível, sobretudo porque o cerne da discussão envolvia um grande mal entendido, qual seja o de se confundir "necessidade social" com "demanda social".

A priori, entendia o MEC ser a necessidade social uma mera balizadora de demanda social. Daí não fazer sentido, de fato, continuar com o critério a partir de 1996, simplesmente para atender uma suposta reserva de mercado dos advogados. Porém, a Ordem nunca tratou o critério como sendo um fator meramente geográfico e populacional. Pelo contrário. Necessidade social, para a OAB, sempre englobou quantidade e qualidade num só corpo. O termo é sustentado com vistas a estudar a estrutura da região que subsidiaria o sustento de um curso de Direito, analisando disponibilidade e qualidade do corpo docente, órgãos que poderiam absorver estagiários, livrarias e bibliotecas existentes, infra-estrutura destinada ao curso, qualidade da organização didático-pedagógica, dentre outros elementos.

Assim, a necessidade social vinha para assegurar que a sociedade local tivesse a disponibilidade de um curso que realmente atendesse a seus anseios, longe, portanto, de se confundir com a idéia de demanda social.

Durante os primeiros contatos do GT MEC - OAB, os representantes do MEC e do CNE rechaçavam a idéia da absorção do critério da necessidade social como elemento obrigatório do relatório final, pois eles ainda tinham uma visão superficial do propósito da Ordem em mantê-lo.

Pois bem, após intermináveis discussões, o grupo pôde se posicionar em um meio termo, onde a necessidade social tornava-se, então, ponto essencial na análise dos cursos, observando-se todos aqueles pontos qualitativos que empregava a Ordem a seu conceito. Contudo, ressalvou-se que não se poderia vincular o critério à idéia quantitativa, em relação a distâncias ou a volume populacional, devendo o seu valor estar firmado essencialmente na qualidade.

Perfeita ficou a delimitação dada pelo grupo, pois se manteve a imprescindibilidade da qualidade, permitindo-se a autorização de todos os cursos com boa qualidade, para qualquer região do país, e fazendo com que, dessa forma, os vindouros atuem pela lei de mercado, massacrando os cursos de má qualidade já existentes.

4.3.2.Organização didático-pedagógica

Inicialmente deve-se expor, sobre este tópico, disposição das diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito, expressa no artigo 2.o da Resolução n. 09, de 2004 [41], da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação:

Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

I - concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social;

II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV - formas de realização da interdisciplinaridade;

V - modos de integração entre teoria e prática;

VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

X -concepção e composição das atividades complementares; e,

XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.

Como visto, há a necessidade de se trabalhar seguindo certos parâmetros predeterminados pelos órgãos competentes, quais sejam, no caso, o Conselho Nacional de Educação e o Ministério da Educação.

Além do pleno atendimento dos critérios estabelecidos, é válido ressaltar a necessidade de reinclusão da propedêutica jurídica, normalmente tratada como "Introdução ao Estudo do Direito – IED", excluída das atuais diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Direito.

Sobre o assunto, Paulo Roberto de Gouvêa Medina esclarece [42] que, com a Reforma Francisco Campos, surgiu a "matéria Introdução à Ciência do Direito, colocada no primeiro ano como indispensável propedêutica do ensino dos diversos ramos do direito". E complementa:

Ao mesmo tempo em que se transferia a Filosofia do Direito para o curso de doutorado, criava-se a cadeira de Introdução, que, além de fornecer uma visão panorâmica do direito, daria ao estudante noções básicas sobre as idéias jurídicas, examinando as concepções filosóficas a seu respeito. Posteriormente, com a Resolução CFE n. 3/1972, a matéria passou a denominar-se Introdução ao Estudo do Direito.

A vigente Resolução n. 9, de 29 de setembro de 2004, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, pela primeira vez, desde a sua instituição, não alude a essa matéria fundamental – a única, dentre as que compunham o currículo do curso de direito, que não permitia, no antigo regime didático, pudesse o estudante prosseguir no curso sem nela haver sido aprovado, uma vez que não comportava a chamada dependência.

Também por isso, o Relatório Final do Grupo de Trabalho MEC-OAB explicitou, ao tratar da estrutura curricular [42]:

O eixo fundamental tem por objetivo integrar o estudante no campo do Direito, sob a perspectiva de seu objeto, apontando ainda para as relações do Direito com outras áreas do saber, pertinentes à compreensão de seu método e finalidades. Assim, além de explorar diferentes áreas do saber e suas conexões com o campo jurídico, ele deve apresentar a oferta de conteúdos relacionados com a Propedêutica Jurídica, de forma a permitir, de uma banda, uma melhor delimitação do próprio objeto de estudos e, de outra banda, uma mais adequada percepção das diferentes conexões estabelecidas com as outras áreas. Em suma, ele deve apresentar, ao menos, os conteúdos abaixo destacados, podendo ainda incorporar outras que julgar pertinentes ao seu projeto pedagógico.

Como apresentado, há problemas estruturais quanto às diretrizes curriculares do curso jurídico e tais envolvem justamente as já explanadas divergências concernentes aos novos anseios da sociedade e os princípios básicos que norteiam o Direito.

4.3.3.Corpo docente

Em se tratando de corpo docente, há que se ressaltar duas características essenciais ao bom funcionamento de um curso: nível adequado de titulação e o compromisso do docente com a instituição. E o que se propõe a discorrer neste ponto é justamente a forma com a qual se podem efetivar tais características.

Considerando a primeira característica – titulação –, deve-se observar a necessidade de haver um corpo docente qualificado, contendo não somente especialistas, mas professores dotados de pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado. Embora seja sabido que o país não dispõe da quantidade de mestres e doutores quanto o necessário para o bom desempenho de todas as instituições existentes, ressalta-se a essencialidade de se ter um corpo docente de boa qualidade, adequado às necessidades regionais, primando, nesse viés, por um mínimo de professores titulados.

Já em referência ao compromisso do docente com a instituição, deve-se enfocar o fator "regime de contratação". Há a necessidade de uma maior interação e um vínculo mais estreito do docente com a IES, de forma que aqueles façam da instituição um segundo lar. Daí decorre a imprescindibilidade de se ter, nos quadros, grande quantidade de professores contratados em tempo integral ou parcial, fazendo do regime horista uma excepcionalidade.

Os dois quesitos enfocados acima são pressupostos de um curso que tem por primazia a qualidade do ensino, contudo, não se pode esquecer de outros pontos, não menos importantes, mas que viabilizam a efetivação da qualidade sugerida nas características já citadas. Desses elementos importantes, ressaltam-se: o núcleo docente do curso, experiência profissional e gestão acadêmica.

O Núcleo docente de curso seria um grupo dotado de unidade e perenidade, emprestando "ao projeto pedagógico a desejada e pretendida verossimilhança para sua efetiva implantação". [43]

A Experiência profissional resume-se à importância da experiência prática no contexto do ensino – ao menos a metade do corpo docente deve ter, no mínimo, quatro anos de experiência, considerando, contudo, para nível de excelência, que a metade dos professores tenha doze anos de experiência.

A Gestão acadêmica envolve as atividades de direção e coordenação do curso, numa interação com os professores, e deve ser democrática e transparente. Menciona-se, ainda, no relatório final do GT MEC-OAB, que a gestão democrática "deve permitir a construção de novas práticas participativas de administração, assentadas em cima de uma lógica de respeito e tolerância e, sobretudo, incentivadora de ações cidadãs e da formação do conhecimento" [44]; e que uma gestão transparente deve possuir [45]:

...mecanismos de accountability, os quais são absolutamente necessários para a produção de uma dialética administrativa que, combinando os múltiplos esforços da comunidade, torne possível a conjugação dos vetores de crítica, transformação e conservação.

Assim, em moldes semelhantes aos de direção oriundos dos princípios básicos da administração de empresas, a gestão acadêmica satisfatória prega uma boa convivência entre a direção do curso e seus corpos discente e docente, permitindo uma adequada interação entre eles.

4.3.4.Instalações gerais

É indispensável que se ofereça, para o pleno funcionamento de um curso de Direito, uma infra-estrutura satisfatória, englobando, além do espaço destinado às salas de aula, o departamento dos docentes, a biblioteca e espaço condizente com as necessidades especiais inerentes à prática jurídica.

Nas salas de aula, devem-se valorizar, sobretudo, as condições físicas no que tange à ventilação, iluminação, acústica e mobiliários, cuja adaptação deve ser coerente com a dimensão do corpo discente. Em se tratando do espaço docente, há a necessidade de tornar o espaço adequado e agasalhador fazendo com que o professor se instale na instituição, transformando-a num campo de desenvolvimento acadêmico diário.

A biblioteca, segundo a legislação vigente (Portaria MEC n. 1.886, de 1994 [46]), deve ter no mínimo dez mil volumes para cada grupo de um mil alunos, devendo ser comprovada a compra de pelo menos trinta por cento do acervo no processo de autorização do curso. Não obstante, o Grupo de Trabalho entendeu não ser o caso de delimitar quantitativamente o acervo ou mesmo o espaço concernente à biblioteca. Fez, contudo, recomendações, indicando formas de planejamento e instalação. Nesse sentido, propôs o GT MEC-OAB que se disponibilizasse ao discente e ao docente uma bibliografia adequada e condizente com a proposta do projeto pedagógico, tanto qualitativamente quanto quantitativamente. Atualização do acervo é outro quesito essencial, discutido pelo grupo e estampado no relatório. Nessa linha, ainda se fez referência à necessidade de haver não somente obras como manuais e comentários legislativos, mas obras clássicas e monográficas, a fim de disponibilizar aos usuários uma diversificada variedade de conteúdo.

Especificamente ao curso de Direito, é essencial o espaço destinado à prática jurídica. Seria infundado, contudo, disponibilizar simplesmente um local, sem se ater às necessidades especiais para tanto. Por isso, deve-se ter um local com salas devidamente preparadas para a prática simulada ou real, com todo o aparato necessário, tanto em relação a móveis quanto material de informática e de expediente.

4.3.5.Resultados das avaliações oficiais

Entende-se por avaliações oficiais aquelas que o Ministério da Educação realiza para aferir se o curso tem conseguido transferir ao alunado um ensino satisfatório, denotando qualidade e viabilidade do curso. São elas: o Exame Nacional de Desempenho [47], antigo Exame Nacional de Cursos [48] ou, como comumente é chamado, Provão, e a Avaliação das Condições de Ensino, efetivado por meio do Relatório de Verificação in loco [49].

O Exame Nacional de Desempenho é realizado pelos alunos, ao final do primeiro e do último ano do curso superior, de forma a analisar, por meio da aplicação de uma prova, o desempenho dos discentes e, consequentemente, a qualidade do ensino proporcionado.

A Avaliação das Condições de Ensino é realizada por ocasião da autorização de um curso superior, quando, em regra, dois avaliadores designados pelo Ministério da Educação realizam visita à instituição a fim de preencher o Relatório de Verificação in loco, que é um formulário onde constam diversos quesitos cuja aferição é necessária para subsidiar manifestações por parte de entidades externas e setores do próprio MEC, subseqüentes no processo.

Faz-se referência, ainda, no documento final do Grupo de Trabalho, a dois instrumentos de avaliação, o Exame de Ordem e o OAB Recomenda, contudo, não são considerados oficiais, embora tenham reconhecida importância e influência.

O Exame de Ordem, previsto no artigo 58 inciso VI da Lei nº 8.906, de 1994 [50], e regulamentado pelo Provimento nº 109, de 2005 [51], é realizado três vezes por ano, objetivando a aferição de qualidade para que o bacharel em Direito possa pertencer aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando-se apto, portanto, a exercer a advocacia.

O OAB Recomenda é um programa realizado trienalmente, englobando, até o momento, três edições. Trata-se de uma avaliação com critérios previamente definidos, para que a OAB conceda às melhores instituições um selo de qualidade. Cabe ressaltar que não houve uma continuidade de critérios na elaboração dos trabalhos, e, como um dos pilares de avaliação – o Provão – foi extinto, é implícito que a não continuidade perdurará quando da definição de critérios para a próxima edição. Nas três versões foram utilizados dados do Exame de Ordem e do Exame Nacional de Cursos, apresentando os cursos de Direito que melhor desempenharam seu papel num período de cinco anos no primeiro OAB Recomenda e quatro nas demais versões.

4.4.Procedimentos

No que se refere aos caminhos burocráticos para autorização de novos cursos de Direito, é proposta uma alteração do sistema hoje implantado, e uma adição, a título de alternativa ao procedimento ordinário já existente, caracterizando-se como uma espécie de procedimento sumário.

Hoje, para a abertura de um curso de Direito, em resumo, temos os seguintes procedimentos: 1. protocolo do pedido de autorização no Sistema SAPIEnS, com o devido encaminhamento de material ao MEC; 2. visita da Comissão de Verificação designada pelo Ministério da Educação; 3. manifestação da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; 4. análise de mérito pela Secretaria de Educação Superior – SESu/MEC; 5. publicação de portaria de autorização pela própria SESu; 6. eventual recurso é analisado pelo Conselho Nacional de Educação.

Por ser bastante recente a edição do Decreto n. 5.773, de 2006 [52], é importante citar o antigo procedimento para conclusão do processo: 1. protocolo do pedido de autorização no Sistema SAPIEnS, com o devido encaminhamento de material ao MEC (idem); 2. visita da Comissão de Verificação designada pelo Ministério da Educação (idem); 3. manifestação da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (idem); 4. análise de mérito pela Secretaria de Educação Superior – SESu/MEC (idem); 5. deliberação da Câmara de Educação Superior do CNE; 6. apreciação pelo Ministro com vistas à homologação.

A alteração de procedimento realizada pelo decreto ponte não deixou ultrapassada a indicação do Grupo de Trabalho MEC – OAB, pois alterar-se-ia o referido processo, caso implementadas as propostas, conforme o seguinte: 1. Protocolo do pedido de autorização no SAPIEnS; 2. Visita da Comissão de Verificação designada pelo MEC; 3. Manifestação da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB; 4. Manifestação do Comitê Assessor de Grande Área (que inclua a sub-área do Direito) da Secretaria de Educação Superior; 5. Deliberação do Comitê Técnico de Coordenação; 6. Apreciação de eventual recurso pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 7. Apreciação pelo Ministro da Educação com vistas à homologação.

A alternativa ao procedimento supramencionado seria a autorização por edital, conforme indicou o GT MEC-OAB [53]:

... procedimento sumário, fruto de uma política induzida, para implementação em áreas geográficas (e até mesmo) cursos previamente identificados, mediante a publicação de editais de chamada, com critérios diferenciados.

Essa forma de criação de curso deveria ter forma análoga à licitação, de maneira que o Ministério da Educação apontaria as regiões que necessitam da composição de um curso de Direito, publicando em edital. Assim, abrir-se-ia concorrência para a instalação do curso e o oferecimento de vagas, mediante benefícios concedidos pelo MEC, dentre os quais uma tramitação mais célere do processo.

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Sobre o autor
Walter José de Souza Neto

Advogado. Pós-graduado em Direito Público. Assessor de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETO, Walter José. A necessidade de se repensar a reforma do ensino jurídico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2308, 26 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13751. Acesso em: 23 dez. 2024.

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