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A necessidade de se repensar a reforma do ensino jurídico no Brasil

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26/10/2009 às 00:00
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5. PERSPECTIVAS PARA O ENSINO JURÍDICO NUM FUTURO PRÓXIMO

As perspectivas para o ensino superior devem ser debatidas com cautela. Como anteriormente citado, as universidades, historicamente fortes, entraram em colapso institucional em decorrência das mutações sociais no decorrer dos séculos, ou seja, num leniente processo. Hodiernamente, a sociedade, vinculada a fatores capitalistas, não suporta mais a abrangência da formação e da atuação universitária medieval, ocorrendo o desgaste do sentido da educação. Com isso, remetendo-se à "parametrização da crise", feita no primeiro capítulo deste trabalho, restam duas direções para os cursos de Direito: o caminho da mercantilização e o caminho da evolução no sentido de um ensino de excelência.

A primeira direção é a trilhada pela grande maioria dos cursos, em virtude de uma matemática simples de custo e lucro. O que se tenta fazer com o Direito é reduzi-lo a uma matéria técnica, o que é impossível, a não ser que se limite a atuação e o conhecimento da matéria. E o pior disso tudo é que a sociedade em geral permite e apóia essa mutilação. Tudo isso decorre do desprestígio por que passam as profissões tradicionais, especialmente no Direito. O Direito segue, gradativamente, mais desmoralizado, o que ocorre em razão de graves e freqüentes denúncias contra carreiras específicas de seus bacharéis, como magistrados e advogados envolvidos com o crime organizado. É a crise ética entranhada nas estruturas da sociedade e muito facilmente desenvolvida por profissionais que utilizam o conhecimento para a iniqüidade.

A título ilustrativo, no sentido de comprovar o excessivo aumento de profissionais desonrados, cita-se matéria veiculada pela Assessoria de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogado do Brasil [54]:

A Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) julgou no triênio 2004/2006, gestão do presidente nacional da OAB, Roberto Busato, um total de 1.461 processos envolvendo faltas éticas e disciplinares cometidas por advogados em todo o Brasil. O número é quase o dobro do total de processos apreciados na gestão anterior (2001-2003), quando 843 processos disciplinares foram julgados. Dos 1.461 processos julgados, houve 1.227 condenações no triênio.

Entre os 1.461 processos julgados em âmbito nacional, 1.037 – o equivalente a 71% do total – estavam relacionados a violações aos incisos XX e XXI do artigo 34 da lei federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB). São casos de advogados que teriam se locupletado à custa de clientes ou se recusado a prestar contas às partes sobre quantias recebidas em demandas judiciais. Dos processos examinados pela OAB Nacional por essa razão, 85% dos advogados (881) foram condenados.

A segunda principal razão de processos disciplinares apreciados pela OAB nacional nesses três anos – um total de 131 processos – foram violações ao inciso XXIII do artigo 34 da Lei nº 8.906/94. Esse dispositivo versa sobre o não pagamento de contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de terem sido notificados a fazê-lo. Oitenta e sete por cento dos profissionais (ou um total de 114) que foram alvo de processo por esse motivo foram condenados.

A terceira maior razão das demandas que chegaram a ser analisadas pela OAB nacional nesta gestão foram violações ao inciso XXV do artigo 34 do Estatuto, referente a condutas incompatíveis com a advocacia. Cento e dezessete do total de 1.461 processos examinados pela Segunda Câmara no triênio estiveram relacionados com conduta irregular e entre os advogados processados por este motivo, 83% (ou 97 em números absolutos) foram condenados.

Como visto, há um claro aumento no número de reclamações quanto a advogados, o que demonstra que estamos vivendo em momento de crise ética e crise educacional, pois a ética, embora decorrente da moral e desenvolvida com o crescimento e amadurecimento do ser humano, é importantíssima para que estes valores sejam identificados e adequados à realidade do exercício profissional. Quando se fala em crise educacional, devemos nos remeter novamente à generalização dos cursos de má qualidade, que formam profissionais despreparados, permitindo que tenhamos maus profissionais praticando ofícios do Direito.

Num outro viés, é sabido que um grupo seleto, com princípios fundados no real sentido da educação, insiste em se reciclar para poder acompanhar as exigências da modernidade. Embora seja um conjunto bastante modesto no quesito quantidade, há que se ressaltar a importância de sua existência, e identificar essa "luz no fim do túnel" com a proposta de Boaventura Sousa Santos, segundo o qual, deve-se "enfrentar o novo com o novo" [55]:

As transformações da última década foram muito profundas e, apesar de terem sido dominadas pela mercadorização da educação superior, não se reduziram a isso. Envolveram transformações nos processos de conhecimento e na contextualização social do conhecimento. Em face disso, não se pode enfrentar o novo contrapondo-lhe o que existiu antes. Em primeiro lugar, porque as mudanças são irreversíveis. Em segundo lugar, porque o que existiu antes não foi uma idade de ouro ou, se o foi, foi-o para a universidade sem o ter sido para o resto da sociedade, e, no seio da própria universidade, foi-o para alguns e não para outros.

A resistência tem de envolver a promoção de alternativas de pesquisa, de formação, de extensão e de organização que apontem para a democratização do bem público universitário, ou seja, para o contributo específico da universidade na definição e solução colectivas dos problemas sociais, nacionais e globais.

Dessa forma, é preciso repensar o ensino jurídico, evocando as antigas bases da educação, mas sem impô-las, adequando o saber jurídico tradicional às perspectivas da nova sociedade. É necessária e urgente uma reforma ampla, mas que não vise simplesmente procedimentos burocráticos, como ultimamente se tem feito.

Sem uma abrangente e contínua discussão sobre o assunto, certamente tornar-se-á estável o grave estágio em que se encontra a situação geral do ensino do Direito. Segundo Inês da Fonseca Pôrto [56], o produto do "diálogo permanente são os instrumentos da reforma – ou os parâmetros de qualidade –, cuja pretensão é encontrar, nas contradições da realidade do ensino jurídico, as condições para a superação da crise". E é nesse sentido que se destaca a importância do Grupo de Trabalho MEC-OAB, pois foi, notadamente, uma expressão de diálogo entre instituições de singular importância para o aperfeiçoamento do ensino. O Relatório Final do GT é um instrumento rico em informações e posicionamentos que podem contribuir com o meio acadêmico no sentido de gerar uma dialética em prol do ensino jurídico.

Embora seja quase impossível reverter a situação para a qual caminhou a educação no Brasil, não se pode descansar na busca da qualidade e menos ainda ignorar aqueles que primam por essa educação, até porque nem mesmo as instituições medíocres ignoram o fato de estarem fora do seleto grupo de melhores instituições de ensino do Brasil. Exemplo claro disto é a repercussão que causa programas como o OAB Recomenda, os seminários desenvolvidos pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB, os seminários promovidos pela Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi –, dentre outros.

A propósito das citações de programas e eventos acima, cabe tecer algumas considerações com vistas a salientar a boa contribuição que tais eventos disponibilizam. Os seminários de ensino jurídico patrocinados pela OAB Nacional reúnem, normalmente a cada dois anos, dirigentes de faculdades de Direito de todo país, cabendo destaque ao painel "experiências exemplares", onde as próprias instituições inscritas trazem suas experiências para diálogo com os demais participantes, com vistas a proporcionar que se agregue valor, por novas idéias, aos cursos em funcionamento e, eventualmente, àqueles que ainda encontram-se esboçados na cabeça dos docentes. O OAB Recomenda é bastante questionado porque não permite diálogo com as instituições, porém, é um importante identificador de faculdades que lecionam cursos com excelência. O programa identifica os cursos de Direito com melhor desempenho no país, observando-se, sobretudo, o "exame de ordem" e a avaliação de desempenho do MEC (antigo ENC ou Provão e atual ENADE). O destaque da OAB a estes cursos é ansiosamente esperado a cada três anos, pois, além do mérito no meio acadêmico e perante a sociedade, há, por certo, retornos financeiros. A ABEDi também promove seus seminários, reunindo seus associados para proporcionar uma dialética sobre assuntos pré-determinados, com vistas a aperfeiçoar o ensino entre os interessados. Como visto, há diversos meios para comunicação entre os cursos de Direito de todo o país, estando ao alcance de quem realmente queira desenvolver e praticar uma educação jurídica de qualidade.

Por fim, embora haja, à disposição do meio acadêmico, diversos meios para aperfeiçoamento de cursos, pode-se verificar que é complicado, pelo panorama atual, acreditar em boas perspectivas, porém, mesmo que tenhamos poucas instituições interessadas em formar bacharéis virtuosos, são justamente estes que poderão, com efetividade, contribuir para uma sociedade mais digna e justa. Do contrário, estimular-se-á a "bacharelice", de forma a perpetuar a frase de Paulo Roberto de Gouvêa Medina [57]: "Os cursos jurídicos no Brasil floresceram sob a égide do bacharelismo. E proliferam, hoje, sob o signo da bacharelice".


CONCLUSÃO

Com vistas a poder contribuir para uma cultura de reforma permanente do da educação, o presente trabalho procurou expor a sua evolução, voltando-se, contudo, para o ensino jurídico. Pretendeu-se demonstrar, no decorrer deste estudo, que, num contexto geral, ou seja, numa visão panorâmica, a educação e, por conseqüência, o ensino jurídico, estão em crise. Há que se ressaltar, porém, que esta crise é verificada apenas num âmbito macro, pois, analisando-se minuciosamente cada uma das instituições, considerando seu progresso acadêmico no decorrer dos anos e, ainda, os frutos desse processo, deve-se admitir que houve significativa melhora. O motivo da crise é, então, o fato de que esse bom desenvolvimento se dá em um grupo muito distinto e em quantidade relativamente singela.

Na visão macro, conforme denominação acima, pode-se dizer que o ensino jurídico enfrenta uma série de problemas que tomaram proporção em decorrência não só de sua história conturbada e sem critérios concisos, mas também de uma decadência geral da educação. Embora houvesse muito trabalho e estudo por parte dos pensadores do ensino, no decorrer dos anos não foram verificadas ações governamentais efetivas em prol da sua qualidade, o que fez com que a educação mergulhasse no descaso mercantilista. Especificamente quanto ao Direito, as últimas medidas realizadas no sentido de se barrar o expansionismo desenfreado de cursos de qualidade duvidosa foram verificadas por ocasião da gestão do Ministro Tarso Genro, que atendendo a reiterados pedidos da OAB para que o MEC preocupasse mais com o ensino jurídico (em tese, em razão dos desastrosos resultados dos exames de ordem e das manifestações da Comissão de Ensino Jurídico), agiu de forma a controlar de perto a abertura de novos cursos.

Embora a atitude do Ministro Tarso Genro tenha sido louvável e corajosa, por ir contra os reais interesses financeiros e políticos do governo, refrear a abertura de novos cursos de Direito não resolve o problema do ensino jurídico. Sofrear a autorização de novos cursos não passa de uma medida de contenção. Esta medida é, na realidade, anódina, pois em nada se contribuiu com a melhora da qualidade. Em momento algum, aliás, falou-se em detalhes sobre qualidade a não ser no Grupo de Trabalho, que elaborou o relatório do qual tratamos em capítulo específico, onde os apontamentos foram discorridos e discutidos, fazendo-se uma análise voltada para a interpretação das colocações do grupo. É importante lembrar, contudo, que os pensamentos constantes do Relatório Final não foram efetivados. Assim, uma das poucas medidas que poderia gerar uma discussão com o meio acadêmico em prol de uma melhora efetiva da educação jurídica foi esquecida no tempo. É ignóbil acreditar que a simples proibição de abertura de novos cursos contribua para a melhora do contexto geral. Na realidade, é preciso repensar a reforma, discutir a qualidade dos cursos existentes e criar caminhos para a melhora de cada um desses, criando, inclusive, a possibilidade de que novos cursos sejam autorizados já com a idéia de qualidade e excelência.

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Embora se reconheça que algumas propostas tratadas no relatório final do GT MEC-OAB foram absorvidas pelo Ministério da Educação em suas novas normas, como a incorporação do critério da necessidade social [58] e a readequação dos procedimentos para abertura de cursos [59], nada mais de substancial foi feito. Aliás, o que ocorre é um sistema de trocas, pois, em contrapartida às duas medidas benéficas, tem-se a insistência, por exemplo: em permitir que as instituições de ensino superior reduzam o tempo de conclusão do curso de Direito; na não obrigatoriedade da monografia, mas simplesmente na entrega de trabalho de conclusão de curso, sem apresentação em banca; e na não obrigatoriedade da aplicação da disciplina "Introdução ao Estudo do Direito", de indiscutível importância na iniciação acadêmica do curso.

O diagnóstico do problema que se tornou o ensino jurídico no Brasil é sabido por todos (sociedade civil, instituições e governo). Ressalta-se, por isso, que a inércia em que permeia a maioria dos responsáveis pela educação é criminosa. Não se pode continuar com venda nos olhos enquanto a situação de descaso e desqualificação impera nos corredores das faculdades. É preciso haver uma urgente reforma do ensino superior, especialmente quanto ao Direito, com vistas não a refrear a abertura de cursos, mas a exigir qualidade e ética. Para tanto, salienta-se a necessidade de que se discuta, permanentemente, sobre os futuros da educação jurídica, num contexto em que se alteraria, também, todo o sistema educacional, com vistas a viabilizar que o bacharel em Direito retorne auspiciosamente à sociedade os conhecimentos adquiridos nos anos em que freqüentou o curso.

E esta reforma somente se faz com dialética produzida por meio de discussões entre representantes do meio acadêmico, associações voltadas para o tema, instituições e governo, sendo que este último deve vir imbuído de vontade política. É preciso mudar para melhor, demonstrando que um ensino de excelência deve ser orgulho da instituição. Claro que o retorno financeiro é importantíssimo para os empresários do setor e a idéia de que cursos em massa representam menos saída de capital e mais lucro ainda é muito presente. Ocorre, porém, que a atualidade demonstra que talvez essa não seja a melhor saída, pois se vê que as instituições que formam em massa estão com sérias dificuldades em completar novas turmas, tendo que apelar para "vantagens" como a abolição da obrigatoriedade da monografia de final de curso, facilidades para averiguação de presença nas aulas, vestibulares alternativos e até mesmo para seleções camufladas, onde o número de candidatos é muito inferior à quantidade de vagas, de forma que todos que pretendem ingressar nessas faculdades têm certeza de sua aceitação.

Ao mesmo tempo, instituições renomadas, públicas ou não, demonstram que os altos investimentos dispensados com a melhoria da educação são revertidos na credibilidade dos alunos e da sociedade, o que se pode comprovar por meio de fatos como a manutenção dos vestibulares (que, aliás, são concorridos), a manutenção de elementos didáticos importantes como a monografia final de curso com defesa perante banca (o que, em tese, afugentaria ingressantes) e até mesmo com resultados satisfatórios no exame de ordem e na avaliação oficial do Ministério da Educação, antigo Exame Nacional de Cursos – ENC –, ou Provão, e, hoje, Exame Nacional de Desempenho – ENADE. Além desses elementos, vê-se que estas instituições são costumeiramente premiadas pela excelência de ensino e, em razão da qualidade ser uma essência entranhada nos fundamentos desses cursos, tais destaques são repetitivos. Exemplo disso é o OAB Recomenda, que analisa resultados do Provão e do exame de ordem para indicar as instituições que lecionam um curso de Direito merecedor de realce, pela sua excelência no ensino. Na sua última edição (terceira), oitenta e sete cursos foram recomendados, cabendo ressaltar que, dos sessenta recomendados na segunda edição, cinqüenta e dois foram novamente gratificados. Frisa-se, ainda, que dos cinqüenta e dois cursos premiados na primeira edição, em 2001, quarenta e sete permaneceram na segunda edição e quarenta e cinco participam ainda pela terceira vez.

Nesse contexto, recorre-se novamente aos apontamentos de Paulo Roberto de Gouvêa Medina [60]:

Quando se observa que cerca de 60.000 novos bacharéis saem, anualmente, das nossas Faculdades de Direito e se verifica que o índice de aprovação deles nos Exames de Ordem e concursos públicos é, proporcionalmente, cada vez menor, há razões para se preocupar com o nível do ensino ministrado.

A queda da qualidade do ensino é, porém, apenas o efeito imediato desse fenômeno. Impende considerar que as conseqüências da criação indiscriminada de cursos jurídicos atingem também os interesses da cidadania, são suscetíveis de comprometer a formação ética dos novos bacharéis e repercutem, em última análise, na atuação jurídica do Estado e na vida das instituições.

Os cursos de direito têm por finalidade formar novos profissionais, aptos a exercer a advocacia e a ingressar nas várias carreiras jurídicas. Mas, não é esse o seu único objetivo, porquanto as Faculdades de Direito, historicamente, têm tido por missão formar cidadão atuante, capazes de servir à comunidade em que vivem, assumindo a defesa das suas grandes causas, emprestando apoio e orientação aos seus concidadãos, mostrando-se aptos a despontar, eventualmente, como seus representantes nas Casas legislativas e nos altos cargos da administração pública.

Ao mesmo tempo, caracterizando a amplitude esperada para o ensino, é importante citar Inês da Fonseca Pôrto [61]:

A distância entre o mundo do aluno (cada vez mais restrito) e o mundo do direito (cada vez mais distante) é eliminada (ou subestimada). Uma das possibilidades deste distanciamento deve estar no fato de que os saberes dos contextos excluídos fazem parte da realidade quotidiana, são saberes do senso comum. O conhecimento jurídico é construído contra essas evidências e, portanto, contra uma realidade compartilhada por todos.

Para Freire, o ensino exige apreensão da realidade circundante de forma a reconstruí-la e recriá-la a partir de novas referências. Diferentemente de Freire, para quem o ensino deve sempre buscar conhecer diferentes dimensões da prática, o ensino jurídico optou por reduzir essas dimensões plurais à univocidade do contexto da cidadania.

A univocidade do saber jurídico – que visa não a reflexão sobre as informações, mas o seu acúmulo – acaba alienando o processo de ensino/aprendizagem, ao invés de enriquecê-lo.

Como visto, o Direito caminha contrariamente às suas origens, mesmo que ao encontro das primordiais necessidades sociais. Em decorrência desse fenômeno, segue o Direito à autoflagelação, uma vez que, ao primar pelo conhecimento técnico e absorção de conteúdo em detrimento da discussão propedêutica e filosófica, acaba por ignorar a ética e os fundamentos basilares que levaram o direito a se compor da importância que tem perante a sociedade. Assim, embora num primeiro momento possa parecer que o estudo do Direito hodierno trabalhe em prol da sociedade, vê-se que o contexto é falacioso, insurgindo-se quando da verificação da ética e dos princípios gerais do Direito. Por isso, cabe ao Estado, à sociedade e à OAB lutar para que haja o retorno da ética e da qualidade dos profissionais, o que se dá com a melhoria das condições para a educação jurídica, que, por sua vez, ocorrerá quando houver imposição estatal em favor da excelência.

A reforma do curso de Direito deve ser permanente. Não se pode parar de discutir e repensar as formas de atuação do curso, agregando seus valores primordiais e levando em consideração o contexto social. O Grupo de Trabalho MEC – OAB foi uma experiência válida e bastante frutífera, porém é preciso que essas iniciativas sejam valorizadas, com suas sugestões consideradas, senão como diretrizes, como elementos que venham a compor um plano de desenvolvimento capaz de, efetivamente, contribuir com a melhoria da qualidade do ensino. Ressalta-se ser uma atitude criminosa a ação de determinados agentes estatais que simplesmente ignoram a existência de ricos trabalhos sobre a educação, por ser mais prático e menos desgastante e dispendioso do que possibilitar uma revolução pro societate.

No decorrer dos últimos dez anos, alguns grupos se formaram para discutir a educação jurídica. Estudiosos altamente qualificados para tratar do assunto encontram-se em quantidade satisfatória no país. Por derradeiro, fica a esperança de que haja, então, vontade política e uma nova orientação empresarial, devendo-se remeter, especialmente no que diz respeito à relação "empresários versus didata", ao exposto no capítulo anterior, quando se tratou de perspectivas e se mostrou a que a saúde financeira de uma instituição pode e deve caminhar junto com a boa qualidade do ensino, para que se possam efetivar medidas que servirão a melhorar sobremaneira a educação e, por conseqüência, os profissionais do ramo do Direito.

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Sobre o autor
Walter José de Souza Neto

Advogado. Pós-graduado em Direito Público. Assessor de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETO, Walter José. A necessidade de se repensar a reforma do ensino jurídico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2308, 26 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13751. Acesso em: 18 abr. 2024.

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