Pode-se não gostar da história, mas o ser humano não pode ignorá-la. A história retrata os momentos importantes, desastrosos ou heróicos, da existência do homem. É a medida exata do que acontece e deve ser transcrito e rememorado para sempre.
A advocacia nasce com o ser humano, desde o momento em que este intercede em favor de seu semelhante. O ministério de advogado é muito mais antigo do que o título de advogado, [01] ensina Mr. Boucher d’Argis, citado pelo Conselheiro Montezuma, ao discursar na sessão inaugural do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Gizela Gondin Ramos, em alentada obra, ensina que, na Roma antiga, encontram-se os primeiros registros da presença do advogado, quando as partes podiam, facultativamente, fazer-se representar pelo mandatário chamado procurador ad litem, que defendia seus interesses e integrava a relação processual como parte, assumindo todos os ônus da ação [02] .
Em todas as sociedades, a advocacia exerce significativa influência, visto que a liberdade e a advocacia se acham indissoluvelmente entrelaçadas. Não há liberdade nem democracia, onde o advogado não se possa exprimir e agir livremente e o juiz atuar com total independência, libertos das amarras da coerção, do medo e da perseguição.
O desenvolvimento das relações humanas, o progresso e a globalização, nestas últimas décadas, as grandes e rápidas transformações que ocorrem em segundos, a fascinante conquista – máquina-computador e a internet – exige do advogado uma atuação imediata e constante. O bacharel, por sua vez, tem a grande responsabilidade de, com seu talento, arte e criação, participar ativamente dos grandes movimentos sociais, agindo e atuando ininterruptamente.
A advocacia é uma atividade intimamente ligada à ética e à moral, delas não podendo desgarrar-se, sob pena de transformar-se numa ossatura sem alma ou num recipiente sem conteúdo. É por esse motivo que José Maria Martinez Val assinala que ela é uma atividade essencialmente humanística, já que o advogado, para sê-lo, deve conhecer o homem na sua essência. [03]
Chaim Perelman, ao estudar a ética e o direito, afiança que "o estudo do direito, ao reconhecer para a moral sua pertinência costumeira, impedirá o teórico lançar-se em simplificações exageradas referentes tanto ao conteúdo das regras quanto a sua aplicação a situações concretas" [04].
Goffredo da Silva Telles Junior escreve que a evolução do homem é a evolução de sua consciência e a evolução da consciência é a evolução cultura. Este, conclui, aperfeiçoa-se, à medida que incorpora valores morais ao seu patrimônio espiritual. Sustenta, com primorosa precisão, que os Estados somente progridem e se aperfeiçoam quando satisfazem ansiedades do coração humano, assegurando a fruição de valores espirituais, de que a importância da vida individual depende [05].
O advogado exerce verdadeiro sacerdócio. Necessita ele da mais ampla e irrestrita liberdade e independência, para operar seu ministério. É o guardião das liberdades, em todas as épocas. No mundo moderno, porém, deixou de ser apenas o mandatário do cliente, representando-o, nas causas judiciais, para se transformar no profissional que o assiste em toda parte e em todos os momentos.
O advogado é um dos pilares de sustentação da Justiça, o arauto do Direito e da liberdade, indispensável à administração da justiça. Exerce um múnus público. É inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, declara solenemente a Constituição vigente; todavia deve-se entender essa proclamação, no seu sentido mais elástico.
Esther de Figueiredo Ferraz, ao receber o título de associada emérita do Instituto dos Advogados de São Paulo, rememora uma das passagens mais eloqüentes de sua carreira, como advogada, na gloriosa luta pelo direito, narrando que: "Enquanto houver sobre a face da Terra o gesto incessantemente renovado de um homem que bate à porta de um desconhecido e lhe confia a defesa de sua liberdade, de sua honra, de sua família, de seu patrimônio, bens supremos que constituem a razão de ser de nossa existência, estará sendo feita a apologia da profissão de advogado" e, citando Voltaire, lembra seu pensamento: "É a mais bela profissão do mundo. Eu quisera ter sido advogado" [06].
A advocacia conquistou a majestade constitucional, com postura semelhante a do magistrado e a do membro do Ministério Público e exerce função de caráter institucional.
Infere-se, destarte, que o advogado não pode estar sujeito a qualquer constrição, nem deve esmorecer no momento em que a crise social, moral, ética, política e econômica está a devorar a nação e a minar o próprio Estado. Deve fazer valer as prerrogativas constitucionais, custe o que custar.
Sua natureza é multiforme, ou, como ensina Paulo Lôbo [07], ela é institucional e de polícia administrativa.
Assim, os institutos dos advogados constituem a tribuna livre do advogado e do jurista, o altar do Direito, para a manifestação e defesa intransigente de suas idéias, da sociedade e do ideário democrático. Dali, brotaram e brotam as grandes teses que oxigenam as ciências jurídicas, contribuindo decisivamente para o aperfeiçoamento do estrato social e jurídico e da democracia
O Instituto dos Advogados nasceu nobre, fruto do idealismo de homens que tinham como objetivo supremo o culto ao Direito e às ciências do espírito e acreditaram na força do Direito, no exato momento em que a nacionalidade começava a formar-se e o Estado a ser construído..
A história do Instituto dos Advogados Brasileiros está intimamente ligada à história política pátria e desempenhou papel de relevo na organização do Estado brasileiro e da nacionalidade. Alguns anos após a independência do Brasil, em 1843, um seleto grupo de intelectuais funda o Instituto dos Advogados Brasileiros [08], com a finalidade precípua de organizar a Ordem dos Advogados do Brasil, em proveito geral da ciência da jurisprudência [09], e defender os princípios maiores do Direito.
No 21º aniversário da independência do Brasil, estiveram presentes, no Colégio Pedro II, altas autoridades, dentre ministros de Estado, membros do corpo diplomático, da magistratura e um grupo de advogados, em torno do Conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para celebrar a criação do Instituto dos Advogados Brasileiros, com a finalidade de concretizar um projeto que eles criam ter um papel, de suma importância, na história do Império do Brasil. O Conselheiro Aragão, graças aos esforços e incentivo, à fundação do Instituto, foi eleito, por unanimidade, Presidente Honorário.
Rubens Approbato Machado, com muita sensibilidade, enuncia que "a história do Brasil, em todos os ciclos, a partir da colonização, esteve pontuada pelo esforço, criatividade e inteligência da classe dos advogados" [10].
O prestígio e a importância do Instituto podiam ser medidos pelos inúmeros atos normativos expedidos em seu favor, pela Coroa. Pelo Aviso de 7 de agosto de 1843, mandou o Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, aprovar os Estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros. A Portaria, de 15 de maio de 1844, aprovou o Regimento Interno. O Decreto nº. 393, de 23 de novembro de 1844, concedeu aos membros do Instituto o uso de veste talar e a faculdade de terem assento, no exercício de seu ofício, dentro dos cancelos dos Tribunais. Pela Portaria de 29 de maio de 1849, o Imperador, por intermédio da Secretaria dos Negócios da Justiça, comunicou a aprovação do selo simbólico adotado pelo Instituto.
Eminentes nomes do Direito e da Política gravaram com seu talento e inteligência o firmamento jurídico e político nacional, encimado pelo Dr. Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, o Visconde de Jequitinhonha, um dos fundadores do IAB e seu primeiro presidente.
O artigo 2º dos seus estatutos previa que "o fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados em proveito geral da ciência da jurisprudência". Os primeiros cursos de Direito foram instituídos em 11 de agosto 1827 (São Paulo e Olinda) e fermentaram a idéia de criação de uma associação que congregasse os advogados. Desde o final de 1831, já existiam advogados formados no Brasil, deixando para trás a gloriosa Coimbra.
Havia chegado o momento de organizar-se, no País, um colegiado de homens livres e cultos, que vissem na Liberdade e no Direito o maior trunfo, nos moldes europeus, tomando como exemplo a Associação dos Advogados de Lisboa. Esta entidade tinha também como objetivo primacial a organização definitiva da Ordem dos Advogados [11], em Portugal. Um grupo de advogados reuniu-se, no Rio de Janeiro, especialmente, para nomear uma comissão com a incumbência de estudar os estatutos da associação lusa, de 23 de março de 1838, e adaptá-los ao Brasil.
Durante o Império, portava-se como um órgão de Governo e era consultado pelo Imperador e seus auxiliares diretos sobre questões relevantes e sobre projetos de leis, que viriam substituir a legislação lusitana. Os tribunais valiam-se do Sodalício para, com seus pareceres, embasarem as mais importantes decisões.
No período republicano, não menor era sua influência, de sorte que a primeira Constituição da recém instaurada República contou com o apoio, a larga experiência e o trabalho decisivo de seus pares – a elite intelectual – e, desde então, colabora com todos os Poderes, especialmente o Legislativo, na elaboração de pareceres e estudos sobre projetos de lei, os mais diversos, e também tem atuação primorosa no âmbito da educação e do ensino jurídico [12]. Constituiu o primeiro passo para disciplinar a representatividade das pessoas perante a Justiça.
A segunda instituição do gênero, mais antiga, é o Instituto dos Advogados de São Paulo, criado na Capital da então Província de São Paulo, aos 29 de novembro de l874, por destacados advogados e juristas de São Paulo, liderados pelo Barão de Ramalho, lente da Faculdade do Largo de São Francisco, como órgão de consultoria, estudos, cursos e, sobretudo de aperfeiçoamento jurídico.
Joaquim Ignacio Ramalho, o Barão de Ramalho, Américo Brasiliense de Almeida e Mello, Francisco Leandro de Toledo, João Mendes de Almeida, João Pereira Monteiro, Joaquim Augusto de Camargo, Joaquim José Vieira de Carvalho, Luís de Oliveira Lins de Vasconcelos, Antônio Teixeira da Silva, João Alves de Siqueira Bueno, e tantos outros, contribuíram decisivamente para a formação e o sucesso dessa nova instituição, que, da mesma forma que o IAB, acompanhou e acompanha, pari passu, o desenvolvimento jurídico e político de São Paulo e do país. A Casa do Barão de Ramalho contava com 40 sócios fundadores. Seus estatutos foram aprovados pela Carta do Presidente da então Província de São Paulo, João Theodoro Xavier de Matos, em 14 de abril de 1875 [13].
Os Institutos dos Advogados se alargaram, por todo o País, constituindo, sem dúvida, uma fonte de estudos e uma congregação de estudiosos, de alto nível, dedicados à cultura.
A instituição da Ordem só vem a ocorrer com a edição do Decreto nº. 19.408, de 18 de novembro de 1930, pelo Presidente Getúlio Vargas (artigo 17). O Decreto nº. 20. 784, de 14 de dezembro de 1931, aprova o Regulamento, passando a vigorar em 31 de março de 1933, por força do Decreto nº. 22.266, de 28 de dezembro de 1.932, seguindo o modelo francês do Barreau de Paris. A consolidação do Regulamento ocorreu com a edição do Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, vigorando, com inúmeras alterações, até a promulgação da Lei nº. 4.215, de 1.963. Este diploma previa, no artigo 47, a inscrição dos provisionados. Aos alunos do quarto ano, autorizava a lei a concessão da carta de solicitador [14]. Em 1934, foi aprovado o primeiro Código de Ética da profissão.
O rábula, sem possuir o curso de Direito, obtinha autorização para postular em juízo, na primeira instância. O Brasil teve rábulas famosos, como Evaristo de Moraes, Cosme de Faria e Luis Gama. Mencione-se também o solicitador, previsto no primeiro estatuto (Regulamento da Ordem – Decreto nº. 22478, de 1933, e leis subseqüentes). A Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949, permitia a inscrição de provisionados e solicitadores no quadro da OAB.
A Ordem dos Advogados é o respiradouro da sociedade. Constitui uma das colunas mestras de sustentação da Democracia e tem por missão sagrada zelar pela Constituição, pela lei e pela justiça; defender as instituições e, concomitantemente, as prerrogativas do advogado, precipuamente no que diz respeito às condições do exercício da profissão e ao ensino jurídico, por se refletirem diretamente na liberdade e na vida das pessoas. A liberdade não se compra, conquista-se. Com suor e lágrimas, se preciso for. A vida sem liberdade é vazia, sem dignidade.
A Carta Maior e a Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994 deixam bem claro que a Ordem dos Advogados guarda, entre suas finalidades, a de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aprimoramento da cultura e das instituições jurídicas. Cabe-lhe também, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados [15].
Notas
- Sobre a história do sesquicentenário do IAB, consulte-se a edição fac similar da Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, anos I e II – 1862, 1863, número especial publicado pelo IAB, em 1977.
- Cf. Estatuto da Advocacia, 5ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009, p.2.
- Cf. El Abogado – Alma e Figura de la Toga, Madrid, 1955.
- Cf. Chaim Perelman, Ética e Direito, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pp. 305/6.
- Cf. Carta aos Brasileiros, in O Estado de Direito Já – Os trinta anos da Carta aos Brasileiros, Lettera.doc, São Paulo, editado por Cássio Schubsky, 2007, p.31.
- Cf. Discurso publicado na Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 5, nº 9, de janeiro-junho de 2002.
- Cf. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, Editora Saraiva, 4ª edição, 2007, 2ª tiragem, pp. 8, 247 a 251, 255 a 276.
- Manoel Álvaro de Souza Sá Vianna faz menção a Instituto da Ordem dos Advogados (Cf. edição fac similar da Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros cit., remissão 12).
- Cf. Aviso de 7 de agosto de 1843, Portarias de 15 de maio e 29 de maio de 1844, in edição fac similar da Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros cit.
- In Prefácio ao Estatuto da Advocacia – Comentários e Jurisprudência Selecionada, de Gisela Gondin Ramos cit.
- Cf. Estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros, in edição fac similar da Revista do IAB cit., p. 20.
- Fontes: Edição fac similar da Revista do IAB cit., o site do IAB, artigo do Dra. Eneá de Stutz e Almeida, membro efetivo do IAB e autora da obra "Ecos da Casa de Montezuma: o Instituto dos Advogados Brasileiros e o Pensamento Jurídico Nacional": http://www.iabnacional.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=2&var_recherche=penas (Consulta, em 17.7.2009). Consulte-se, a respeito, o discurso do orador oficial do IAB, durante a comemoração do 157º aniversário, Júlio César do Prado Leite, n° 85, 2º semestre de 1996.
- Fonte: http://www.iasp.org.br/historico.asp, Cf. anotações do Conselheiro José Galante Rodrigues (Consulta, em 17.7.2009).
- Consulte-se, de José Naufel, Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, volume III, 1959, 2ªedição, José Konfino - Editor, Rio de Janeiro.
- Cf., de nossa autoria, "Exame de Ordem, a quem interessa sua extinção", publicado na RPDC-Revista Portuguesa de Direito do Consumo, Associação Portuguesa de Direito do Consumo, dezembro de 2007, nº 52 Revista Jurídica Consulex 260, de 15 de novembro de 2007, na Revista de Processo - REPRO, Editora Revista dos Tribunais, 159, maio de 2008, e em diversos repositórios e sites da Internet e do IAB.