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Digressões sobre os direitos disponíveis, os crimes patrimoniais e a ação penal de iniciativa pública

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30/10/2009 às 00:00
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Conclusão

A constatação da lesividade da conduta, a conveniência e a oportunidade decorrentes dos efeitos moral, social e psicológico do evento, são situações que demonstram a necessidade urgente de revisão dos nossos parâmetros normativos para evoluirmos e condicionarmos as ações penais patrimoniais nos crimes que não foram cometidos com violência ou grave ameaça. Do mesmo modo, um realinhamento mais consentâneo na imposição penal, resgatando a proporcionalidade no tratamento dos delitos desta natureza.

A opção por um modelo que prestigie mais a vontade do ofendido, mesclando-o com as providências públicas, no condicionamento da iniciativa da ação penal, favorece, inclusive, um meio termo entre a ação penal incondicionada e a enorme discricionariedade (e seus reflexos no cotidiano não muitas vezes transparente) ocorrente na ação penal de iniciativa privada. Transferir ao particular, aleatoriamente, o ônus da iniciativa e a administração de uma ação penal nos crime patrimoniais, favorece, em grande parte das vezes, ao autor da conduta delituosa, em face do não interesse do lesionado em ter que suportar as conseqüências de se propor e manter também uma ação penal.

Insistir na propositura de ações penais incondicionadas para delitos patrimoniais, salvo os crimes complexos, fere frontalmente a ordem constitucional hoje estabelecida, não sendo necessária a edição de norma específica para regular a espécie. Vivemos dias diferentes da década de 30, por mais que se torne evidente com o passar dos anos que vivemos em uma sociedade de risco. No entanto, essa sociedade tem relações mais complexas e que precisam ser atualizadas normativamente de forma geral ou abstrata ou, se alternativamente, pela norma do caso concreto gerada por decisão judicial, para evitarmos esse descompasso e essa profusão antiquada de incoerência e desrespeito, sempre em desfavor do cidadão.

Mas, enquanto isso é sempre bom lembrar Eduardo Couture [37], ensinando-nos sobre a interpretação das leis processuais:

O intérprete é um intermediário entre o texto e a realidade.

Interpretar a lei não é interpretar o Direito. O Direito é o todo do objeto a ser interpretado; a lei é, apenas, uma parte.

A interpretação histórica do tempo da sanção deve, então, ser substituída pela interpretação progressiva, isto é, por um método de interpretação que projete, através da história do futuro, o conteúdo da lei.


Notas

  1. Noberto Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis, 1989.
  2. Paulo Nader. Curso de Direito Civil. Volume 1. Parte Geral. 2ª edição. 2004. Editora Forense, p. 295
  3. Apud, Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos do Direito Penal. 4ª edição. Editora Saraiva, p. 16
  4. Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos do Direito Penal. 4ª edição. Editora Saraiva, p. 15
  5. Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pirangeli. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume I. Parte Geral. 7ª edição. 2008. Editora Revista dos Tribunais, p. 399
  6. Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pirangeli. Idem.
  7. Maria Helena Diniz. Dicionário Jurídico. Volume 2. 1998. Editora Saraiva, p. 183
  8. Goffredo Telles Jr. Apud Maria Helena Diniz. Dicionário Jurídico. Volume 2. 1998. Editora Saraiva, p. 183
  9. Washington de Barros Monteiro, apud, Roberto J. Pugliese. Direito das Coisas. Livraria e Editora Universitária de Direito. 2005, p. 265.
  10. Orlando Gomes. Direitos Reais. 9ª edição. 1985. Editora Forense, p. 86.
  11. Orlando Gomes Idem, p. 177
  12. Conferência proferida, em meados de 1984, na Fundação Casa de Rui Barbosa, e publicada postumamente, sem revisão do autor, na Revista Forense n.° 300, out./dez. 1987 e encontrado no sitio eletrônico: http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/heleno_artigos/arquivo40.pdf
  13. Paulo Nader. Curso de Direito Civil. Volume 1. Parte Geral. 2ª edição. 2004. Editora Forense, p. 296
  14. Heleno Cláudio Fragoso. Idem.
  15. Heleno Cláudio Fragoso. Idem.
  16. Heleno Cláudio Fragoso. Idem.
  17. Heleno Cláudio Fragoso. Idem.
  18. Decreto nº 847, de 11/10/1890.
  19. Lei de 16 de dezembro de 1830.
  20. Ley 9155, de 04/12/1933
  21. Ley 11179/84
  22. Dos Delitos e da Pena. Edição eletrônica. Editora Ridendo Castigat Moraes. Sitio eletrônico www.jahr.org.
  23. Pierpaolo Cruz Bottini. Crimes de Perigo Abstrato e Princípio da Precaução na Sociedade de Risco. Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 33.
  24. Pierpaolo Cruz Bottini. Idem, p. 47.
  25. Paulo Rangel. Direito Processual Penal. 16ª edição. 2009. Editora Lumen Juris, p. 212.
  26. Paulo Rangel. Idem.
  27. Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo Penal. 1º volume. 13ª edição. 1992. Editora Saraiva, p. 256.
  28. Júlio Fabbrini Mirabete. Processo Penal. 4ª edição. 1995. Editora Atlas, p. 105/106.
  29. Damásio E. de Jesus. Código Penal Anotado. 19 edição. 2009. Editora Saraiva, p. 583.
  30. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 14ª edição. 2009. Editora Saraiva, p. 755/756
  31. Cezar Roberto Bitencourt. Idem, p. 756
  32. Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 11ª edição. 2009. Editora Lumen Juris, p. 121.
  33. Tourinho Filho. Idem, p. 282/283
  34. Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Jr. Direito Penal na Constituição. 2ª edição. 1991. Editora Revista dos Tribunais, p. 153.
  35. Eugênio Pacelli de Oliveira. Idem, p. 120
  36. Eugênio Pacelli de Oliveira. Idem, p. 122
  37. Interpretação das Leis Processuais. 1993. Editora Forense.
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Sobre o autor
Fernando Antônio Calmon Reis

Defensor Público do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Fernando Antônio Calmon. Digressões sobre os direitos disponíveis, os crimes patrimoniais e a ação penal de iniciativa pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2312, 30 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13767. Acesso em: 28 mar. 2024.

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