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Uma análise crítica da Súmula 404 do STJ.

Aviso de recebimento e negativação em cadastros de consumidores

Leia nesta página:

Recentemente, a segunda seção do STJ, julgando Recurso Repetitivo resolveu sumular o entendimento daquele órgão sobre a desnecessidade de envio de comunicação de negativação de consumidor por intermédio de AR. Tal enunciado de número 404 recebeu o seguinte verbete: "é dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros".

Da simples leitura do artigo 43, parágrafo 2º do CDC, observamos que o legislador não adentrou ao mérito da necessidade ou não de notificações com o Aviso de Recebimento. Porém, analisando de forma principiológica os direitos dos consumidores, os quais são fontes diretas, elencadas no próprio bojo de próprio Código de Defesa do Consumidor, não podemos fechar os olhos e negar a existência de tal necessidade.

Ao ser consultado sobre o tema no REsp 1.083.291 – RS, o Conselho Federal da OAB, manifestou-se de maneira coerente ao criar o diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal. Vejamos:

toda a legislação consumerista, para ser interpretada em conformidade com a Constituição, deve ser interpretada favoravelmente ao consumidor (...) se a comunicação a que alude o §2º do art. 43 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor não for pessoal, mediante AR, e prévia, restarão não atendidas as as suas finalidades essenciais" [01]

Negar tal necessidade é negar a proteção aos direitos difusos defendidos pela nossa Carta Magna e pelo próprio CDC. O ministro do STJ Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, grande defensor dos direitos dos consumidores, faz a seguinte observação sobre o tema:

" não se trata de ‘intimação’. É uma simples carta, telex, telegrama, ou mesmo fax. Sempre com o demonstrativo de recebimento, como cautela para o arquivista. Recomenda-se a boa prática que a comunicação, se por correio, seja com aviso de recebimento. [02]

Devemos lembrar que a intenção do legislador, ao exigir tal notificação, era de criar a possibilidade do consumidor tomar ciência de tal ato, para mesmo pudesse sanar um possível equívoco nestes dados, ou até mesmo quitar o débito. Porém, os bancos de dados tiveram sua função transfigurada e se tornaram hoje um "eficiente" método de coação para cobrança de débitos.

Tratar a notificação ao consumidor como mera formalidade é retroceder nos direitos dos consumidores, é condenar sem direito ao contraditório. Da forma que restou configurada pelo STJ, não se busca dar ciência ao consumidor, mas sim exigir apenas o envio de uma notificação, independentemente de esta chegar às mãos do maior interessado, repassando assim um ônus e o risco do empreendimento comercial dos bancos de dados única e exclusivamente para os consumidores.

O Princípio do Direito a Informação do consumidor foi ofendido claramente neste caso, pois a notificação só será perfeita e atingirá sua função quando o consumidor tiver a sua plena ciência de seu teor. A simples comprovação de envio não traduz essa certeza, não suprindo de maneira satisfatória os ditames resguardados pelo CDC.

Observamos que em muitas cidades estes bancos de dados já não encaminham tais notificações via correios, mas sim por intermédio de motoboys terceirizados, tudo isso no intuito de se diminuir os custos operacionais. Tal prática já chama a atenção dos defensores dos direitos dos consumidores, pela facilidade de manipulação destes dados de envio. Tendo em vista que não existe nenhum órgão para fiscalizar tais procedimentos, não existe nenhuma forma de concreta de se afirmar que na referida data foi entregue ao motoboy, e que posteriormente o mesmo efetuou sua diligência. A possibilidade de criação de listas "comprobatórias de envio" com datas retroativas sem a devida notificação do consumidor gera um caráter de dúvida sobre todo procedimento.

Outro argumento que não merece guarida é o de que o envio por AR acabaria por aumentar os custos e inviabilizar tal procedimento. Tal fato nada mais é do que um ônus do empreendimento empresarial a que os bancos de dados estão sujeitos, cabendo a eles arcar com tais custos operacionais da atividade mercantil que desempenham.

Vale ressaltar ainda que no Congresso Nacional já tramita o projeto de lei 836/2003, o qual regulamentará os bancos de dados positivos e negativos. No texto deste projeto já existe artigo específico sobre o tema, onde é ressaltada a desnecessidade de envio com aviso de recebimento. Assim, entendemos que o STJ se posicionou de maneira política, a fim de evitar posteriores discussões sobre a aplicabilidade ou não do entendimento sumular ou da referida lei a ser aprovada.

Ficamos assim na torcida para a mudança de entendimento do Tribunal da Cidadania, cancelando o mais breve possível o entendimento exarado nesta súmula. Ficamos também na expectativa de veto do referido artigo no supramencionado projeto de lei, que, caso não ocorra, poderá ser tranquilamente matéria para ações diretas de inconstitucionalidade.


Notas

  1. REsp 1.083.291 - RS
  2. CDC comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª edição,Ed. Forense Universitária, São Paulo, ano 2007, p. 470
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Sobre o autor
Nayron Divino Toledo Malheiros

Advogado, Mestrando em Direito Constitucional Econômico pela UNIALFA, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UCAM, Professor de Direito Processual Civil e Consumidor da UNIP e em Cursos Preparatórios, Ex-Diretor Jurídico do Procon Goiânia, Ex-Assessor da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Membro da ABDPRO (Associação Brasileira de Direito Processual).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Uma análise crítica da Súmula 404 do STJ.: Aviso de recebimento e negativação em cadastros de consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2318, 5 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13798. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Título original: "Uma análise crítica da Súmula 404 do STJ".

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