INTRODUÇÃO
As empresas que prestam serviços, com fornecimento de mão-de-obra, há muito se deparam com problemas em relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, e um dos mais pulsantes é a definição de qual seria o preço do serviço passível de tributação para esta atividade.
A grande maioria dos municípios determinam que a tributação deve incidir sobre o total bruto da Nota Fiscal, sem se ater a meandros inerentes a esse tipo de prestação de serviço. Na prática, o valor dos salários, encargos sociais e trabalhistas somente são recebidos pela prestadora para serem repassados para os trabalhadores; portanto, esses valores, apesar de englobar o valor bruto da nota, em momento algum integram o patrimônio da empresa, pois os mesmos são meros reembolsos.
Diante dessa dicotomia entre a atividade municipal arrecadadora, que tributa o valor bruto da Nota Fiscal, e o real preço do serviço prestado pelas empresas com fornecimento de mão-de-obra, é que nasce o presente e sucinto estudo, visando tentar definir qual é o preço do serviço, isto é, a hipótese de incidência deste tributo municipal.
A LEGISLAÇÃO DO ISS
A nossa atual Constituição Federal de 1988 manteve na competência tributária dos Municípios o ISS (art. 156, inciso III); entretanto, a fixação de alíquotas máximas e a definição geral ficou adstrito à Lei Complementar.
A Lei Complementar nº 116, de 31 de Julho de 2003, que dispõe sobre o ISSQN, tratou com certa generalidade tal espécie tributária. Isto porque em alguns momentos poderia ser mais esclarecedora em pontos controversos, e em outros, utilizou terminologia obscura, que leva a conclusões precipitadas, confundindo preço da prestação do serviço com preço do serviço, desvirtuando completamente o antecedente normativo do ISS e permitindo sua incidência com base em valores que não correspondem ao conteúdo econômico do comportamento tributável.
Para que possamos clarear melhor as questões acerca da base de cálculo do ISSQN, faz-se mister, preliminarmente, discorrermos sobre algumas características específicas da atividade de locação de mão-de-obra.
CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE DE LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA ESPECIALIZADA
A referida modalidade de prestação de serviço de locação de mão-de-obra apresenta as seguintes características essenciais:
1º) É prestado por pessoa física a empresa prestadora.
2º) Tem a finalidade de fornecer pessoal especializado para desempenhar função especifica.
Por outro lado, são protagonistas da atividade ora analisada:
a) A empresa fornecedora da mão-de-obra especializada.
b) O trabalhador especializado.
c) A empresa tomadora do serviço.
Assim, para que ocorra a prestação em exame, são celebrados dois contratos. Um entre a empresa prestadora de serviço e a tomadora do trabalho, e o contrato entre aquela, ou seja, a prestadora, e o trabalhador, este último contrato sob o regime da CLT.
São vínculos inteiramente dependentes um do outro. A existência do primeiro é que dá causa ao segundo e este, a seu turno, só se justifica – tanto sob o ponto de vista jurídico como o econômico – enquanto persistir aquele. Em nenhuma hipótese uma empresa de locação de mão-de-obra contrata trabalhadores sem ter um contrato prévio com uma tomadora de serviços, seria no mínimo absurdo pensarmos em um estoque de trabalhadores.
Em contrapartida, compete à empresa tomadora satisfazer obrigações de natureza própria e inconfundível, a saber:
a) Reembolsar a prestadora de serviços das importâncias correspondentes aos valores brutos das remunerações pagas aos trabalhadores, acrescidas daquelas relativas aos encargos sociais correspondentes.
b) Pagar a empresa prestadora um valor específico a título de remuneração pelos serviços prestados, que seria a Taxa de Administração em contrapartida da seleção e recrutamento do pessoal.
As quantias reembolsadas nos termos da letra "a" supra correspondem rigorosamente ao repasse daquilo que é entregue aos trabalhadores; as quantias pagas, segundo indicado na letra "b", estas sim, são incorporadas ao patrimônio da prestadora de serviços que, com elas, e apenas com elas, giram seu negócio e apuram eventuais lucros.
REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
Como considerações introdutórias, é de bom tom consignar os ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho, quanto à estrutura jurídico-descritivo dos elementos identificativos da Regra-Matriz de incidência tributária. Vejamos o ensinamento do mestre:
"Os modernos cientistas do Direito Tributário têm insistido na circunstância de que, tanto no descritor (hipótese) quanto no prescritor (conseqüência) existem referências a critérios, aspectos, elementos ou dados identificativos. Na hipótese (descritor), haveremos de encontrar um critério material (comportamento de uma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na conseqüência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na sua plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão de incidência tributária".
Eis então, que a função básica desse sucinto apanhado sobre a Regra-Matriz foi conhecer essa estrutura lógica da norma tributária, para que se possa avançar na persecução de nosso desiderato, delimitando a área de argumentação apenas no critério material do antecedente normativo (descritor), e no critério quantitativo do conseqüente tributário (prescritor). É justamente nestes dois elementos que se encontram o espeque do presente trabalho.
DO CRITÉRIO MATERIAL (COMPORTAMENTO HUMANO) DO ISSQN
O critério material expressa sempre um comportamento humano. Justamente por esse motivo deve, invariavelmente, ter a presença de um verbo pessoal seguido de um complemento para formar o núcleo da hipótese de incidência – no caso, "prestar" "serviço".
Para além do critério material, outro elemento imprescindível é o conteúdo econômico, revelador de riqueza. Oportunas são as palavras de Alfredo Augusto Becker: "requer-se, por força de regra constitucional, que a hipótese de incidência verse sobre um fato signo presuntivo de capacidade contributiva (...).". Ou, conforme Amílcar de Araújo Falcão, "(...) um fato econômico de relevância jurídica(...)".
Ora, é da própria natureza do tributo que este recaia apenas e tão somente sobre a parcela de riqueza que circula entre os particulares. O tributo só se justifica se for para retirar do particular uma parcela de riqueza advinda de sua atividade, isto é, o Estado promove meios para que o cidadão exerça sua atividade, e, em retribuição, no uso do jus imperii, o cidadão paga ao Estado uma parcela do que ganhou, uma parte da riqueza que foi agregada ao seu patrimônio.
As empresas de locação de mão-de-obra devem ser tributadas pelo ISSQN somente pela prestação de serviço que efetivamente presta, ou seja, pelo serviço de locação/fornecimento de mão-de-obra especializada, qual seja, o RECRUTAMENTO, o TREINAMENTO e a COLOCAÇÃO do trabalhador à disposição do tomador de serviços.
Diante desse esclarecimento, surge o segundo questionamento: qual é a base de cálculo desta prestação de serviço?
DO CRITÉRIO QUANTITATIVO - BASE DE CÁLCULO
Para que possamos saber a medida da prestação tributária devida aos prestadores de serviços de locação de mão-de-obra, mister decifrarmos o conceito de base de cálculo. Em direito tributário, base de cálculo é a grandeza econômica sobre a qual se aplica a alíquota para calcular a quantia a pagar. No caso do ISS, como preceitua o art. 7º da Lei Complementar nº 116/2003, "A base de cálculo do imposto é o preço do serviço."
O comportamento "prestar serviço" foi eleito como o objeto da competência tributária municipal, ou seja, o núcleo do critério material da hipótese de incidência, como já dito em linhas passadas. Tal comportamento só foi escolhido porque permite presumir a presença de riqueza, que em parte será revertida aos cofres municipais.
Em linhas gerais, o preço global do contrato de locação de mão-de-obra ou fornecimentos de mão-de-obra especializada inclui alguns itens, a seguir enumerados:
1) Remuneração dos trabalhadores;
2) O cumprimento das exigências sociais;
3) Taxa administrativa.
Os dois primeiros itens não expressam conteúdo patrimonial à empresa fornecedora de mão-de-obra, apenas transitam em sua conta, mas depois são repassados aos destinatários finais, isto quer dizer que os valores recebidos sobre essas rubricas não constituem riqueza passível de tributação, conforme vimos anteriormente.
Neste sentido, vinculo-me ao doutrinamento do Ilustre Mestre em Direito Tributário pela UFPR, Marcelo Caron Baptista, cujo teor passo a reproduzir:
"(...) Assim, a única base de calculo constitucionalmente admitida para o conseqüente normativo do ISS é o preço da prestação do serviço. A adoção de qualquer outra dimensão conceitual para a base de cálculo implica uma dissociação entre a materialidade da hipótese e o seu conteúdo econômico."
Temos claro o seguinte: a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço. O serviço efetivo do prestador, no caso das empresas em voga, é a taxa de administração de serviços especializados. Ao revés, o implemento do tributo sobre o valor global do contrato afronta de morte os princípios da Legalidade, Justiça Tributária e Capacidade Contributiva, pois, somente o valor recebido a título de taxa de administração é que integra o patrimônio da empresa prestadora.
Mais uma vez consignamos o brilhantismo dos ensinamentos do mestre Marcelo Caron Baptista. Vejamos:
"Quando o alfaiate produz uma roupa, estando ela pronta e acabada, constituirá o "serviço", o resultado da prestação por ele realizada, que é passível de avaliação econômica. Mas a roupa é composta de materiais: tecido, linha de costura, botões etc.; ao qual o alfaiate agrega o seu esforço físico e intelectual, a sua experiência, o seu tempo, a sua energia. O valor da roupa não se resume ao valor dos materiais ou somente ao do esforço do alfaiate. É, exatamente, a soma dos bens e do esforço.
Não há dúvidas, então, de que o valor da roupa será maior que o valor isolado do esforço do alfaiate, ou seja, que o valor da prestação. Como o ISS tributa o comportamento de prestar serviço, no caso do alfaiate, a única base de cálculo possível é o preço que ele cobra para confeccionar a roupa, jamais o preço da roupa em si. Se o ISS incidir sobre o valor da roupa, haverá uma desproporção entre o conteúdo econômico da prestação do serviço e o conteúdo econômico da prestação tributária, em face da distorção da base de cálculo. A tributação não atingirá aquilo que foi determinado pela Constituição Federal — o esforço remunerado do prestador — mas coisa diversa.(...)"
Outro exemplo esclarecedor, também citado por Marcelo Caron Baptista é o seguinte:
"Imagine-se que um ourives seja contratado para elaborar um anel de ouro para o seu cliente. Devido à simplicidade do formato do anel, fica pactuado que a remuneração pelos seus serviços será de 8 moedas. Por outro lado, o ouro necessário para a produção do anel possui o valor de 200 moedas. Fazendo-se incidir o ISS sobre o valor do serviço (anel ouro + mão de obra), pela base de cálculo de 208 moedas, à alíquota de cinco por cento, por exemplo, ter-se-ia uma prestação tributária no valor de 10,4 moedas, ou seja, maior que o valor da remuneração do prestador (8 moedas). É mais do que óbvio que, nesses termos, é inválida a presunção jurídica de capacidade contributiva do ourives. A incidência da norma tributária, além de reduzir a zero a riqueza presumidamente por ele auferida, ainda atingiria o seu patrimônio. Ora, se o preço da prestação foi de 8 moedas, a base de cálculo há de ser exatamente de 8 moedas. O preço do ouro é elemento estranho à hipótese de incidência do ISS."
Ante a clareza do ensinamento do autor, concluímos que os demais gastos necessários à prestação de serviços avençada entre as partes (tais como materiais de limpeza, pagamento dos trabalhadores, pagamento dos encargos sociais) igualmente não podem sofrer a incidência do ISSQN. Tais valores representam custos e não receitas, e estes são objeto de reembolso por parte do tomador de serviços. A prestação efetivada pela empresa é tão somente a de RECRUTAR, TREINAR e COLOCAR a disposição do tomador os trabalhadores, o que corresponde, nesta atividade, ao que se denomina de taxa administrativa.
Como já dito em linhas volvidas, só se pode tributar fatos aumentativos do patrimônio. Os valores constantes da Nota Fiscal designados de remuneração e encargos sociais, jamais poderão sofrer a incidência do ISS, pois estes valores não somam patrimônio para as empresas. Apesar de transitarem pela sua conta, apenas são reembolsados aos trabalhadores, e adimplidos as obrigações sociais advindas do contrato individual de trabalho. Os valores antecipados ou reembolsados pelo tomador transitam pelas mãos do prestador mas não se agregam ao seu patrimônio, não perfazem receita.
CONCLUSÕES
- No caso das empresas de prestação de serviços com fornecimento de mão-de-obra, o critério material (comportamento humano), é o "prestar serviço", sendo tão somente a intermediação entre o tomador e o trabalhador, ou seja, o RECRUTAMENTO, o TREINAMENTO e a COLOCAÇÃO do trabalhador à disposição do tomador de serviços.
- O tributo deve incidir apenas sobre signos de riqueza, ou seja, apenas os aportes que incrementem o patrimônio, como elementos novos e positivos devem e podem sofrer a incidência de um tributo. Todo e qualquer outro valor que não agrega riqueza ao prestador não pode sofrer a incidência tributária.
- A base de cálculo do ISS para as empresas em questão, deve ser apenas o valor referente aos serviços de RECRUTAMENTO, TREINAMENTO e a COLOCAÇÃO do trabalhador à disposição do tomador (taxa de administração). Melhor dizendo, o ISS não pode incidir sobre o valor total da Nota Fiscal, mesmo porque os valores constantes da NF que compreendem a remuneração do trabalhador, bem como o cumprimento dos encargos sociais, não integram o patrimônio do prestador, são apenas meras entradas que serão posteriormente reembolsadas a quem de direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAPTISTA, Marcelo Cairon. ISS: do texto à norma. Doutrina e Jurisprudência da EC 18/65 á LC 116/03. São Paulo: Quartier Latin. 2005.
BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 2ªed. São Paulo: Dialética, 2005.
BRASIL. Constituição(1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 05 jun. 2007.
BRASIL. Lei complementar nº116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 05 jun. 2007
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.236