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O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.

Tentativa viável de aplicação do fenômeno da mutação constitucional. Reclamação Constitucional nº 4335

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12/11/2009 às 00:00
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6. Considerações finais

Tendo em vista a realidade já exposta alhures no sentido de que a norma constitucional não é absoluta no tempo e que sofre influências da realidade por ser ela produto da história, inegável que deve se manter atualizada.

Para que isso ocorra, pois, a doutrina, ao lado de tratar do Poder Constituinte como força política que faz nascer uma determinada ordem jurídica, aponta no sentido da existência de uma força modificadora dessa norma principal.

Quer-se dizer com isso que nem sempre ocorrerá uma ruptura revolucionária que leve ao surgimento de uma nova ordem constitucional totalmente distinta da anterior e/ou inaugural.

Pode ocorrer, pois, de ser suficiente para a adequação da Constituição Jurídica à Constituição Sociológica ou real, que essa norma sofra reformas pontuais. Essas modificações parciais ocorrem pela atuação do chamado Poder de Reforma.

Esse poder de reforma, por seu turno, pode – e comumente assume – diversas feições, sendo de se destacar, entre elas, o poder de reforma, o de revisão e, tratando do principal ponto aqui discutido, a mutação constitucional.

A mutação constitucional é um processo informal de mudança da constituição, que em regra, ocorre por meio da interpretação judicial ou do costume.

Na realidade constitucional do Brasil, pois, em que a Constituição Federal de 1988 é reconhecidamente rígida e que, portanto, é fundamento e fim de todo o ordenamento jurídico, devem ocorrer, necessariamente, de tempos em tempos, modificações. Muitas têm se dado por intermédio das Emendas Constitucionais, isto é, pela via formal de mudança. Nada impede, contudo, que a alteração da Constituição ocorra por meio de um processo informal, a partir da interpretação que for dada pelos Juízes a um determinado comando da norma fundamental.

Esse, segundo entendemos, é o paradigma que deve ser adotado em relação ao papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.

Com efeito, é necessário que hoje, momento em que, neste país, o Supremo Tribunal Federal é reconhecidamente o órgão máximo de interpretação da constituição, se dê a importância devida aos entendimentos a que ele chega em determinados casos cuja repercussão é considerável.

Nesse sentido, pois, não apenas obsoleto e injustificado, mas, até certo ponto, provocador de um certo desprestígio às decisões do STF - e, portanto, desproporcional em relação ao sistema de fiscalização de constitucionalidade que se vem, há algum tempo, exercitando no Brasil – que, pelo fato de a decisão dessa Corte sobre a inconstitucionalidade de uma norma ter se dado de modo difuso, não possa espraiar seu conteúdo de forma a vincular os demais casos iguais, a não ser que assim seja decidido pelo Senado Federal.

Bem diferente do que ofender o princípio da separação as funções do poder, entender que é necessária e razoável a mutação constitucional com vistas a que o Senado tenha a incumbência apenas de tornar pública a decisão do Supremo Tribunal Federal e não a de torná-la vinculante, a partir da edição de uma resolução, para toda e qualquer situação idêntica, é reconhecer que se o Legislativo não cumpriu com o seu papel de criar normas compatíveis com a norma fundamental, e que ele sim, é quem a está ferindo e, por isso mesmo, imprescindível é a atuação do Poder Judiciário para fins de equilibrar o Poder exercido de forma ilegítima.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Cujo voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, relator do processo, propugnou pela modificação informal do texto constitucional quanto à competência do Senado Federal para, por meio de Decreto Legislativo, suspender, com eficácia "ex nunc", os efeitos de uma norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em exercício de controle de constitucionalidade difuso. STF. Informativos STF nº 454 e 463, de 1º e 2 de fevereiro de 2007 e de 16 a 20 de abril de 2007. Disponível em: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo454.htm. e http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo463.htm. Acesso em: 10 Out. 2009. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 1 O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 2 Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser preservada. No ponto, afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluiu relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, tendo concluído pelo cabimento da reclamação para todos os que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC 82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 3 Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 4
  2. Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 5 O Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos - v. Informativo 454. O Min. Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei. Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 6 Em divergência, o Min. Sepúlveda Pertence julgou improcedente a reclamação, mas concedeu habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão. Reportando-se aos fundamentos de seu voto no RE 191896/PR (DJU de 29.8.97), em que se declarou dispensável a reserva de plenário nos outros tribunais quando já houvesse declaração de inconstitucionalidade de determinada norma legal pelo Supremo, ainda que na via do controle incidente, asseverou que não se poderia, a partir daí, reduzir-se o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a 1934 mantiveram. Ressaltou ser evidente que a convivência paralela, desde a EC 16/65, dos dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da execução da lei tem se tornado cada vez mais obsoleto, mas afirmou que combatê-lo, por meio do que chamou de "projeto de decreto de mutação constitucional", já não seria mais necessário. Aduziu, no ponto, que a EC 45/2004 dotou o Supremo de um poder que, praticamente, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante (CF, art. 103-A). Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade – 7
    Por sua vez, o Min. Joaquim Barbosa não conheceu da reclamação, mas conheceu do pedido como habeas corpus e também o concedeu de ofício. Considerou que, apesar das razões expostas pelo relator, a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento. Aduziu, de início, que as próprias circunstâncias do caso seriam esclarecedoras, pois o que suscitaria o interesse da reclamante não seria a omissão do Senado em dar ampla eficácia à decisão do STF, mas a insistência de um juiz em divergir da orientação da Corte enquanto não suspenso o ato pelo Senado. Em razão disso, afirmou que resolveria a questão o habeas corpus concedido liminarmente pelo relator. Afirmou, também, na linha do que exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, a possibilidade de edição de súmula vinculante. Dessa forma, haveria de ser mantida a leitura tradicional do art. 52, X, da CF, que trata de uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF. Afastou, ainda, a ocorrência da alegada mutação constitucional. Asseverou que, com a proposta do relator, ocorreria, pela via interpretativa, tão-somente a mudança no sentido da norma constitucional em questão, e, que, ainda que se aceitasse a tese da mutação, seriam necessários dois fatores adicionais não presentes: o decurso de um espaço de tempo maior para verificação da mutação e o conseqüente e definitivo desuso do dispositivo. Por fim, enfatizou que essa proposta, além de estar impedida pela literalidade do art. 52, X, da CF, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.
  3. LOWENSTEIN, Karl. Teoría de La Constitución. 2 ed. Barcelona: Ariel, 1970. apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 4-5.
  4. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense. p. 54-5, faz afirmação – com a qual concordamos – no seguinte sentido: "a)...O Estado, como Forma de Organização Política, é produto da Idade Moderna, consequência de vários fatores; b) se assim o é, incorreto será falarmos em Estado antes daquela época (Idade Moderna), embora, naturalmente, o Homem sempre tenha vivido sob o império de uma forma de Organização Política que, a nosso ver, é gênero do qual o Estado é espécie. [...]; c) em consequência, sendo um dado cultural, podemos afirmar (e não vai aí nenhuma conotação marxista) que o Estado nem sempre existiu e nem sempre existirá. A Organização Política, ao contrário, sempre existiu e sempre existirá.". Sobre esse assunto, assim comenta MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 7-8: "I – Do excurso histórico e comparativo sobre a formação e a evolução do Estado e sobre os sistemas político-constitucionais extraem-se os seguintes dados: a) Qualquer Estado, seja qual for o tipo histórico a que se reconduza, requer ou envolve institucionalização jurídica do poder; em qualquer Estado de recortar-se normas fundamentais em que assenta todo o seu ordenamento. B) Todavia, somente desde o século XVIII se encara a Constituição como um conjunto de normas jurídicas definidoras das relações (ou da totalidade das relações) do poder político, do estatuto de governantes e de governados; e esse é o alcance inovador do constitucionalismo moderno.
  5. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense. p. 54-5.
  6. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 15-7.
  7. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 15-7, assim trata a respeito do Constitucionalismo: "As <Leis Fundamentais> não regulavam senão muito esparsamente as actividades dos governantes e não traçavam com rigor as suas relações com os governados; eram difusas e vagas; vindas de longe, assentavam no costume e não estavam ou poucas estavam documentadas por escrito; apareciam como uma ordem susceptível de ser moldada à medida da evolução das sociedades. Não admira, por isso, que se revelassem inadaptadas ou insuportáveis ao iluminismo, ou que este as desejasse reconverter, e que as queixas acerca do seu desconhecimento e do seu desprezo - formuladas na Declaração de 1789 ou no preâmbulo da nossa Constituição de 1822 – servissem apenas para sossegar espíritos inquietos perante as revoluções liberais e para criticar os excessos do absolutismo. Diferentemente, o constitucionalismo tende a disciplinar toda a actividade dos governantes e todas as suas relações com os governados; pretende submeter à lei todas as manifestações da soberania e aí consignar os direitos dos cidadãos; declara uma vontade autônoma de recriação da ordem jurídica. Não admira, por isso, que entre as Leis Fundamentais do Reino e a Constituição, apesar de não haver diferença de natureza (enquanto umas e outras conformam juridicamente o político), se produza uma ruptura histórica. Não admira que apenas nesta altura se comece a dilucidar, no plano científico, o conceito da Constituição. [...] II – O constitucionalismo – que não pode ser compreendido senão integrado com as grandes correntes filosóficas, ideológicas e sociais dos séculos XVIII e XIX – traduz exactamente certa ideia de Direito, a ideia de Direito Liberal." Mais adiante, prossegue: "A ideia de Constituição é de uma garantia e, ainda mais, de uma direcção de garantia. Para o constitucionalismo, o fim está na protecção que seconquista em favor dos indivíduos, dos homens e cidadãos, e a Constituição não passa de um meio para o atingir. O Estado Constitucional é o que entrega à Constituição o prosseguir a salvaguarda da liberdade e dos direitos dos cidadãos, depositando as virtualidades de melhoramento na observância dos seus preceitos, por ela ser a primeira garantia desses direitos."
  8. Na fase contemporânea, inclusive – e ainda – no momento que se vive.
  9. Deve-se anotar, pois, que embora desde a Revolução Francesa exista a Constituição como instrumento de limitação de poder, a força suprema dessa norma, para ser reconhecida, teve de passar por fases de aceitação dessa realidade, sendo de se destacar que na Europa isso somente ocorreu a partir de queda dos regimes monárquicos. Já nos Estados Unidos da América, a história de independência das colônias já fez surgir a Constituição com essa normatividade superior. Vd. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 181-196.
  10. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 190.
  11. Dentre tantas que a moderna doutrina constitucional brasileira tem trazido à baila, citamos a conceituação de Constituição dada por Konrad Hesse, nas palavras de Inocêncio Mártires Coelho, "in" MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 10, assim expostas: "...a Constituição deve ser entendida como "a ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios fundamentais", uma tarefa cuja realização só se torna possível porque a Lei Fundamental: . fixa os princípios diretores segundo os quais se deve formar a unidade política e desenvolver as tarefas estatais;. Define os procedimentos para a solução dos conflitos no interior da comunidade; disciplina a organização e o processo de formação da unidade política e da atuação estatal; e .cria as bases e determina os princípios da ordem jurídica global." Vd. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 62-86.
  12. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 59.
  13. LASSALE, Ferdinand Johann Gottlieb. O Que é uma Constituição? Trad. de Ricardo Rodrigues. 2 ed. Campinas: Russel Editores, 2007. p. 52.
  14. SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Madrid: Revista de Derecho Privado. 1928. p. 20. apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 42-3.
  15. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. Coimbra: Arménio Amado, 1976. apud TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 18-20.
  16. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 1-3.
  17. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 108.
  18. Vd. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 5: "Noutras palavras, em resumo do próprio Canotilho, o que precisamos decidir – antes de tudo – é se a Constituição há de ser uma lei do Estado, e dele, ou o estatuto jurídico do fenômeno político em sua totalidade, ou seja, um plano normativo global que não cuide apenas do Estado, mas também de toda a sociedade."
  19. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 113.
  20. ENTERRIA, Eduardo Garcia. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. 3 ed. Madrid: Civitas. 2001. p. 49.
  21. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 12.
  22. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 63-86.
  23. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 14.
  24. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 126-132.
  25. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 91.
  26. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 197.
  27. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 93.
  28. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 127.
  29. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 127-8.
  30. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 127, nota de rodapé nº 10.
  31. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 127.
  32. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 45-6.
  33. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 45.
  34. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49.
  35. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 64.
  36. DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 130-1.
  37. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 64.
  38. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. Série Jurídica. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 10.
  39. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. Série Jurídica. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 11.
  40. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 150-1.
  41. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 153.
  42. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. 5 ed. Portugal: Coimbra, 2003. p. 159-160.
  43. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. Série Jurídica. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 13
  44. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 13.
  45. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 13, assim preleciona sobre a tese que lançou: "Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição."
  46. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 11.
  47. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. Série Jurídica. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 24.
  48. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. Série Jurídica. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 26.
  49. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 13.
  50. Informativo 454. STF, 1º e 2 fev. 2007. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 20 jul. 2008.
  51. Informativo 454. STF, 16 a 20 de abr. 2007. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 20 jul. 2008.
  52. ROCHA, Luiz Alberto G. S. Da Resolução Suspensiva de Leis Declaradas Inconstitucionais pelo Senado Federal. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 26, 1999, p. 248.
  53. ROCHA, Luiz Alberto G. S. Da Resolução Suspensiva de Leis Declaradas Inconstitucionais pelo Senado Federal. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 26, 1999, p. 235, observa quanto às atribuições do Senado, o seguinte: "O Senado Federal tem hoje outras atribuições podendo ser resumidas basicamente em dois aspectos: (i) o de câmara moderadora e revisora dos projetos aprovados na Câmara dos Deputados, e (ii) o de representativa dos Estados, no âmbito da Federação."
  54. TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante. Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007. p. 103.
  55. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 125-6.
  56. AGRA, Walber de Moura. Aspectos Controvertidos do Controle de Constitucionalidade. Col. Temas de Direito Constitucional em Homenagem ao Professor Pinto Ferreira. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 56.
  57. ROCHA, Luiz Alberto G. S. Da Resolução Suspensiva de Leis Declaradas Inconstitucionais pelo Senado Federal. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 26, 1999, p. 239-240, após mencionar a existência de 2 (duas) correntes divergentes a respeito do assunto – a primeira no sentido de que o ato do Senado seria vinculado sob pena de enfraquecer a eficácia do acórdão do STF e a segunda no sentido de que a competência para edição da resolução, é de absoluta deliberação por parte do Senado -, filia-se a uma corrente que estabelece um equilíbrio, capitaneada pelos doutrinadores Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Ribeiro Bastos e Zeno Veloso. O autor ora referido afirma, "in verbis": "Realmente, não há como entender a inação do Senado em suspender a execução de lei, ou pior, a manutenção de norma inconstitucional, pelo que a ação legislativa é vinculada, ou seja, não entra no mérito da decisão. Por outro lado, o Senado, como representante do Legislativo, poder que por função primordial elabora a norma, tem que dar a última palavra na exclusão daquele ato inconstitucional do mundo jurídico e, para tanto, deve verificar se a ação do Supremo se deu segundo o devido processo legal. Logo se o Senado não está estritamente vinculado, ele também não tem a discricionariedade da decisão, essa situação desconfortável para os dois poderes, e para a Democracia em última instância, é uma amostra inadequada do sistema."
  58. AGRA, Walber de Moura. Aspectos Controvertidos do Controle de Constitucionalidade. Col. Temas de Direito Constitucional em Homenagem ao Professor Pinto Ferreira. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 19., menciona que "...o Judiciário não poderia atuar no controle constitucional, uma vez que, na França, historicamente, ele foi um apêndice do poder imperial. Com o advento da Revolução Francesa, houve uma reformulação do Poder Judiciário, o que acarretou diminuição em suas prerrogativas. O Poder Legislativo foi alçado ao papel de representante da nação, e as leis por ele elaboradas teoricamente sintetizavam a vontade geral. Assim, o princípio da legalidade ganhou notável relevância, sendo os representantes populares os mais legítimos intérpretes dos dispositivos normativos."
  59. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 96-7.
  60. PONTES, Helenilson Cunha. Resolução Senatorial. Disponível em: http://www.cunhapontes.com.br/estudos/resolucao_senatorial.pdf. Acesso em: 20 jul. 2008.
  61. BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 111.
  62. TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante. Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007. p. 103-4.
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Sobre a autora
Mildred Lima Pitman

Consultora Jurídica do Estado do Pará, com lotação na Secretaria de Estado de Administração - SEAD. Mestranda em Direito das Relações Sociais- Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Processual Civil - Faculdade do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PITMAN, Mildred Lima. O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.: Tentativa viável de aplicação do fenômeno da mutação constitucional. Reclamação Constitucional nº 4335. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2325, 12 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13837. Acesso em: 28 mar. 2024.

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