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Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável.

Uma reflexão sobre o ICMS ecológico

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3 O ICMS ecológico: origem, definição e funcionamento

Uma das experiências mais exitosas de utilização de instrumento jurídico-econômico é o chamado ICMS ecológico. Trata-se de uma ação criada no Brasil ligada à utilização estratégica pelos estados do poder que detém sobre a distribuição dos recursos do imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação (ICMS), como incentivo à adoção de práticas de conservação ambiental. [19]

O suporte jurídico-constitucional do ICMS ecológico encontra-se no art. 158, IV, parágrafo único, II, da Constituição Federal. De acordo com estes dispositivos, 25% das verbas referentes ao ICMS pertencem aos municípios, sendo que um quarto deste percentual será creditado de acordo com critérios fixados em lei estadual.

A partir desta porta aberta pela Constituição, alguns prefeitos de municípios do estado do Paraná começaram a reivindicar que o repasse mencionado na norma jurídica em questão fosse efetuado de acordo com critérios ecológicos.

O argumento principal das prefeituras consistia na alegação de que seus municípios, em razão de possuírem em seus territórios unidades de conservação e mananciais abastecedores de localidades vizinhas, ficavam impedidos de utilizar seus recursos naturais com finalidades econômicas e, consequentemente, de gerar receita. [20]

Como explica Bonaparte, a luta dos prefeitos é justificável, pois a imperar unicamente o critério principal de distribuição, que confere maiores repasses aos municípios onde ocorre maior circulação econômica (comércio de mercadorias e dos serviços que geram ICMS), os municípios mais industrializados e com economias causadoras de maior pressão sobre o meio ambiente seriam beneficiados em detrimento dos municípios menos poluidores.

Como o principal critério de redistribuição é o valor adicionado fiscal (VAF), que reflete o nível de atividade econômica do município e conseqüente participação na arrecadação, o ICMS acaba por estimular o estabelecimento de novas atividades comerciais e industriais. Esse critério prejudica os municípios que impõem restrições ao uso da terra, devido à adoção de áreas protegidas. Esses municípios, entretanto, geram serviços ambientais que não possuem mercado, mas que resultam em qualidade de vida. Consequentemente, os municípios que têm unidades de conservação merecem receber um pouco mais por isso. [21]

Trata-se, ademais, de um argumento visivelmente amparado no princípio do protetor-recebedor. Ao analisarmos a exposição de Ribeiro sobre qual a finalidade deste princípio jurídico, fica evidente que o ICMS ecológico materializa uma de suas possíveis aplicações.

Para que serve sua aplicação? Serve para implementar a justiça econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente por uma população ou sociedade, e remunerando economicamente essa prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela. Atualmente, no mundo, muitas sociedades prestam serviços ambientais gratuitos, ao preservarem áreas indígenas, Parques, Unidades de Conservação, áreas de mananciais sem, entretanto, receberem a justa remuneração por eles. [22]

Do modo como foi concebida a política do ICMS ecológico, primeiramente no estado do Paraná, em 1991, os recursos eram repassados de acordo com a superfície do território do município abrangida por unidades de conservação, levando em conta também a existência de mananciais usados para abastecer outros municípios (art. 1º da Lei Complementar estadual nº 59/91). Em 1993, o art. 2º da mesma lei, conhecida como Lei do ICMS Ecológico, recebeu nova redação que incluiu as áreas de reservas indígenas na categoria unidades de conservação (LC/PR nº 67/93).

Porém, ao longo de sua difusão por outras unidades da federação, [23] o ICMS ecológico vem ganhando novos contornos. Além do critério principal de superfície de unidades de conservação, mantido em todas as versões do programa, há experiências de uso de outros parâmetros, como no sistema de Minas Gerais, que considera, além das áreas protegidas, o tratamento do lixo urbano e esgoto e a conservação de patrimônios históricos (Lei estadual 13.803/00, Lei Robin Hood). Já no estado de Tocantins, o aspecto institucional do desenvolvimento sustentável adquiriu especial relevância, pois foram adotados critérios que incentivam os municípios a criar leis, decretos e dotações orçamentárias para estruturação e implementação da Política Nacional do Meio Ambiente e da Agenda 21 local (Lei estadual 1.323/02).

O ICMS ecológico seria, portanto, uma política pública implementada por alguns estados brasileiros consistente na distribuição de um percentual dos recursos do ICMS pertencentes aos municípios por mandamento constitucional, de acordo com critérios ecológicos, sendo o parâmetro principal a superfície de unidades de conservação em relação à área do território municipal.

Quanto à denominação do ICMS ecológico, acrescenta-se que poderia gerar algum equívoco sobre se tratar de um novo imposto, quando na verdade o que se estabelece é apenas uma forma diferenciada de distribuição das receitas já existentes. Vejamos as oportunas observações de Pires:

Na verdade não se trata de uma nova modalidade de tributo ou uma espécie de ICMS, parecendo mesmo que a denominação é imprópria a identificar o seu verdadeiro significado, de vez que não há qualquer vinculação do fato gerador do ICMS a atividades de cunho ambiental. Da mesma forma, como não poderia deixar de ser, não há vinculação específica da receita do tributo para financiar atividades ambientais.

Não obstante, a expressão já popularizada ICMS ECOLÓGICO está a indicar uma maior destinação de parcela do ICMS aos municípios em razão de sua adequação a níveis legalmente estabelecidos de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei. [24]

Igualmente Scaff e Tupiassu se manifestam sobre o teor de impropriedade técnica do termo, "uma vez que não se trata exatamente de enquadrar a própria figura tributária (ICMS) na questão ambiental, e sim os recursos financeiros dela provenientes através de um mecanismo de federalismo fiscal." [25]

Uma das vantagens da política do ICMS ecológico encontra-se justamente no baixo custo de sua implementação. Por um lado, não onera a sociedade por não se tratar de um novo tributo, modificando-se apenas a forma de redistribuição de recursos existentes; por outro, não implica em grandes gastos para o Poder Público, uma vez que sua implantação envolve ônus operacionais mínimos. Sobre isso afirma Loureiro que o custo total de execução do Programa para o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) foi de aproximadamente R$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil reais). [26]

Outro fator positivo em relação ao ICMS ecológico é a relativa simplicidade das alterações legislativas necessárias para sua implantação. Pois, uma vez aberta a possibilidade constitucional para os estados disporem sobre a distribuição das receitas utilizadas pelo programa, uma lei estadual deve bastar para regulamentar o sistema. [27]

Explica ainda Loureiro, referindo-se ao caso do Paraná, que a distribuição dos recursos considera aspectos ambientais quantitativos e qualitativos. Do ponto de vista quantitativo, avalia-se a superfície da área protegida na relação com a superfície total do município onde estiver contida, multiplicando-se o resultado por um índice que representa o nível de restrição de uso da área protegida. A avaliação da qualidade das áreas ambientais considera a existência de biodiversidade (fauna e flora) e os recursos (financeiros, materiais, humanos) disponibilizados para a gestão das unidades de conservação. [28]

A cota do ICMS destinada ao incentivo da conservação ambiental também pode variar de um estado para outro. Deste modo, no Paraná são destinados 5% do ICMS estadual total para o cumprimento da função extrafiscal ecológica do tributo (Lei estadual nº 9.491/90), enquanto São Paulo reserva 0,5% (Lei estadual nº 8.510/93) das receitas e o Rio Grande do Sul emprega 7% (Lei Estadual nº 11.038/97).


4 Alguns resultados do ICMS ecológico na conservação ambiental

O ICMS ecológico é considerado pelos especialistas como uma experiência exitosa na conservação ambiental brasileira. A seguir, serão comentados alguns dos principais resultados positivos do programa, que incluem: aumento da área e da qualidade da gestão das unidades de conservação nos estados; promoção de justiça fiscal; desenvolvimento institucional para proteção ambiental; avanço na efetivação da Convenção da Diversidade Biológica e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; democratização do debate sobre unidades de conservação.

Sem dúvida, o principal sucesso do programa advém dos resultados expressivos na evolução da conservação ambiental nos estados que adotaram o ICMS ecológico, tanto no aumento da superfície de áreas protegidas como no aprimoramento da gestão destes espaços.

No caso do Paraná, por ser o estado pioneiro, existem melhores informações. Desde o início da ação até junho de 2005, houve um incremento de 160,1287% na superfície abrangida por unidades de conservação no estado, [29] acompanhado de uma progressão, nos municípios, do escore que mede a qualidade das áreas protegidas. Esta medida de qualidade considera principalmente a disponibilização de recursos materiais para a gestão das unidades (pessoal, veículos, financiamentos, celebração de termos de compromisso etc.).

Para que se vislumbre o montante de recursos movimentados pelo ICMS ecológico, basta dizer que no ano de 2000, os 221 municípios paranaenses cadastrados no sistema receberam aproximadamente R$ 59,6 milhões de reais. [30]

Em São Paulo, os 169 municípios paulistas que possuem espaços territoriais sob proteção legal do Estado receberam, em 2002, R$ 39,6 milhões por conta do ICMS ecológico. Destaque-se que, dentre os nove municípios mais beneficiados com os repasses, sete estão na região do Vale do Ribeira, que conta com uma das mais representativas áreas contínuas de Mata Atlântica ainda em bom estado de conservação. Os municípios desta área, que sofriam fortes restrições econômicas, hoje contam com repasses ligados ao ICMS ecológico que, algumas vezes, superam a receita total dos municípios. [31]

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O programa também gerou importantes repercussões sociais e ambientais positivas no estado de Minas Gerais, onde o ICMS ecológico contribuiu para a ampliação das áreas protegidas institucionalizadas no Estado em 1 milhão de hectares, o que significa um incremento de 90%. O sistema mineiro inclui também um critério de saneamento ambiental que, ao início do programa, não beneficiou nenhum município. Atualmente, existem 43 municípios habilitados (que abrangem mais de 25% da população) para o recebimento destes recursos, por possuírem sistemas de lixo ou de esgotos sanitários licenciados e operando. [32]

Estes números comprovam que, ao contrário das opiniões correntes, a conservação ambiental pode representar um fator de crescimento econômico para a sociedade, desde que haja uma política pública orientada para este resultado.

Outro efeito positivo incluído no programa do ICMS ecológico é a construção de corredores de biodiversidade, em razão do crescimento das áreas protegidas que acabam se conectando umas as outras. Como explica Loureiro, os corredores de biodiversidade possibilitam a formação de rotas de dispersão para as espécies isoladas em fragmentos naturais e a recolonização de locais devastados, aumentando assim a chance de reprodução da biodiversidade. [33]

Ademais, a política pública em questão tem natureza preventiva e realiza o princípio do protetor-recebedor, cuja principal finalidade é a promoção da justiça fiscal. Como demonstra a experiência com o ICMS ecológico, os municípios mais beneficiados com os repasses do programa são municípios pequenos, com baixa circulação de mercadorias e, portanto, com poucos recursos financeiros, mas que prestam importantes serviços ambientais à sociedade.

Outrossim, ao colaborar com a conservação in situ da biodiversidade e promover a compensação justa de sociedades locais por serviços ambientais prestados à sociedade global, unindo assim proteção da natureza e ganho econômico, o ICMS ecológico se harmoniza com os princípios fundamentais do art. 1º da Convenção da Diversidade Biológica (CDB): conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes e a justa repartição dos benefícios derivados de sua utilização. A seguir, transcreve-se o art. 6º da CDB que trata de "medidas gerais para conservação e utilização sustentável":

Cada Parte Contratante deve, de acordo com suas próprias condições e capacidades:

a) Desenvolver estratégias, planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou programas existentes que devem refletir, entre outros aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção concernentes à Parte interessada; e

b) integrar, na medida do possível e conforme o caso, a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais pertinentes.

Com efeito, O ICMS ecológico traduz uma estratégia que utiliza um sistema tributário já existente para readaptá-lo aos fins da conservação da biodiversidade e do desenvolvimento econômico não prejudicial à qualidade ambiental. Trata-se, ademais, de uma política abrangente e transversal, que envolve as três esferas da Administração Pública (federal, estadual e municipal) e a sociedade.

A amplitude desta política sintoniza-se com o princípio da cooperação e da solidariedade na construção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esta virtude fica evidenciada, no estado do Paraná, diante da constatação de que 100% das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) estaduais foram registradas após o início do ICMS ecológico. Em 2000, eram 153 reservas particulares, incluindo RPPNs, faxinais, matas ciliares, reservas legais etc.

O que se obtém, com isto, é a consciência de que a solidariedade é o caminho para construção do desenvolvimento sustentável. Por um lado, os municípios recebem os recursos referentes aos mais de 80 mil hectares de áreas particulares protegidas. Por outro, os proprietários possuem meios para exigir investimentos do Poder Público no setor.

Com a criação da Associação Paranaense dos Proprietários de RPPN em 1998, com sede em Lunardelli, na região Norte do Paraná, espera-se que o Estado possa dar um salto de qualidade ainda maior, uma vez que os proprietários organizados poderão encetar um processo de independência, ao mesmo tempo em que aglutinam poder de barganha para exigir o apoio necessário, ou seja, o cumprimento das obrigações por parte do Estado. Este, por sua vez, deverá entender que as RPPN podem ser uma contribuição fundamental do setor privado à conservação da biodiversidade e um empreendimento com possibilidades de retorno financeiro. [34]

O efeito indireto da inclusão das RPPNs na avaliação da quantidade de áreas protegidas é a democratização do debate em torno da importância da conservação da biodiversidade, o que tem gerado saltos de consciência ecológica. Destaca-se, neste sentido, o grande potencial do ICMS ecológico em desmistificar a idéia de que existiria um trade off entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental.

Por fim, verifica-se o desenvolvimento institucional da defesa do meio ambiente. A interação entre a sociedade e o Poder Público, a substituição de ações baseadas no princípio do comando e controle em favor de mecanismos estratégicos, a contratação e o treinamento de recursos humanos para análise da qualidade da gestão dos espaços ambientalmente protegidos, são alguns aspectos que deixam transparecer o grande avanço dos órgãos ambientais catalisado pelo ICMS ecológico.

O estado do Tocantins é um dos mais avançados nesta dimensão institucional do desenvolvimento sustentável, uma vez que, como já foi mencionado, um dos critérios de repasse de verbas liga-se a edição de atos legislativos, regulamentares e dotações orçamentárias para estruturação e viabilização da Política Nacional do Meio Ambiente e da Agenda 21 local.

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Sobre o autor
João Carlos Bemerguy Camerini

Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogado em Santarém/PA e assessor jurídico da Terra de Direitos, Organização de Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMERINI, João Carlos Bemerguy. Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável.: Uma reflexão sobre o ICMS ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2330, 17 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13864. Acesso em: 27 dez. 2024.

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