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Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável.

Uma reflexão sobre o ICMS ecológico

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5 O turismo como alternativa econômica viabilizada pelo ICMS ecológico: uma opção para a Amazônia?

Entre os estados da região amazônica, Rondônia, Amapá, Tocantins e Acre já possuem sistemas do tipo ICMS ecológico em operação. No Pará, as discussões encontram-se emperradas há vários anos na Assembleia Legislativa. No Amazonas, a proposta nem chegou ao Poder Legislativo. Os dois maiores estados da região, bem como Roraima e o Maranhão encontram-se atrasados neste processo, não obstante vivenciem os conflitos ambientais visados pelo programa.

As maiores áreas de unidades de conservação estão nos territórios desses membros da federação, [35] juntamente com os mais truculentos conflitos sociais e problemas de gestão e implementação (extração de madeira e queimadas dentro das áreas protegidas, falta de regularização fundiára, ausência de plano de manejo, carência de recursos humanos e materiais, dificuldade de acesso, sobreposição com terras indígenas, existência de populações tradicionais residentes). Cite-se, em especial, o caso das grandes áreas de terras indígenas de Roraima que sofrem fortíssima pressão por agricultores.

Com efeito, a quase totalidade dos municípios do interior dos estados do Pará, Amazonas e Roraima, caracterizam-se por possuírem pequenas economias e fornecerem importantes serviços ambientais. Estas localidades seriam certamente beneficiadas com a implantação do ICMS ecológico nos estados.

Seria um caminho viável, talvez, para o desenvolvimento do excelente potencial turístico dos municípios da Amazônia que permanece entravado pela carência de investimentos em infra-estrutura e saneamento básico, fundamentais principalmente para o turismo internacional. As análises de Loureiro sobre os municípios que tiveram maior impacto das verbas do ICMS ecológico em seus orçamentos são esclarecedoras.

Dentre estes, situam-se quatro municípios que estão sendo analisados nesta pesquisa, ou seja, São Jorge do Patrocínio, Vila Alta, Fernandes Pinheiro e Guaraqueçaba, municípios que dependem fundamentalmente destes recursos e estão tendo a oportunidade de transformar o perfil de suas economias locais, de atividades centradas apenas na agropecuária, para atividades ligadas ao turismo ecológico. [36]

Nesta esteira, vislumbra-se a possibilidade de transposição destas dinâmicas de redirecionamento da economia para municípios amazônicos, como Santarém, Aveiro, Belterra e Altamira, no Pará, que possuem extensas áreas de unidades de conservação e grande potencial para o turismo ecológico, mas que, não obstante, contribuem com o desmatamento crescente da Amazônia devido à intensa atividade agropecuária e madeireira.

No caso do Amazonas, municípios como Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo, apesar de não enfrentarem os problemas decorrentes do avanço da fronteira agrícola, possuem belezas naturais capazes de gerar riqueza e emprego, mas que não estão sendo bem exploradas por falta de investimento.

O investimento dos recursos do ICMS ecológico em turismo nestes municípios pode ser um caminho seguro para dinamização da economia com repercussões sociais positivas, uma vez que o turismo é apontado como o setor que mais gera emprego e renda sem causar impactos ecológicos.

A cadeia produtiva do turismo engloba inúmeros serviços como hospedagem, alimentação, artesanato, transporte e entretenimento, são alguns dos ramos que se beneficiam do movimento trazido pelo turismo, e muitas vezes são preparadas para operar especificamente em função desse segmento, com forte potencial de crescimento, pois engloba um público com altas faixas de renda e disposto a gastar. [37]

O compromisso das prefeituras e a organização da sociedade são condições para a operacionalização do ICMS ecológico. A demora na apresentação e tramitação das propostas sugerem a existência de interesses políticos e econômicos contrários ao programa que devem ser contrapostos através da ação e do debate aberto pela população e governos a serem beneficiados.


Considerações finais

O ICMS ecológico é um instrumento jurídico-econômico para construção do desenvolvimento sustentável. O programa representa um avanço em relação ao tratamento jurídico tradicional do problema ambiental da sociedade, baseado na regulação e fiscalização do uso dos recursos naturais, quer dizer, na atuação do poder de polícia ambiental.

O Estado intervém no domínio econômico, sem, no entanto, precisar utilizar-se de ações coercitivas. O ICMS ecológico traduz um incentivo fiscal intergovernamental, em forma de subsídio, com a finalidade de promover a justa repartição dos benefícios derivados da prestação de serviços ambientais e, simultaneamente, trabalhar pela conservação da biodiversidade. O resultado final é o avanço na realização do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, condição fundamental para a sadia qualidade de vida das populações. [38]

A implementação desse mecanismo produziu resultados animadores, segundo todos os autores analisados, obtendo graus extremamente satisfatórios de realização de seus objetivos, destacando-se entre eles: mobilização, institucionalização e qualificação dos espaços especialmente protegidos, construção dos corredores da biodiversidade, apropriação social das unidades de conservação, democratização de informações e educação ambiental, desenvolvimento institucional para o meio ambiente, operacionalização do princípio do protetor-beneficiário através da busca da justiça fiscal pela conservação da biodiversidade.

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O sucesso inicial do programa recomenda a melhoria do sistema e o aprimoramento dos critérios para redistribuição dos recursos, bem como a sua adoção por outros estados, notadamente aqueles localizados na Amazônia.

Em especial os municípios do interior do Pará e do Amazonas, quase em sua totalidade caracterizados por possuírem pequenas economias e fornecerem importantes serviços ambientais – contando com enormes unidades de conservação em seus territórios –, seriam certamente beneficiados com a implantação do ICMS ecológico.

Com todos os benefícios do ICMS ecológico, alerta Loureiro que não se deve depositar todas as esperanças da conservação ambiental unicamente neste instrumento. Observa o autor que o sistema carrega um paradoxo interno, pois, em tese, caso sejam mantidos os mesmos percentuais de distribuição, quanto mais municípios se habilitarem para receber as verbas do programa, menor será a cota-parte de cada um.

Por isto, o caminho seguro para a conservação da biodiversidade e para a consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação é o da efetiva apropriação social das áreas protegidas, através de ações de educação ambiental, recreação e pesquisa. A utilização de instrumentos jurídico-econômicos não exclui, portanto, o uso de outras estratégias de defesa do meio ambiente, inclusive do princípio de comando e controle, constituindo um sistema interligado e de longo prazo. [39]

Ao fim destas observações, sobressai-se o instrumento analisado como uma política pública em que economia e natureza são "calibradas" pelo direito tributário. O sucesso do programa revela que mesmo um campo jurídico de tradição altamente formalista e regulatória como este possui potencial para ativar energias sociais emancipatórias. O fato de que o ICMS ecológico figura como uma ação de rápida implementação, na medida necessita de pouca atividade legislativa, a baixo custo, para o Estado e a sociedade, além de ter sua eficiência comprovada, localiza este programa como uma estratégia racional para construção do desenvolvimento sustentável.


Referências

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SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano. 2, n.º 2. – Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, Secretaria de Estado da Cultura, Universidade do Estado do Amazonas, 2004.


Notas

  1. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 99-103.
  2. Idem, ibidem, cit. p. 221.
  3. Entenda-se por externalidade negativa todos os efeitos prejudiciais da atividade econômica, desde a extração dos recursos naturais, sua transformação e consumo, que não são calculados e gerenciados pelo agente econômico, sendo estes custos monetários, ambientais e sociais transferidos para a coletividade.
  4. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 47.
  5. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas: o ICMS ecológico. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano. 2, n.º 2. – Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, Secretaria de Estado da Cultura, Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 20.
  6. FRANCO, Décio Henrique; FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes. Os impostos ambientais (taxação ambiental) no mundo e no Brasil: o ICMS ecológico como uma das opções de instrumentos econômicos para a defesa do meio ambiente no Brasil. Disponível em: <http://www.fav.br>. Acesso em 15 jan. 2009, p. 250.
  7. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico na Conservação da Biodiversidade no Estado do Paraná. Curitiba: 2002. Tese de doutorado na área de concentração em Economia e Política Florestal. – Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002, p. 28.
  8. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas. cit. p. 21.
  9. GRAU, Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 2ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. Apud. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 33.
  10. Sobre o Estado corretor de externalidades negativas, vide: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit., p. 90ss.
  11. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. cit. p. 148.
  12. Idem, ibidem, p. 152.
  13. RIBEIRO, Maurício Andrés. O princípio protetor recebedor para preservar um bem natural. Revista Eco 21. Disponível em: <http://www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=495>. Acesso em: 26 jan. 2009.
  14. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. – Formatação eletrônica, p. 316.
  15. CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 97ss.
  16. FRANCO, Décio Henrique; FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes. Os impostos ambientais... p. 249.
  17. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo Malheiros, 2007, p. 96.
  18. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e políticas públicas. cit. p. 22/23.
  19. Vale ressaltar que os recursos do ICMS constituem a principal fonte de receita própria dos estados.
  20. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS Ecológico.... cit., p. 1.
  21. BONAPARTE, Priscilla. O ICMS ecológico. Rio de Janeiro: 2005. Monografia de graduação em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, p. 35/36.
  22. RIBEIRO, Maurício Andrés. O princípio protetor recebedor para preservar um bem natural. cit.
  23. No Brasil, em catorze estados existem sistemas de ICMS ecológico implantados ou em implantação, são eles: Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Amapá, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Tocantins, Acre, Rio de Janeiro, Ceará e Goiás. Outros dez estados estão atualmente realizando discussões acerca de suas legislações: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Pará, Paraíba, Sergipe, Piauí e Rio Grande do Norte.
  24. PIRES, Éderson. Icms ecológico. Aspectos pontuais. Legislação comparada. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2328>. Acesso em: 30 jan. 2009.
  25. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit. p. 25.
  26. LOUREIRO, Wilson. ICMS Ecológico: incentivo econômico à conservação da biodiversidade, uma experiência exitosa no Brasil, p. 56. Apud SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit. p. 27.
  27. Vale considerar, contudo, a existência de projetos de lei baseados na idéia do ICMS ecológico tramitando há vários anos em vários estados brasileiros sem aprovação.
  28. LOUREIRO, Wilson. O ICMS ecológico na biodiversidade. Disponível em: <http://www.ambiente-brasil.com.br/composer.php3?base=./snuc/index.html&conteudo=./snuc/artigos/icmsm.html>. Acesso em: 20 jan. 2009, p. 4.
  29. LOUREIRO, Wilson. O ICMS ecológico, um instrumento econômico de gestão ambiental aplicado aos municípios. Disponível em:<http://www.sds.am.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2009, p. 4.
  30. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 146.
  31. Com uma área total de 196.400 hectares, o Município de Iguapé foi o maior beneficiado no ano de 2003, com um montante de R$ 2.195.037,41 de repasse. Em segundo lugar está o Município de Barra do Turvo, com R$ 2.006.794,65, seguido por Eldorado, que recebeu R$ 1.919.357,28. Nos três casos, o repasse da porcentagem do ICMs Ecológico supera a receita própria dos municípios que, respectivamente, soma R$ 2.050.961,00, R$ 113.147,00 e 401.636,00. (BITENCOURT, Mayra Batista. el. al. Preservação ambiental como fator de desenvolvimento econômico: o ICMS ecológico em São Paulo. Disponível em: <http://www.sober.org.br>. Acesso em: 23 jun. 2009, p. 9.).
  32. CAMPOS, Léo Pompeu de Rezende. A reforma tributária e o meio ambiente. Disponível em: <http://www.amda.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2009.
  33. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 17.
  34. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit., p. 102.
  35. No Amazonas, em especial, contabilizando-se somente as unidades de conservação públicas estaduais e federais, chega-se a um total de 39,6 milhões de hectares de áreas protegidas (http://www.florestaviva-extrativismo.org.br).
  36. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 144.
  37. BITENCOURT, Mayra Batista. et. al. Preservação ambiental…. cit., p. 10/11.
  38. SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental. cit., p. 26.
  39. LOUREIRO, Wilson. Contribuição do ICMS ecológico.... cit. p. 2/3.
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Sobre o autor
João Carlos Bemerguy Camerini

Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogado em Santarém/PA e assessor jurídico da Terra de Direitos, Organização de Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMERINI, João Carlos Bemerguy. Os instrumentos jurídico-econômicos e a construção do desenvolvimento sustentável.: Uma reflexão sobre o ICMS ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2330, 17 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13864. Acesso em: 28 dez. 2024.

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