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Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo

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19/11/2009 às 00:00
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11. A lei inconstitucional e a modulação temporal dos efeitos. Embora não esteja inscrita em nenhum diploma integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, prevalece, entre nós, a regra de que a supremacia da Constituição acarreta, de modo inexorável, a nulidade de todas as leis com ela incompatíveis.

Sem embargos a essa regra, a Lei nº 9868, de 1999, que dispõe sobre o "Processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal", tornou possível, no seu art. 27, a modulação temporal dos efeitos da decisão concernente à inconstitucionalidade, para resguardar a segurança jurídica ou manter incólume relevante interesse social.

Esse sistema, ao qual se mantiveram atentos outros países, como se depreende da positivação legislativa ou da construção pretoriana por eles empreendida, consolidou-se nos sistemas alemão, austríaco, espanhol e italiano que, concordes com as inspirações do próprio direito comunitário, limitam, no tempo, os efeitos da decisão que declara a invalidade da lei, em decorrência da sua incompatibilidade com a Carta Política.

A Constituição Portuguesa, art. 284, pela qual, no particular, modelamos a Lei nº 9868, de 1999, art. 27, autoriza o Tribunal Constitucional a modular os efeitos das decisões sobre inconstitucionalidade, de modo a permitir a plena realização da segurança jurídica ou a garantir a inteireza de interesses sociais relevantes, mostrando, assim, que essa permissão tende a expandir-se por ordenamentos jurídicos que ainda não a contemplam, onde, decerto, mais cedo ou mais tarde irão consolidar-se.

A dúplice motivação, encampada pela Lei nº 9868, de 1999, art. 27, leva a uma conclusão certa e indestorcível: a modulação temporal dos efeitos, longe de alentar-se em razões de política judiciária, tem supedâneo constitucional próprio, pois, não raro, com esse instituto se protegem direitos fundamentais. Dito por outras palavras: para mitigar os efeitos da nulidade da lei, é necessária, por parte do julgador, uma rigorosa ponderação, que, lastreada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a segurança jurídica ou o relevante interesse social, que devem ser concretamente identificados e analisados.

Esse aspecto, que restou observado pelos professores Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, na obra Curso de Direito Constitucional (ed. Saraiva – IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público -, 2ª ed., 2008, págs. 1267/1268), vem sendo assinalado pelo Excelso Pretório, na solução dos casos emergentes, como se tem da (i) decisão proferida ao ensejo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade objeto do Processo sob nº 3819 – 2, relator o Ministro Eros Grau (DJU 28.03.2008), que diferiu a produção dos seus efeitos para os seis meses posteriores ao julgamento, com o objetivo de salvaguardar a situação de servidores admitidos sem concurso público, em homenagem à segurança jurídica, e (ii) do acórdão que manteve o Município de Luiz Eduardo Magalhães, no Estado da Bahia, cuja criação deixara de render-se a regra inserta na Constituição Federal, art. 18, § 4º.

Afora isso, a modulação requesta o cumprimento de uma formalidade procedimental, exigindo a norma de regência que, em favor da submissão dos efeitos da decisão a balizas temporais, incompatíveis com a radicalidade que alguns querem embutir na declaração de invalidade do ato normativo, posicionem-se dois terços dos integrantes do Tribunal, que formam um quorum qualificado e, portanto, apurável conforme o critério especificamente positivado.

Do manejo da modulação temporal, pela Suprema Corte, pode resultar:

(i) a declaração de inconstitucionalidade, com a produção de efeitos ex nunc, ou a partir do trânsito em julgado da decisão;

(ii) a declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro, que supõe a suspensão da eficácia da decisão pelo tempo demarcado na sentença; e

(ii) a declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade, que possui eficiência para suspender a aplicação da lei e o trâmite dos processos pendentes por período razoável, para que o órgão legislativo, nele, ajuste o direito positivo à Carta Política.

No primeiro caso (i), ficam apagados os efeitos passados da lei considerada inconstitucional, que será eliminada do tráfico jurídico a partir do trânsito em julgado da decisão, em obséquio à segurança jurídica, que precisa nutrir-se, concretamente, de um valor ou princípio alçado à dignidade constitucional.

Na hipótese figurada em segundo lugar (ii), a lei, apesar de declarada inconstitucional, continua a ser aplicada no prazo estipulado pelo Tribunal, após o qual deve ser eliminada. Esta solução tende a assegurar, ao legislativo, lapso temporal suficiente para a superação do defeito de inconstitucionalidade, com o consequente ajustamento do modelo jurídico à ordem constitucional, reclamando do Judiciário, portanto, especial atenção a essa peculiaridade.

Na terceira das situações pensadas (iii), é possível que não possa o Tribunal expungir a lei do ordenamento jurídico, pois, se assim o fizesse, estaria suprimindo uma vantagem ou um avanço considerável, como ocorre, por exemplo, com os maus tratos infligidos ao princípio isonômico. Para colmatar o impasse, pode afigurar-se conveniente, após um severo juízo de proporcionalidade, declarar a inconstitucionalidade, sem obstáculo, contudo, à vigência da lei, que congelará a situação existente até a superação, pelo legislativo, desse segmento do ordenamento jurídico.

O decurso do tempo poderá levar, outrossim, ao emprego da modulação no controle difuso de inconstitucionalidade, com a delimitação, pelo Juiz ou Tribunal de Segundo Grau, dos efeitos da decisão que vier a afastar o contendor do âmbito de incidência do ato normativo acoimado de inconstitucional. Todavia, como permanecem separados e distantes os processos em que se exercem os controles concentrado e desconcentrado, é possível que a declaração abstrata da inconstitucionalidade, com efeitos ex nunc, conduza a uma intolerável generalização da insegurança jurídica, que é, precisamente, a consequência que a Lei nº 9868, de 1999, art. 27, pretende evitar. Para obviar essa situação, basta que o Supremo Tribunal Federal, ao dar pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, ressalve os casos concretos já decididos, ou que estejam sub judice até o seu ajuizamento, sem prejuízo de outras ponderações que à Corte parecerem necessárias, ou apenas oportunas.

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Essa proposição revela-se eficiente, até que se demonstre o contrário, para solucionar a difícil convivência entre os modelos abstrato e difuso, admitidos, de há muito, pelo modelo brasileiro de controle de constitucionalidade.

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Sobre o autor
Eduardo Antônio Dantas Nobre

Subprocurador Geral da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Eduardo Antônio Dantas. Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2332, 19 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13878. Acesso em: 16 nov. 2024.

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