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A eficiência como princípio orientador da atividade administrativa

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20/11/2009 às 00:00
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5. O princípio da eficiência na ótica jurisprudencial

A jurisprudência não se dissociou do posicionamento doutrinário, e tem proferido julgados em que o não atendimento ao dever de eficiência dá ensejo à invalidade do ato administrativo ou à declaração de ilegalidade do mesmo.

Claro exemplo pode ser verificado na decisão do Tribunal de Contas da União, na qual se apontou ofensa ao princípio da eficiência no ato do Poder Executivo local que manteve, durante o prazo de um ano, os recursos públicos federais por si recebidos em conta-corrente, o que ocasionou desvalorização do montante em face da inflação do período.

TCU - Acórdão 304/2001 - Primeira Câmara

Ementa: Prestação de Contas. Royalties. Prefeitura Municipal de Dias D'' Ávila BA. Recurso de reconsideração contra acórdão que julgou irregulares as contas e multou o responsável, ante a não utilização dos recursos depositados na conta-corrente da prefeitura. Ausência de fatos novos. Negado provimento.

Das razões do acórdão, extrai-se:

No caso em exame, a atitude da responsável, de deixar recursos públicos parados na conta-corrente da Prefeitura, em período de elevada inflação, não se revestiu de razoabilidade, pois, com isso, o valor real da verba foi severamente reduzido, impossibilitando a consecução dos fins a que se destinava, com prejuízos para a coletividade. A propósito, o INPC, índice de preços calculado pelo IBGE, registrou, em 1993, inflação anual de 2.489%.

Assim, ao optar por simplesmente não utilizar os recursos e deixá-los serem corroídos pela inflação, a responsável adotou atitude ilegítima, que não atendeu ao interesse público, fazendo jus à punição aplicada por esta Corte.

Quanto à alegação de inexistência de ato ilícito, é importante enfatizar que o Tribunal de Contas da União exerce o controle externo de toda a Administração e a fiscalização engloba aspectos atinentes à legalidade, legitimidade e economicidade, conforme previsto no art. 70, caput, da Constituição Federal de 1988.

Desse modo, a violação ao princípio da economicidade é, por si, motivo bastante para o julgamento pela irregularidade das contas e para a aplicação de multa, nos termos estabelecidos nos arts. 16, inciso III, alíneas b e c, e 58, inciso III, ambos da Lei 8.443/92. (Sem grifos no original)

O julgado colacionado demonstra fielmente a aplicabilidade do princípio da eficiência como norma balizadora da atividade administrativa.

Em outras acepções o princípio da eficiência também é aplicado. Verifica-se, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reiteradas aplicações desse princípio para determinar o julgamento de causas que há muito aguardam essa determinação

Igualmente, os Tribunais têm condenado a conduta da Administração de não cumprir seus deveres em prazo razoável. Neste sentido, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Mandado de segurança. Reexame necessário. Requerimento de licença ambiental. Inércia da administração pública. Princípio da eficiência. Aplicabilidade. Sentença mantida.

A prestação de serviço público em qualquer de suas modalidades reclama a adoção de critérios e formas comprometidas com a legalidade, publicidade e eficiência. Nesta concepção, toda a disciplina jurídica voltada para gestão pública tem por fundamento a intenção de bem servir.

Tal, contudo, não significa mitigar o sistema normativo. A idéia central do enfoque relacionado ao princípio da eficiência é privilegiar a racionalidade na prestação de serviços à população e ao próprio sistema econômico do país.

Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2008.079374-5, de Capital Relator: Pedro Manoel Abreu. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público Data: 29/07/2009

Percebe-se que o Poder Judiciário está atento à efetividade da prestação administrativa, tanto é que tem condenado o Poder Público pela inércia na prestação dos serviços que lhe é cabível, como exemplifica o julgado supracitado.

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça protege o direito dos administrados em face da inércia administrativa, conforme demonstram os excertos [31]:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA RAZOABILIDADE. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

[...]

2. Fica caracterizada a omissão da autoridade impetrada uma vez que, encontrando-se o processo administrativo do impetrante em trâmite regular desde 06/02/2003, quando os autos foram encaminhados à Comissão de Anistia, não se determinou a sua conclusão para decisão.

[...]

4. Não obstante o grande número de processos submetidos àquele órgão, não se justifica uma demora de mais de cinco anos, e "não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes ajuizados com a finalidade de reparar injustiças outrora perpetradas." (acórdão supra.citado).

5. Segurança parcialmente concedida para que a autoridade impetrada profira, no prazo de 60 (sessenta) dias, decisão no processo administrativo do impetrante, como entender de direito.

MS 13322 / DF. Relator Ministro JOSÉ DELGADO. Órgão Julgador PRIMEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 28/05/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 16/06/2008

Igual postura mantém o Colendo Tribunal ao analisar a concessão de outorga de serviço de radiofusão, verbis:

ADMINISTRATIVO - SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO - OUTORGA DE RÁDIO COMUNITÁRIA: LEI 9.612/98 E DECRETO 2.615/98 - DEMORA INJUSTIFICADA - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA EFICIÊNCIA.

1. A Lei 9.612/98 criou um novo sistema de radiodifusão, facilitou a concessão, mas não dispensou a autorização prévia, que é obrigatória.

2. Contudo, na linha da jurisprudência que tem se firmado nesta Corte, com base nos princípios da moralidade e da eficiência, é possível a excepcional intervenção do Poder Judiciário, a fim de determinar que a autoridade competente aprecie o pedido de outorga de funcionamento da rádio comunitária no prazo de trinta dias.

Precedentes da Primeira Seção: MS 7.765/DF, DJ de 14/10/2002, e MS 11.563/DF, DJ de 07/08/2006.

3. Recurso especial parcialmente provido.

REsp 983077/SC. Relator(a) Ministra ELIANA CALMON. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 11/11/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 27/11/2008

No atual cenário, é imperativo que as administrações municipais busquem soluções eminentemente eficientes. E, por eficientes, devem-se entender medidas ágeis, que respondam à provocação dos administrados, sob pena de serem acionadas judicialmente em decorrência de sua mora.

Outra face de aplicação da eficiência situa-se na sua utilização como critério a pautar a discricionariedade administrativa, conforme exemplifica o prejulgado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina:

Prejulgados

1581

1. O período de vigência do convênio pode ser compatível com os prazos estabelecidos no plano de trabalho previamente aprovado pelo concedente, ainda que abrangendo exercícios financeiros distintos, em atendimento aos princípios constitucionais da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal) e da economicidade (art. 70, caput, da Constituição Federal), não se aplicando a regra do art. 57, incisos I e II, da Lei Federal nº 8.666/93, sendo porém obrigatória a fixação de prazo de vigência (§ 3º do art. 57 da Lei Federal nº 8.666/93). Os recursos deverão ser transferidos em parcelas, em conformidade com o cronograma de desembolso e a previsão de execução das metas do plano de trabalho. Quando o instrumento do convênio tenha vigência plurianual, as despesas correspondentes deverão ser empenhadas em cada exercício, pela parte a ser nele executada, com previsão orçamentária para os exercícios em que se estender o convênio, conforme disciplinado no art. 8º, e seus parágrafos, do Decreto Estadual nº 307/2003 e suas alterações posteriores.

[...]

Processo: CON-04/03646740

Parecer: COG-268/04

Decisão: 2492/2004

Origem: Secretaria de Estado da Fazenda

Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos

Data da Sessão: 08/09/2004

Data do Diário Oficial: 10/11/2004

Por fim, encontra-se nas decisões judiciais a confirmação de regularidade oriunda da utilização da eficiência como requisito para pagamento de gratificação a servidores públicos.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL. RETRIBUIÇÃO ADICIONAL VARIÁVEL. PAGAMENTO DE ACORDO COM CRITÉRIOS DE EFICIÊNCIA DEFINIDOS EM REGULAMENTO. LEGALIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Nos termos da Lei 7.711/88, o pagamento da Retribuição Adicional Variável – RAV seria realizado de acordo com a eficiência da atividade fiscal, cujos critérios seriam estabelecidos por meio de regulamento. Desta forma, não há ilegalidade nas regras estipuladas nos Decretos 97.667/89 e 98.967/90 e Portarias 60/89 e 209/89, que previam que a RAV seria paga de acordo com a participação no produto da arrecadação de multas, performance no atingimento das metas e produtividade do corpo funcional.

2. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a fixação dos critérios para pagamento da RAV faz parte do poder discricionário da Administração, cujo reexame é vedado ao Poder Judiciário.

3. Recurso especial conhecido e improvido.

REsp 581073/MG. Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA. Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data do Julgamento 20/11/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 11/12/2006 p. 409

Segundo o entendimento jurisprudencial, a eficiência, neste caso, insere-se no âmbito da discricionariedade administrativa como critério a mensurar o melhor aproveitamento da atividade desenvolvida pelos servidores.


6. A eficiência aplicada à gestão pública

Devidamente tecidas as lições acerca do conceito, alcance e demais aspectos do princípio da eficiência, cabe pontuar sua aplicação na gestão pública.

Conforme já delineado, a constitucionalização da eficiência tornou-a mandamento a ser seguido na condução da coisa pública. Desta feita, cabem algumas notas acerca de possíveis técnicas e políticas que têm como foco a primazia deste postulado.

A Administração Pública Gerencial é calcada na eficiência administrativa. Por isso, imprescindíveis as orientações feitas por Luis Carlos Bresser-Pereira, que a divide em três categorias: a técnica, a econômica e a política.

A "Técnica" é caracterizada pela: 1. passagem do controle de procedimento para o controle de resultados; 2. tentativa de redução do custo do serviço público; 3. máxima preocupação com o controle financeiro; 4. grande relevância conferida à avaliação de desempenho dos funcionários; 5. disposição ao cumprimento de metas; 6. ampliação da autonomia de gestão; e 7. avaliação das performances. A "Econômica" é pautada pela: 1. alocação de um controle por competição administrada; 2. criação dos "quase-mercados"; 3.administração por contrato; 3. gestão pela qualidade total. E a "Política" refere-se à existência de controle social e à consideração do cidadão como um cliente [32].

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As lições transcritas cristalizam a mudança de paradigma, que busca alterar a burocracia enraizada na Administração Pública brasileira ao visualizar o cidadão como cliente, por exemplo. A adoção dessa postura é altamente recomendável aos Entes Municipais, pois que revelam respeito ao contribuinte e colocam a Administração como prestador de atividades-fim definidas constitucionalmente, que têm como finalidade o alcance do interesse público.

Outrossim, Emerson Gabardo também cita as oportunas lições do professor norte-americano Joseph P. Harris, da Universidade de Bolonha, que, em curso de especialização em Ciência da Administração ministrado em meados do séc. XX, trazia lições atualíssimas que tinham por base o ideal de eficiência na organização administrativa:

O "princípio do escalonamento do pessoal" (que facilita a programação, a coordenação e a especialização, a fim de "obter um resultado eficiente e uma máxima utilização do pessoal e dos meios a disposição"); o "princípio da base funcional" (que afirma a necessidade de estruturação da organização tendo em vista a função que ela se propõe realizar);o "princípio da divisão das atividades consultivas e executivas" (pois a atividade consultiva é de grande importância para a organização nas atividades de escutar, conciliar, assistir e opinar, sem que exista relação hierárquica com a executiva, cujas funções são planejamento, controle, produção técnica, etc); o "princípio da unidade de comando" (deve-se saber exatamente de quem é a autoridade final de comando, bem como a responsabilidade inerente ao exercício da função); o "princípio da definição clara de funções" (que produz maior senso de unidade e maior coordenação, pois uma organização eficiente requer clareza, precisão e boa definição de atribuições); em ainda, cabe mencionar o "princípio da especialização" (que implica uma correta atribuição de funções a quem possa realizá-las da melhor forma, por ser mais experto). [33]

Ao se tentar definir os elementos que caracterizam a eficiência, está-se por delinear os itens que devem ser perseguidos pela Administração para a consecução desse objetivo. Para tanto, utilizar-se-ão as lições de Alexandre de Moraes [34], que divide o princípio em 8 elementos, quais sejam:

- direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum: conforme o que determina o art. 3º, IV, da Constituição Federal, a promoção do bem de todos é um dos objetivos da República brasileira. O autor destaca que, como objetivo inserto no texto constitucional, tal ditame constitui "vetor de interpretação" na edição e aplicação de leis e demais atos normativos. Esse valor poderia ser traduzido na obediência ao interesse público;

- imparcialidade = "a atuação eficiente da Administração Pública exige uma atuação imparcial e independente" [35];

- neutralidade = a Administração deve estar isenta de valores na ponderação dos interesses em conflito;

- transparência = a esse respeito, manifesta-se o autor:

O princípio da eficiência da administração pública pretende o combate à ineficiência formal, inclusive com condutas positivas contra a prática de subornos, corrupção, e tráfico de influência. Essa transparência, no intuito de garantir maior eficiência à administração pública, deve ser observada na indicação, nomeação e manutenção de cargos e funções públicas, exigindo-se, portanto, a observância tão-somente de fatores objetivos como mérito funcional e competência. [36]

- participação e aproximação dos serviços públicos da população = este elemento caracterizador do princípio da eficiência está ligado ao princípio da gestão participativa que, por sua vez, decorre dos princípios da soberania popular e da democracia representativa, previstos no caput do art. 1º, da Constituição Federal. A Emenda Constitucional nº 19/98 trouxe nova redação ao art. 37, §3º e previu que lei disciplinará formas de participação do cidadão na administração pública direta e indireta;

- eficácia = divide-se em dois aspectos: material e forma. A primeira diz respeito ao cumprimento, pelos entes administrativos, das funções que lhes são inerentes, enquanto a formal se relaciona ao curso do processo administrativo, quando há dever de impulso ou resposta por parte da administração;

- desburocratização = é imperativo que, na busca pela eficiência, abandone-se a lógica da burocracia, dos atos viciados, demorados,divorciados dos interesses da população;

- busca da qualidade = condiz com a otimização dos resultados pela aplicação de determinada quantidade de recursos e esforços. O art. 27, da Emenda Constitucional nº 19/98 determinou que o Congresso deveria elaborar, em 120 dias de sua promulgação, lei de defesa do usuários de serviços públicos, de modo a prestigiar a busca pela qualidade em sua prestação.

Todos os elementos supracitados, que integram as faces da eficiência, devem ser perseguidos na atividade administrativa, a fim de que sejam obtidos resultados melhores, com menor dispêndio financeiro e de esforços. São essas as metas que se sugere aos gestores públicos.

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Sobre a autora
Amana Kauling Stringari

Bacharel em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC, Pós-graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública pela Faculdade Anita Garibaldi. Advogada associada ao Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados S/C.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STRINGARI, Amana Kauling. A eficiência como princípio orientador da atividade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2333, 20 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13882. Acesso em: 18 abr. 2024.

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