RESUMO
Com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, o princípio da eficiência passou a integral o rol de mandamentos norteadores da atividade administrativa. Este princípio traz em si o conceito de otimização dos atos administrativos, visando o menor dispêndio de recursos públicos. E, sendo norma constitucional, sua observância passou a ser item exigível por parte dos administradores públicos. Neste sentido, busca-se atentar os gestores públicos para a importância de a Administração Pública ser pautada pela incessante busca da eficiência, devendo referido princípio figurar como princípio orientador da atividade administrativa.
Palavras-chave: Eficiência; Dever; Aplicabilidade; Gestão Pública.
O atual contexto social e econômico, originado pela crise no mercado financeiro norte-americano [01], demanda a adequação das políticas públicas à nova realidade orçamentária.
Esta alarmante situação enseja a atuação do Poder Público, a fim de contornar as adversidades e ainda assim atingir a consecução do interesse público [02]. Dentro desse cenário, surge a oportunidade propícia para a melhoria da atuação administrativa, através da escolha de políticas públicas mais eficientes. Entende-se que o foco no princípio da eficiência como escopo da atuação do Poder Público possibilita a melhoria da atuação administrativa. É com este objetivo que serão apresentadas as lições a seguir.
1. A origem do princípio da eficiência
A observância à eficiência dos atos administrativos já continha previsão implícita anterior à EC 19/98. O Decreto-Lei 200/67 já trazia referências ao controle de resultados da atividade administrativa [03]. E a Constituição Federal de 1988 contém, em seu art. 74, II [04], a previsão da eficiência como quesito de avaliação pelos órgãos de controle interno [05].
A inserção do princípio da eficiência, através da Emenda Constitucional nº 19/98, veio acompanhada de uma ampla reforma estatal, destinada à reforma do modo de intervenção estatal [06], voltando-o para o modelo gerencial.
Ademais, necessitava-se atender à urgência de atualização do modelo de Estado Social que, lento e burocrático, não mais se adequava às demandas sociais, políticas e econômicas do momento.
O crescimento da Administração Pública do Estado social, destinado a garantir de forma direta o bem-estar, criou uma máquina burocrática de prestação de serviços ‘inchada’ e ineficiente que conduziu a um processo de busca por soluções no âmbito da iniciativa privada, seja através da tendência para o recurso às formas jurídico-privadas de organização e atuação da Administração Pública, seja através da importação para o setor público, em especial o setor de prestação de serviços, de técnicas e conceitos de gestão e avaliação de resultados operados pelas empresas do setor privado [07].
Os objetivos perseguidos pela reforma administrativa podem ser extraídos da Mensagem Presidencial 886/95, convertida na Proposta de Emenda Constitucional nº 173/95, a qual deu origem à EC 19/98:
Incorporar a dimensão de eficiência na administração pública; o aparelho do Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte", e "enfatizar a qualidade e o desempenho nos serviços públicos: a assimilação, pelo serviço público, da centralidade no cidadão e da importância da contínua superação de metas desempenhadas, conjugadas com a retirada de controles e obstruções legais desnecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos" [08].
Inicialmente nominado "qualidade dos serviços prestados [09]" o princípio da eficiência passou a ser de observância obrigatória na atividade administrativa e na prestação de serviços públicos dos entes da administração direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
2. O conceito de eficiência administrativa
O conceito do princípio da eficiência é ponto de partida para a análise de sua aplicabilidade. Entre os doutrinadores, o ponto comum diz respeito à conceituação de eficiência como otimização dos meios postos à consecução do interesse público. Entretanto, há aqueles que veem neste princípio uma indissociável natureza econômica, a ver-se:
O Estado deve maximizar as receitas dentro dos limites éticos e de capacidade econômica e contributiva dos cidadãos e gerenciar o orçamento fiscal e monetário com a maior rigidez e disciplina possíveis, ou seja, o investimento, a repartição de receitas intergovernamentais, administração estratégica das empresas estatais, de pessoal, etc., têm que realizar de forma compatível e possível com as receitas e a realidade político-econômica do país. [10]
[...] a eficiência administrativa, como corolário da economicidade, tem uma vertente de maximização do recurso público a ser despendido pela Administração Pública, pelo que, para ser eficiente, a atividade administrativa empreendida deverá trazer benefícios para a coletividade compatíveis com o montante de recursos públicos despendidos. [11]
[...] o princípio da eficiência [...] orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível. [12]
Porém, para a maior parte da doutrina, a eficiência abrange um conceito maior, entendido como a busca pela melhoria na administração. Assim o diz Gilmar Mendes:
Esse princípio consubstancia a exigência de que os gestores da coisa pública não economizem esforços no desempenho dos seus encargos, de modo a otimizar o emprego dos recurso que a sociedade destina para a satisfação das suas múltiplas necessidades; numa palavra, que pratiquem a ‘boa administração’, de que falam os publicistas italianos [13].
E Paulo Modesto:
Exigência jurídica, imposta aos exercentes de função administrativa, ou simplesmente aos que manipulam recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização de finalidades públicas assinaladas por lei, ato ou contrato de direito público [14].
As características do princípio da eficiência são sintetizadas por Alexandre de Moraes como o direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade [15].
Não obstante as conceituações colacionadas divirjam em relação ao foco econômico conferido à eficiência, entende-se que não se pode negar que um ato administrativo será tão mais eficiente quanto consiga o melhor atendimento à sua finalidade com o menor dispêndio financeiro possível. É imprescindível que a Administração Pública busque mecanismos que confiram maior alcance do ato administrativo. Tanto melhor se isso resultar na redução dos custos da própria atividade administrativa. Como exemplo, tem-se a utilização da modalidade pregão nas licitações realizadas pela administração, opção que reduz custos e confere maior segurança à economicidade da aquisição.
A síntese do conceito de eficiência administrativa é apresentada de modo muito preciso por Adilson Abreu Dallari:
Não basta atuar de maneira conforme a lei. Não faz sentido emperrar a Administração para dar estrito cumprimento à literalidade da lei. Agora é preciso mais: A Administração deve buscar a forma mais eficiente de cumprir a lei, deve buscar, entre as soluções teoricamente possíveis, aquela que, diante das circunstâncias do caso concreto, permita atingir os resultados necessários à satisfação do interesse público [16].
Sopesando-se os argumentos colacionados, eficiência pode ser traduzida na opção e no procedimento, dentre os possíveis, que melhor atenda ao interesse público, de forma mais ágil, transparente e atualizada, neste sentido também considerado o aspecto de menor dispêndio dos recursos do erário.
3. O dever de eficiência
A constitucionalização da eficiência dentre os princípios norteadores da Administração Pública, insertos no caput do art. 37, passou a determinar sua obrigatória observância.
Elevar a eficiência à condição de princípio constitucional significa reconhecê-la como diretriz da Administração Pública, no sentido de ordenar, limitar e direcionar a sua atuação. Significa concebê-la como dispositivo que irradia seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, orientando a interpretação e a elaboração de normas jurídicas [17].
Conforme comentado anteriormente, o dever de eficiência constitui a principal característica do modelo de Estado vivenciado a partir da vigência da EC 19/98.
A fixação da eficiência como princípio constitucional modificou o paradigma de interpretação de nosso Direito Administrativo, propiciando cabedal jurídico para impor à Administração Pública uma atuação mais ágil, menos burocrática e, por isso mesmo, mais consentânea à atual sociedade moderna" [18]
As consequências da primazia constitucional desse corolário são apresentadas por Dalton Santos Morais [19] e podem ser assim sintetizadas:
a)Implementação da avaliação de desempenho dos servidores públicos e relativização da estabilidade dos mesmos, em casos específicos;
b)A atuação conjunta entre o Poder Público e a sociedade civil organizada, através das Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIPs) e Organizações Sociais (OS);
c)A instituição de nova modalidade de licitação: o Pregão [20] [21] e o Pregão Eletrônico [22];
d)Promoção do equilíbrio das finanças públicas governamentais, através da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).
Vê-se que as medidas originadas da perspectiva de Estado orientado pela busca da eficiência foram responsáveis por profundas mudanças na atividade administrativa. Especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, que trouxe para a atividade administrativa a responsabilidade fiscal e financeira imprescindível à solvibilidade do erário.
Importa destacar que a referida Lei de Responsabilidade Fiscal prestigia o atendimento ao princípio da eficiência em seu texto, a saber, no art. 67, II, verbis:
Art. 67. O acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da operacionalidade da gestão fiscal serão realizados por conselho de gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade, visando a:
II - disseminação de práticas que resultem em maior eficiência na alocação e execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no controle do endividamento e na transparência da gestão fiscal.
A avaliação periódica dos servidores públicos também contribuiu para a implantação da cultura de eficiência no serviço público. Claro que não se pode olvidar da melhoria das condições e remuneração de cargos estratégicos do serviço público, especialmente o de âmbito federal, o que contribuiu sobremaneira para o incremento das atividades desses profissionais.
4. A aplicabilidade do princípio da eficiência
Apesar do consenso entre os doutrinadores de que o princípio da eficiência possui aplicabilidade normativa [23], há de se definir o alcance desta aplicabilidade. Para tanto, utilizar-se-ão as lições apresentadas por Alexandre Aragão [24], o qual, inicialmente, conceitua:
A eficiência não pode ser entendida apenas como maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbe ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos.
Segundo o autor, com a evolução para o conceito de Administração gerencial, surgiu um grave dilema: "redimensionamento da lei e sua relevância no limite dos resultados alcançados, ou atenção à lei em todos os seus componentes e relevância dos resultados apenas no limite da observância à lei"? [25]. Traduzindo-se, há um dissenso sobre a relevância do princípio da legalidade sobre eficiência, e vice-versa.
À questão apresentada, o autor sugere a seguinte solução: valorizar os elementos finalísticos da lei. Ou seja:
[...] Todo ato, normativo ou concreto, só será válido ou validamente aplicado se, ex vi do Princípio da Eficiência (art. 37, caput, CF), for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir esta, se for pelo menos uma maneira razoavelmente eficiente de realização dos objetivos fixados pelo ordenamento jurídico. [26]
Desta feita, confere-se nova lógica ao princípio da legalidade, finalística e material, sem diminuí-lo em detrimento do princípio da eficiência, de modo a adequá-lo à realidade da Administração Pública atual.
O balizamento da legalidade em face da eficiência não é consenso na doutrina [27], que entende, em maioria, que a eficiência deve ser continuamente perseguida pela Administração Pública, sem ser possível dissociá-la da observância aos demais princípios norteadores da atividade administrativa [28].
Neste mesmo sentido coloca-se Alinie da Matta Moreira [29]:
O princípio da eficiência deve ser empregado como meio de atingir a excelência na aplicação dos demais princípios da Administração Pública. Assim, em conjunto com o princípio da legalidade, ícone do Estado Democrático de Direito, pressupõe que a Administração Pública empregue seus melhores esforços para atuando em conformidade com os ditames legais, alcançar os resultados esperados a partir das funções públicas que lhe foram atribuídas.
E também Vladimir Rocha França, para quem "somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida" [30].
Parece-nos que a proposta apresentada pelo eminente professor Alexandre Aragão coaduna-se melhor ao contexto de administração gerencial, sob pena de nunca ser possível o rompimento com o modelo de administração burocrática e ineficiente ao qual estamos acostumados. É esta a ótica que se propõe às administrações municipais: a utilização de critérios eficientes e econômicos na escolha de políticas públicas e no cotidiano da atividade administrativa.