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Quando o rio Amazonas derramar no rio da Prata.

Mercosul e sua normatização: uma concertação de escolhas e interesses

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22/11/2009 às 00:00
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1. A Nova Conformação Global Pós-Guerra Fria. A Insurgência dos Building Blocks - Escolhas e Interesses.

A queda do Muro de Berlim e a desintegração do bloco soviético, fenômenos ocorridos no final da década de 80, foram movimentos-chave para o fim da bipolarização política e econômica que caracterizava o desenho global. O fim das dicotomias que permeavam o cenário político instaurado após a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, foi concomitante à crescente instabilidade do sistema econômico mundial e às dificuldades de ajustamento, tanto dos países periféricos quanto dos países centrais. Uma das formas encontradas para a solução da crise foi a expansão de acordos regionais e sub-regionais de comércio. Procuraram-se ser desenvolvidas "zonas plurinacionais polarizantes" assim denominadas por GONÇALVES (1992) .

A nova ordem econômica em construção se caracteriza pela globalização dos circuitos produtivos e das correntes de comércio e investimentos, que dão origem a uma extensa rede de interesses interdependentes em torno de espaços econômicos exclusivos, sendo, portanto, um fenômeno do processo produtivo, do movimento de capitais e dos fluxos de comércio. A globalização ocorre em dois níveis. De um ponto de vista mais amplo, ela decorre dos avanços das telecomunicações, que aproximaram nações, povos e idéias, subtraíram temas dos controles estatais e os transformaram em assuntos de preocupação global. Num segundo plano, ela pode ser vista como a multinacionalização das estruturas de produção e de comércio, resultando, de certa forma, de uma estratégia empresarial. A globalização lança em competição crescente, não apenas produtos e companhias, mas também sistemas sociais e tipos de capitalismo, dando origem a fricções e conflitos que inevitavelmente afetarão a era pós-GATT. Outros aspectos da globalização são levados em consideração na formulação de seu conceito por alguns autores, no entanto, somos da opinião que a interpenetração e a unificação dos valores culturais, assim como a homogeinização dos sistemas políticos e jurídicos são efeitos diretos da globalização econômica e financeira e não partes integrantes de seu substrato conceitual.

A nova ordem econômica e jurídica, onde a globalização desempenha papel capital, tende a consolidar uma situação em que os países menos desenvolvidos se defrontam com desafios que colocam em dúvida o próprio sentido das políticas adotadas. Grupos sociais de interesses diversos sentam-se na mesma mesa de forma a discutirem os riscos da inserção e da harmonização normativa de seus países, classificados como de baixa competitividade, e pressionam os seus governos a ratificarem os interesses domésticos na arena internacional (AXELROD, 1970; HETTNE apud INOTAI, 1994; HIRSCHMAN, 1982; PUTNAM, 1988). Disto decorre a assertiva de que os processos de integração regional, de inserção na globalização e de harmonização normativa não dependem apenas de uma orientação governamental, mas de um consenso em torno de interesses e escolhas diversas de diferentes grupos sociais e seus poderes representativos que integram a sociedade civil de um país.

A geografia econômica vem se definindo em torno de blocos e determinando configurações políticas e jurídicas. A formação de blocos tanto econômicos como políticos estão na base de desenvolvimento dos movimentos de globalização e regionalização que caracterizam o cenário internacional. Recentemente, os meios especializados aventaram a formação de duas grandes áreas de livre comércio que, por suas dimensões, poderiam bipolarizar a geografia econômica mundial. De um lado, envolveriam o contorno Ásia-Pacífico a partir da APEC e, de outro, o contexto euro-mediterrâneo, com base na União Européia. Tais possibilidades vêm sendo examinadas em função dos seus efeitos prospectivos para as regras e princípios multilaterais que encabeçam a hierarquia jurídica do comércio mundial.

O avanço dos processos regionais ou sub-regionais de liberalização comercial e integração econômica é uma forma de contribuição para uma maior consistência e peso relativo das economias que isoladamente consideradas não lograriam tal evolução. Diante da tendência irreversível à formação de grupos preferenciais e, no caso do Brasil, de um fato consumado como o MERCOSUL, além da iniciativa brasileira de constituição de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), cabe refletir sobre os meios para se buscar a melhor inserção possível nesse novo quadro de relações comerciais e econômicas, marcado simultaneamente pela globalização e pelo regionalismo. Segundo o diplomata, RUBENS ANTÔNIO BARBOSA (1995), as questões de maior impacto tanto para os países desenvolvidos como para os países subdesenvolvidos em torno da nova dinâmica seriam: as questões relativas ao não acesso ao mercado, ao comércio administrado e ao desvio de comércio; as novas e sofisticadas formas de protecionismo - ambiental, comercial e dumping social [01]; a integração social e a equalização de oportunidades a todos os membros da sociedade; a expansão do emprego produtivo; novas formas de industrialização e divisão internacional do trabalho - revolução da alta tecnologia e da microeletrônica, das telecomunicações, dos semicondutores e dos circuitos integrados; e o próprio papel do Estado. A presença desses impactos no processo de globalização e na integração regional gera a produção de estratégias de ação por parte dos atores e grupos sociais envolvidos. Essas estratégias escolhidas podem influenciar tanto na evolução como na constrição do processo. A inserção de uma determinada região, sub-região ou país na nova ordem econômica e política vai depender diretamente das decisões de seus agentes-membros. Os interesses de grupos diferenciados geram escolhas que podem ser diametralmente opostas, dando origem a um conflito de interesses dos diversos grupos sociais que tendem a maximizá-los e a tentar impor as suas escolhas sobre as dos demais. Os efeitos que possa ter a nova lógica sobre os interesses dos grupos sociais influenciarão diretamente as suas escolhas dentro do processo incentivando-o ou não. Por exemplo, enquanto os detentores dos meios de produção tendem a escolher minimizar os custos trabalhistas e a terem fortes expectativas em relação ao que um maior incremento tecnológico advindo da integração regional e da globalização pode trazer em termos de corte de gastos com recursos humanos, os trabalhadores escolhem reivindicar uma forma de inserção socialmente mais justa onde sejam resguardados os seus direitos através da sua regulamentação. O Estado, por sua vez, tende a escolher ser o mais competitivo possível em relação aos demais e assim não poderá tornar-se se detiver empresas com altos níveis de gasto em suas folhas de pagamento e muito menos com a presença de altos índices de desemprego. As diferentes escolhas dos principais grupos sociais que compõem uma sociedade em vias de globalização e integração regional fazem emergir a necessidade de negociação dos interesses diversos e a efetivação de escolhas que satisfaçam ao menos medianamente todos os atores envolvidos. Evita-se, assim, um jogo de soma zero e o inalcance do interesse coletivo maior, que seria, no caso, a inserção de forma positiva na mundialização [02]. Sob a lógica da ação coletiva de OLSON (1965), a existência de grupos de grande dimensão, heterogêneos e desarticulados interiormente, praticamente impossibilita a satisfação do interesse coletivo. Portanto, em uma sociedade onde as diferenças sociais são mais acentuadas, aumentando a heterogeneidade dos interesses, mais diferentes serão as escolhas dos atores sociais racionais em relação à inserção em uma nova ordem e mais difícil o alcance da mesma, mesmo que representados pelos três poderes. A análise dessas escolhas poderá dar o desenho da forma como dar-se-á ou não este movimento, assim como determinará a forma como atuarão os agentes na dinâmica de suas estratégias e acordos, no somatório de seus custos e benefícios, comprometendo ou não a viabilização da participação desta região no processo global e a harmonização de suas normas com a das normas dos demais paiíses envolvidos. A tendência é, no entanto, que sejam feitas escolhas racionais pelos grupos sociais e pelos seus poderes representativos de forma a não terem todos os seus desejos e expectativas satisfeitas, mas os seus interesses maiores preservados na ordem jurídica vigente. A negociação dos interesses será inevitável, pois os custos da não participação na globalização e na integração regional e da não harmonização normativa serão bem maiores e comprometedores da saúde política e econômica de uma região do que os custos da não inserção e da não harmonização, e nisso reside a não satisfação absoluta dos interesses dos grupos envolvidos.


2. O Caso Latino-Americano. Experiências de Integração Regional

A necessidade de integração das economias latino-americanas foi argumentada pela CEPAL na década de 50, em plena era desenvolvimentista no Brasil. O desenvolvimentismo no Brasil foi caracterizado pelo nacionalismo e pelo protecionismo, portanto, políticas que obstaculizavam uma maior abertura do comércio internacional. O Comitê de Comércio da CEPAL criou um Grupo de Trabalho do Mercado Regional Latino-Americano em fins de 1957. Segundo a interpretação cepalina, a contração da capacidade de importar dos países latino-americanos, que eram extremamente dependentes da importação de máquinas, equipamentos e tecnologia dos países desenvolvidos, limitava a possibilidade de crescimento da região. A saída para esse impasse seria o aprofundamento do processo de substituição de importações, reduzindo-se a dependência do fornecimento desses bens (PRADO, 1992). Seria, portanto, a transferência do processo de substituição de importações da escala nacional para a continental na verificação de VERSIANI (1992). No entanto, os países da América Latina realizaram essa política de substituição de importações em graus diferentes, quando não, totalmente assimétricos. Enquanto o Brasil passava a construir um parque industrial auto-suficiente a partir de 1956, o mesmo não ocorria com os seus países vizinhos. Durante a instalação da ditadura militar nos países do cone sul, esses graus de implementação da industrialização e do protecionismo continuaram a ser acentuadamente diferenciados, muitas vezes em decorrência do nível de sustentação e dependência econômica e política dessas ditaduras em relação aos países centrais.

A partir de 1960 foram assinados vários acordos multilaterais na América Latina, no entanto, poucos resultados foram advindos de tais Tratados devido ao fechamento desses países, em decorrência do autoritarismo e dos interesses externos dos que contribuíam com as ditaduras. Havia uma política de não cooperação interregional dos países da América Latina, de forma que não fossem criadas forças diferenciadas do bipolarismo em que estava inserida a conformação global pós-segunda guerra (PRADO, 1992; GONÇALVES, 1992; ARRUDA, 1992).

Primeiramente, foi assinado em Montevidéu, em 1960, o Tratado da criação da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), havendo sido ratificado por nove países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Posteriormente dois novos países aderiram à ALALC, a Venezuela, em 1966, e a Bolívia, em 1967. Uma das razões colocadas pelos estudiosos para o fracasso da ALALC foi o fato de a mesma não haver conseguido construir um sistema coerente e eficiente que viabilizasse a integração regional. Em agosto de 1980 foi assinado em Montevidéu um novo Tratado que substituiu a ALALC pela ALADI (Associação Latino-Americana de Integração). Uma das características que a diferenciava de sua antecessora era o seu maior grau de flexibilidade e uma maior restrição de seus objetivos, sendo, por isso, tida como mais realista. Apesar disso, os seus resultados não foram superiores aos da ALALC, pois o protecionismo tarifário que caracterizava os regimes autoritários acarretou, segundo PRADO (1992), para os países membros desses acordos, significativos efeitos de desvio de comércio, os chamados trade diversion, que nessas pequenas economias poderiam mesmo superar os benefícios da criação de comércio, os trade creation, decorrente da redução das barreiras tarifárias regionais [03].

Diante da sucessão de fracassos em torno de acordos multilaterais, passou-se a ver as assimetrias entre os países membros desses acordos como um dos fatores-chave para os seus insucessos. Grupos de países, na intenção de procurarem fortalecer as suas economias, passaram a procurar seus similares com características regionais e interesses comuns com fins a fazerem acordos regionais de integração. O Pacto Andino proposto em 1969 pela Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia e o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA) procuravam viabilizar as políticas de substituição de importações empreendidas individualmente por países de maior mercado interno como o Brasil e o México. Os seus principais objetivos eram a constituição de uma união aduaneira, uma planificação industrial comum, uma mesma tarifa exterior, o estabelecimento de uma zona de livre comércio, um mercado comum e a harmonização de políticas macroeconômicas. Assim como nos demais acordos de integração regional, foram os problemas políticos os principais motivos para o sucesso restrito dessas experiências: o golpe militar no Chile em 1973 e a guerra em El Salvador - Honduras em 1970. Estes acontecimentos que geraram as respectivas saídas do Chile e de Honduras dos acordos regionais, foram os pontos culminantes dessas dificuldades.

Países que conseguiram desenvolver as políticas de substituição de importações, como o Brasil e o México com um ostensivo projeto de industrialização interna, foram pouco afetados pelas fragilidades e debilidades dos Acordos Multilaterais celebrados entre as décadas de 60 e 70, fazendo parte do grupo de países que ficaram conhecidos como NICs (países de industrialização recente). No entanto, ainda segundo PRADO (1992), dois fatores desencadeados na década de 80 alteraram esse quadro. Primeiramente, o avanço do protecionismo nos países desenvolvidos, juntamente com a perda relativa de competitividade brasileira, com referência aos NICs de economias mais dinâmicas e mais agressivas da Ásia, e, em segundo lugar, a desorganização da economia doméstica brasileira, produto da crise da dívida, das elevadas taxas de inflação e do impasse provocado pela incapacidade dos governos de implementarem um planejamento consistente da economia nacional.

Como a estabilização macroeconômica tem sido a principal questão na agenda econômica dos países da América Latina desde o início da década de 80, os governos têm utilizado políticas recessivas de redução dos gastos, no contexto de mudanças estruturais objetivando um modelo de ajustamento orientado para fora (GONÇALVES, 1992). Logo, em agosto de 1986, as duas principais potências da América do Sul, Brasil e Argentina, resolveram deixar de lado as suas tradicionais rivalidades para, juntas, comungarem forças e enfrentarem os problemas endógenos comuns e a emergência de novas forças econômicas na corrida de competitividade global. O primeiro passo seria o estímulo do comércio bilateral, posteriormente seguido pela adesão do Uruguai e Paraguai através do Tratado de Assunção de 26 de março de 1991, criando a formação do Mercado Comum do Cone Sul, o MERCOSUL (ALBUQUERQUE, 1991; CASTILLO, 1993; ALMEIDA, 1993; SEITENFUS, 1989; VERSIANI, 1987) .

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No continente americano, com poucas exceções tais como Guiana e Suriname, por exemplo, define-se uma América do Sul conformada por MERCOSUL/Iniciativa Amazônica/Pacto Andino; uma América Central balizada pelo Mercado Comum Centro-Americano; e um Caribe moldado pela CARICOM. Uma América do Norte representada pelo NAFTA fecha o contorno americano.

Em dezembro de 1994, chefes de estado e de governo de 34 democracias do continente americano reuniram-se em Miami com vistas a discutirem o projeto de construção da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. Este encontro foi denominado de Cúpula de Miami e nele foi determinado que até o ano de 2005 seriam concluídas as negociações para a conformação da ALCA. O fortalecimento das relações entre os países do continente por meio do crescimento do comércio intrarregional e dos fluxos de investimentos é indispensável ao processo de inserção plena na economia internacional, pois, assim, os países latino-americanos teriam a oportunidade de recuperarem a importância não apenas no panorama econômico como também político. Quinze anos depois, as escolhas político-econômicas dos governos dos países das américas acenam para uma complexidade ontológica no que tange à constituição do Bloco, numa invencível dificuldade quanto à concertação de interesses onde a grande problemática parece perpassar pela pergunta: quem será o capitão do navio?


3. O Tratado de Assunção. O Advento do Mercado Comum do Sul.

Diante de tantas tentativas frustradas de integração regional desde a ALALC, passando pela ALADI e tantos outros que procuravam a instalação de uma área de interesse e tratavam de recomporem-se, criou-se uma nova estratégia de desenvolvimento que ganhou força tanto no Brasil como em seus países vizinhos. Essa estratégia enfatiza a importância das forças do mercado e do setor privado, ao contrário dos acordos regionais anteriores que valorizavam o controle do Estado, a intervenção econômica e a proteção do mercado interno. Como objetivos primordiais da estratégia que foi batizada de MERCOSUL, através do Tratado de Assunção de 26 de março de 1991, foram traçados: o combate à inflação, a reforma do setor público com ajuste fiscal, desregulamentação e privatização e a abertura da economia aos mercados regionais e mundiais através da liberalização e da integração. O MERCOSUL vem representar uma forte base de oportunidades de comércio e de investimento, sendo um instrumento-chave para a política de ajustamento econômico de seus países-membros. O novo acordo do cone sul tornou-se o pressuposto para a estabilização e modernização dessas economias, assim como a possibilidade de acesso mais competitivo aos mercados mundiais (ARAÚJO Jr, 1993; INMAN, 1997; LECHNER, 1993).

Como os esforços de integração também tendem a fracassar na medida em que a orientação governamental exclui do processo instrumentos de política industrial e de planejamento, o MERCOSUL mobiliza os múltiplos segmentos da sociedade, que vislumbra os seus impactos diretos sobre si. Mesmo tendo um impacto a nível global, o escopo do MERCOSUL, inicialmente, limitou-se a objetivos, princípios e instrumentos concentrados na área de comércio. Este fato levou a reivindicações de grupos sociais, tais como pequenos e médios empresários, trabalhadores rurais e urbanos e grupos vinculados ao movimento popular, no que concerne à expansão da agenda do processo de integração do cone sul, incluindo-se a proteção ao consumidor e ao meio ambiente, direitos humanos e direitos do trabalhador.

Iniciou-se um amplo debate entre as representações sindicais dos quatro países envolvidos, apresentando, o Brasil, a Argentina e o Uruguai uma maior potencialidade para a mobilização de interesses (a Central Unitária de Trabalhadores-CUT/Paraguai, fundada em 1989, tinha pouca capacidade de articulação). Esse processo permitiu que rapidamente a Coordenação de Centrais Sindicais do Cone Sul - CCSCS se tornasse um centro de articulação. Desde o seu primeiro pronunciamento público em dezembro de 1991, a CCSCS via a construção de uma zona econômica integrada como um fator positivo para os seus países, mas analisava criticamente o MERCOSUL e por essa razão reivindicava espaços de participação e negociação regionais. Em documento entregue aos Ministros do Trabalho de cada país-parte, apresentaram a reivindicação da criação urgente de um subgrupo no. 11, que incorporasse a problemática específica das políticas sociais. No final de 1991 foi criado o subgrupo no. 11, destinado a tratar de assuntos trabalhistas. No entanto, os direitos dos trabalhadores que são fundamentais não só do ponto de vista dos movimentos populares e sindicais, mas como enfrentamento do fenômeno do desemprego que assola tanto as economias desenvolvidas como as periféricas, ainda constituem matéria que, ao mesmo tempo que ganham centralidade, passam à marginalização em um momento imediatamente posterior, ou seja, no momento de implementação de reformas, revelando-se aí, uma dificuldade de concertação das partes envolvidas. Apesar dos obstáculos, o comitê técnico para os assuntos trabalhistas, no qual foi transformado o Subgrupo 11, tem pressionado e ajudado bastante para uma coordenação entre as centrais sindicais, e o fato de haver reuniões trimestrais força um mínimo de articulação em torno da matéria. Este Comitê já formulou a proposta de "Carta de Direitos Fundamentais" e tem como plano de ação a formulação de regras que possam vir a constituir um Código Trabalhista para o MERCOSUL (PORTELLA, 1995; FRENCH, 1993; CONTE-GRAND, 1993; BARBAGELATA, 1993). Nota-se através deste episódio como os interesses e expectativas de um grupo social em relação à integração regional foi determinante para a sua nova configuração. Um projeto que era inicialmente de orientação governamental despertou expectativas em relação aos seus impactos, já que o processo de integração não traz apenas efeitos formais, mas materiais em todo o contingente de atores sociais que formam o universo de uma sociedade. Assim como houve a mobilização da classe trabalhadora, os empresários e representantes de demais segmentos da sociedade civil têm-se mobilizado em torno das escolhas a serem feitas dentro do âmbito da Integração Regional através de seus representantes executivos e legislativos. Essas escolhas podem determinar os impactos do processo na medida em que esses serão resultado das decisões tomadas por esses grupos sobre a ação a ser seguida após uma barganha entre os grupos de interesse. Em termos institucionais, em relação aos trabalhadores, criou-se um Foro Consultivo Econômico e Social que busca congregar representantes dos setores empresariais, sindicatos e entidades da sociedade civil para temas vinculados ao MERCOSUL e formulação de propostas específicas (TESCH, 1995; TOKMAN apud WURGAFT, 1995; PEREIRA, 1995). A convergência de interesses entre os governos, representantes dos trabalhadores e empresariado demonstra ser de alta complexidade, exigindo flexibilidade e ponderação entre os atores sociais diversos. As diferentes escolhas feitas em cada um desses grupos em relação ao projeto de Integração Regional levam à inação quando esses interesses não são barganhados satisfatoriamente entre os diferentes grupos sociais representados.

Um outro reflexo de como as escolhas e os interesses de grupos sociais diferenciados têm contribuído diretamente no modelo MERCOSUL foi na forma como os parlamentares dos países-partes criaram expectativas em torno de possíveis ganhos eleitorais em torno de benefícios do projeto em suas zonas eleitorais, ou seja, a medida dos impactos positivos trazidos pelo MERCOSUL a uma determinada região maximizaria os interesses políticos dos que ajudaram ou se nomearam como os verdadeiros viabilizadores de uma determinada política do MERCOSUL que pudesse vir a incrementar a sua agenda de ações públicas. Estas escolhas levaram à estrutura institucional definitiva do MERCOSUL, assinada em 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto onde foi incluída a formação de uma Comissão Parlamentar Conjunta, composta por 16 parlamentares de cada país, tendo a função de procurar acelerar os procedimentos legislativos necessários para a entrada em vigor, em cada país, das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL e auxiliar o processo de harmonização das legislações de acordo com o avanço do processo de integração. Em 9 de dezembro de 2005 foi criado legalmente o Parlamento do Mercosul, o PARLASUL, e a sua primeira sessão foi realizada em 7 de maio de 2007. Sediado em Montevidéu no Uruguai, o órgão democrático-representativo será composto por 90 deputados, 18 de cada país-membro. A grande expectativa gira em torno das eleições em 2010, quando os seus integrantes serão eleitos por voto direto da cidadania do Mercosul.

Quanto ao poder político, a política interna de cada país passa a influenciar sobremaneira nas diretrizes a serem tomadas a nível internacional. Os parlamentares tendem a agir conforme as preferências de seus eleitores, sendo os interesses destes últimos que serão levados em consideração nas escolhas a serem feitas. Portanto, para a harmonização legislativa, serão levadas em consideração os custos e benefícios de uma norma determinada, assim como caracterizarão o tipo de arena política em que se darão essas decisões.

É nesse amálgama de diferentes escolhas, interesses e intenções, que se solidifica o MERCOSUL. O nível de concertação dos diversos grupos sociais determinará a sua força diante de outros mercados e, principalmente, na formação da ALCA. Os conflitos entre as escolhas e os interesses podem atravancar o processo, mas fazem-no existir de forma plena, ao contrário das outras tentativas de integração regional na América Latina, esmaecidas pela ausência de envolvimento dos demais interesses da sociedade. E que oxalá as águas do Amazonas sejam prata.

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Sobre a autora
Andrea Almeida Campos

Professora de Direito da Universidade Católica de Pernambuco. Doutoranda. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Andrea Almeida. Quando o rio Amazonas derramar no rio da Prata.: Mercosul e sua normatização: uma concertação de escolhas e interesses. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2335, 22 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13892. Acesso em: 19 abr. 2024.

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