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IPTU progressivo. Aplicação para fins de garantia da função social da propriedade

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1. Tem por escopo o presente trabalho definir, a partir do cotejo dos preceitos e princípios normativos insertos na Constituição Federal de 1988, a possibilidade da imediata aplicação do Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo como forma de garantir a eficácia da disposição normativa posta no art. 5º., XXIII, da Carta Política.

2. Solucionar a questão acima declinada somente se faz possível a partir de interpretação sistemática das disposições constitucionais pertinentes, mormente no que se refere àquelas insculpidas no art. 156, § 1º., e 182, § 4º..

3. Ao definir as competências dos Municípios no campo tributário, assim quedou vertido o art. 156 da Carta Política:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - a propriedade predial e territorial urbana;

...................

§ 1º. O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

4. As normas constitucionais concernentes ao fenômeno da tributação têm, a exemplo daquela acima transcrita, natureza de regramentos definidores das competências legislativas das pessoas jurídicas de direito público interno integrantes da República Federativa do Brasil.

Neste sentido, restaram postas na Carta Constitucional limitações ao poder de tributar e, ademais, as competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para instituir e cobrar tributos.

Não se pode olvidar, na análise das competências constitucionalmente estabelecidas, principalmente no que atine àquelas afetas aos municípios, o preceito normativo albergado no art. 30, item III, da Carta Magna:

"Art. 30. Compete aos Municípios:

..................................

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei."

5. Aos municípios é expressamente atribuída pela Constituição Federal, portanto, exclusiva competência para instituir e arrecadar os tributos a ele adstritos e, especificamente em razão do teor do art. 156 daquele Estatuto Político, a este ente federado está afeta a competência para instituir e cobrar imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, podendo torná-lo progressivo com o escopo de assegurar o cumprimento da função social da propriedade (art. 156, § 1º.):

"IPTU - Progressividade - Lei Municipal que adota o sistema de alíquotas graduais progressivas por classes de valor venal - Função social da propriedade - Constitucionalidade - Aplicabilidade do art. 156, I e § 1º., da CF.

Lei Municipal que adota o sistema de alíquotas graduais progressivas por classes de valor venal na apuração do IPTU, para assegurar a função social da propriedade, não pode ser considerada inconstitucional por falta de definição em lei federal sobre o que seja função social da propriedade, pois a própria CF, ao estabelecer em seu art. 156, I e § 1º., que compete aos municípios instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana - e tais podem ser progressivos de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade -, não impôs a edição de qualquer norma de caráter federal para tal finalidade."

(TACivSP, Ap. 632.800-9, 5ª. Câm., j. 21.08.96, Rel. Juiz Joaquim Garcia, v.u., RT 734/356)

6. O questionamento acerca da possibilidade de utilização do instituto do IPTU progressivo definido no § 1º., do art. 156 da Carta Política, tem arrimo no teor da disposição existente no art. 182, § 4º., daquele Estatuto:

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

...........

§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação como pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais."

7. Estaria a competência dos municípios prevista no art. 156, I e § 1º., para instituir, através de lei específica, IPTU progressivo com o fito de assegurar o cumprimento da função social da propriedade, limitada pela necessária promulgação de lei federal?

Entendemos que não.

8. A Constituição Federal, em seu art. 156, I e § 1º., conjugado com o art. 30, III, é expressa ao atribuir aos municípios, de forma exclusiva, a competência para instituir e arrecadar imposto sobre a propriedade urbana, assim como, através desse tributo garantir o cumprimento da função social da propriedade:

"IPTU - Progressividade - Norma que discrimina a setorização imobiliária, separando os imóveis residenciais dos demais, e depois, em cada um dos grupos estabelece faixas com base no valor venal. Fim social atendido - Legalidade - Inteligência da Lei Municipal 10.921/90 e 156, § 1º., da CF. IPTU - Progressividade - Lotes não edificados - Faculdade do poder público instituir além da progressividade prevista no § 1º., do art. 156, da CF, outra, para forçar o proprietário a dar a devida destinação ao imóvel."

(TJSP, Ap. 491.019-8, 5ª Câmara, j. 24.11.93, Rel. Juiz Silvio Marques Neto, v.u., RT 701/87).

9. O regramento ínsito no art. 156, § 1º., da Constituição Federal tem a precípua função de garantir o cumprimento da função social da propriedade - princípio instituído no art. 5º., XXIII - não sendo possível a ente federado outro restringir ou limitar esta competência municipal, dada a plena eficácia do citado art. 5º., XXIII, da Carta Política, e a obrigatoriedade dos municípios de, através de imposto sobre a propriedade urbana progressivo, garantirem tal eficácia:

"A progressividade do IPTU prevista no § 4º. do art. 182, como veremos na secção seguinte, é a progressividade específica para ordenamento das funções sociais da cidade, só podendo ser exercitada através da modalidade ali prevista: a progressividade no tempo. Já aquela referida no § 1º do art. 156 é a progressividade genérica, podendo ser exercitada através de qualquer das modalidades retro-analisadas para assegurar o cumprimento da função social da propriedade, bem como para regular qualquer matéria que se insira no âmbito das atribuições do Município, como já era pacífico na doutrina e jurisprudência.

........................

Positivamente, não há como condicionar o exercício da extrafiscalidade genérica (§ 1º. do art. 156) ao exercício da extrafiscalidade específica (§ 4º. do art. 182)."

(Kiyoshi Arada. Sistema Tributário na Constituição de 1988 - Tributação Progressiva. São Paulo, Saraiva, 1991, págs. 233 e 234).

10. Outra ordem de raciocínio impende ser consignada: admitida, por absurdo, a necessidade de, no caso em análise, promulgação de lei federal, pertine perquirir qual seria o conteúdo desta lei e, ademais, questionar a possibilidade de configuração de procedimento invasivo de competência exclusiva dos municípios.

11. De bom alvitre asseverar, reiterando afirmativa adrede expendida, estar afeta à esfera jurídica dos municípios a competência para instituir e cobrar os tributos a eles atribuídos pela Carta Constitucional, dentre eles, o Imposto Predial e Territorial Urbano:

"Agora: condicionar o exercício da lei municipal à preexistência de lei federal, sobre implicar a invalidação do princípio da autonomia municipal, inviabilizará, pondo-a em suspenso, a vinculação do IPTU à sua característica mais eminente, porque desvinculada da mera percepção de recursos financeiros, a de assegurar a função social da propriedade (art. 156, § 1º.)"

(José Souto Maior Borges. "O IPTU como Instrumento de Política Urbana". Revista de Direito Tributário. n. 60, s.d., Malheiros, São Paulo, pág. 67).

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12. A mais do que, expressamente restou posto, na Carta Política, regramento compelindo os municípios a, através da instituição de IPTU progressivo, velar pela observância do princípio da função social da propriedade (art. 156, § 1º.).

Insere-se o referido preceito constitucional naqueles que aos administradores instituem um poder-dever, ou seja, não é submetido ao alvedrio dos administradores públicos a instituição de IPTU progressivo, estão estes, ao contrário, adstritos a assim procederem, como forma de garantir a eficácia, a plena efetivação do princípio da função social da propriedade.

13. Submeter a condição - promulgação de lei federal - o exercício de competência expressamente atribuída aos municípios, contraria, de maneira frontal, o princípio federativo, rompendo a natureza isônoma dos entes federados, que não podem ter suas esferas de competência invadidas pela atuação dos demais.

14. Tal colocação é válida, especialmente, quando do cotejo da questão ora abordada, mormente porquanto não podem ver os municípios tolhida sua exclusiva e inderrogável competência para instituir e cobrar tributos a si vinculados e, principalmente, impedidos de exercitar o poder-dever atribuído pelo regramento insculpido no art. 156, § 1º., da Constituição Federal.

15. Por fim, impende afirmar que todos os elementos e requisitos necessários à instituição do IPTU progressivo, com vistas à efetivação da função social da propriedade, encontram-se insculpidos na Carta Política, não havendo, neste aspecto, conteúdo a ser regulamentado através de lei federal, propagada, por alguns, como pressuposto à instituição da epigrafada exação progressiva:

"Todos os requisitos para a aplicação imediata desse imposto estão constitucionalmente prefixados: a) a sujeição passiva precisamente determinada, o ser proprietário do imóvel; b) âmbito material de validade: solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado e bem assim, c) seu âmbito temporal de validade, posto que recai sobre o IPTU progressivo no tempo."

.................

Essas considerações, que introduzem temperamentos à rigidez e uniformidade com que o art. 182, § 4º. vem sendo interpretado, têm a virtude de evidenciar o erro de não distinguir. Indistinção entre regimes jurídicos diversos, como acima exposto. Não esquecer que, dentre os direitos e garantias individuais auto-aplicáveis, insere-se a função social da propriedade (art. 5º., XXII e XXIII e seu § 1º.). E, pois, no tocante à função social da propriedade imobiliária urbana, o seu instrumento tributário: o IPTU progressivo. Aí, a CF visa o fim (a função social) e os meios (o IPTU)."

(José Souto Maior Borges, ob. cit., págs. 67 e 69).

16. A submissão da eficácia de lei municipal instituidora de IPTU progressivo - tendente à efetivação do princípio da função social da propriedade - à promulgação de lei federal significa: a) invasão de competência exclusiva dos municípios; b) violação do princípio federativo; e, c) quebra da natureza isônoma dos entes federados.

17. Expendidas tais considerações, entendemos auto-aplicável a disposição normativa insculpida no art. 156, § 1º., da Constituição Federal, podendo os municípios, de logo e independentemente da promulgação de lei federal, instituir IPTU progressivo tendente a garantir eficácia à função social da propriedade.

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Sobre o autor
Fábio Henrique de Araújo Urbano

advogado em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

URBANO, Fábio Henrique Araújo. IPTU progressivo. Aplicação para fins de garantia da função social da propriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1391. Acesso em: 18 mar. 2024.

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