5.Possibilidades para uma harmonização tributária
A medida em que falamos sobre o conceito, a importância e a necessidade da harmonização tributária em um bloco econômico em formação, devemos ao final expor as possibilidades ofertadas aos países que os compõe de alterar seu modo de pensar, agir e legislar sobre o assunto que, ao final, irão compor toda uma nova estrutura normativa adequada ao novo sistema e à nova realidade contextual. É importante salientar que estas alterações legislativas e aplicativas, necessárias, de maneira nenhuma devem ser vistas como uma afronta ou uma perda da soberania nacional. As leis são formadas pelo reflexo da necessidade da sociedade. Se um fato ou situação que anteriormente não constituía afronta ao convívio social harmonioso agora o ameaça, o Estado, por seu órgão competente para tal, edita um conjunto de normas com a função de combater essa nova situação. Se futuramente essa realidade for alterada ou extinguida, reformar-se-á ou revogar-se-á a lei que a combateu. Esta é a função da lei: adaptar-se á necessidade do povo que rege. Portanto, uma alteração da legislação tributária brasileira, por força de um tratado internacional, não pode ser considerada uma afronta à soberania, mas sim uma adaptação das regras que a defendem.
Existem conhecidas maneiras de se adaptar as legislações tributárias à nova realidade da globalização. Este é um processo pelo qual todo o globo, se já não se adaptou, eventualmente um dia terá de se adaptar, pensamento que contribui muito para a evolução das ideias neste setor, agora amplamente estudado e com atenção especial das maiores mentes do direito mundial. Com este empenho, várias medidas foram surgindo com o intuito de iluminar as ideias de flexibilidade tributária, de uma realidade interna para uma realidade global.
5.1.Limitações unilaterais
As primeiras medidas a serem mencionadas são constituídas por limitações unilaterais. Estas limitações são aquelas tomadas diretamente pelo Estado, para atender à nova circunstância sob os quais estes Estados se inseriram. Podem-se citar:
A)Os incentivos da atividade econômica e do investimento;
B)A atração de investimentos financeiros;
C)Deslocamento da base do tributo;
D)Alteração da estrutura fiscal.
Os incentivos da atividade econômica e do investimento surgem quando os tributos praticados por um determinado país sobre uma determinada atividade se mostram mais pesados que os praticados pelos outros países. Para equilibrar a situação, este país lança uma série de incentivos de caráter econômico e estrutural, para garantir uma boa aplicação dos investimentos ao capital privado, apesar da maior carga tributária ou sua maior burocracia. Trata-se de um contrapeso, de uma facilidade que visa encobrir as dificuldades.
Ainda que se pretenda apenas uma proteção aos investimentos, essa medida é considerada prejudicial á competitividade mundial, e é vista como uma competição desleal tributária entre os países. É o conhecido "subsídio", tão combatido na Organização Mundial do Comércio, OMC.
A atração de investimentos estrangeiros também pode ser afetada pela tributação. Países que assumem compromissos e dívidas com o Fundo Monetário Internacional, por exemplo, voltam toda sua política fiscal para a necessidade de honrar estes compromissos, o que dá certa garantia ao mercado investidor, pela impossibilidade de extravagâncias pelo governo e pela necessária manutenção da moeda o mais forte possível.
O deslocamento da base do tributo surge quando a carga tributária em um país se torna muito elevada. Ocorrendo isto, é certo que muitas empresas deixarão o país, elevarão seus preços, ou deixarão as operações de despesas dedutíveis no país, mas deslocarão as operações lucrativas para países menos onerosos, se puderem se fragmentar desta maneira. O deslocamento da base do tributo é uma maneira de se alterar o modo de cobrança e o fato gerador, tornando a carga tributária consideravelmente menos onerosa.
Por fim, a alteração da estrutura fiscal é a mais radical de todas as limitações unilaterais. Visa deslocar a estrutura fiscal mais para as rendas do trabalho e menos para as rendas de capital ou vice-versa, se adequando às pressões do mercado.
5.2.Limitações bilaterais ou multilaterais
Estas limitações podem surgir também por força de um esforço multilateral, em convenções internacionais. Em um tratado internacional, principalmente no aspecto econômico e comercial, pode haver uma parte mais forte do que a outra, razão pela qual alguém (geralmente a parte mais forte) deverá ceder à outra parte para equilibrar a situação e garantir o sucesso e a eficácia do acordo.
Certamente o maior e mais conhecido tratado internacional sobre tributação é o GATT. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio surgiu na Conferência de Genebra de 1947, entrando em vigor no ano seguinte. A convenção é um simples quadro para negociações comerciais, que prevê uma série de princípios que regem as relações comerciais entre os Estados. O GATT procura estabelecer a liberdade existente no comércio internacional antes da 1ª Guerra Mundial, defendendo a igualdade econômica, ou seja, sem discriminação. As suas funções são promover o pleno emprego, incrementar o comércio internacional, aumentar o padrão de vida, etc.
O tratado do GATT de 1947 tinha várias limitações: não estavam abrangidos os produtos agrícolas, os serviços e os têxteis; os países ditos de 3º e 4º mundos se beneficiavam de normas especiais; dentro de certas condições, o comércio no interior das zonas de livre comércio e nas uniões aduaneiras não estava sujeito às normas gerais; etc. Posto isso, no GATT os países tinham maior liberdade para serem protecionistas. Já na OMC, Organização Mundial do Comércio, é estabelecido um conjunto de regras de comércio liberal.
Por essas omissões, o GATT de 1947 foi reformado e adaptado, vigorando até hoje na figura do GATT de 1994. No GATT 94 os painéis foram reforçados. Foi formado utilizando a reunião dos acordos relativos ao GATS (Acordo Geral de Comércio de Serviços) e TRIPS (Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). Por sua amplitude a agora modernidade, quem deseja se inserir na OMC deve também aderir ao GATT 94.
6.O IVA como solução da harmonização tributária
O Tratado de Assunção, que criou a união aduaneira para os quatro países signatários do Mercosul, ainda carece de um instrumento jurídico capaz de viabilizar a efetiva integração desses países, por meio de um único tributo realmente comunitário.
As diferenças dos tipos de tributos e seus encargos, entre os países do Mercosul, tornam inviáveis quaisquer tentativas de se estabelecer uma harmonia tributária no bloco que corrija distorções sociais, sem prejuízos à individualidade de cada membro. Infelizmente, para o Brasil a situação é ainda pior, visto que enquanto seus parceiros têm mesma origem histórica e herdaram um sistema tributário razoavelmente semelhante (embora ainda careçam de adaptações), o país se destaca como modelo totalmente alternativo aos demais, com o mais alto grau de complexidade de burocracia. É obvio imaginar que algo assim não se muda da noite para o dia e, porque não dizer, possivelmente nunca mudará.
Enfim, as relações do Mercosul dependem de um tributo de perfil integrativo. O que parece ser um grande consenso entre diversos juristas é a importância do estudo do IVA, ou Imposto de Valor Agregado, amplamente aplicável em blocos econômicos internacionais, razão pela qual seu regime jurídico é único nas relações comunitárias e acordado entre os países.
Este imposto foi adotado, a título exemplificativo, pelo maior modelo atualmente de formação de um bloco de sucesso: A União Europeia. A União Europeia tem sistema tributário semelhante e um acordo tarifário único, próximo à correspondência no Mercosul, que conta com uma tarifa externa comum. Entretanto, deste se difere por ter apenas um regime jurídico para o imposto sobre valor agregado nas relações entre os países que a compõem, o qual recai sobre a prestação de serviços e a circulação de mercadorias.
O IVA se trata de um imposto não-cumulativo que despreza qualquer condição especial ou não dos cidadãos, interessando-se apenas a natureza das transações e negócios. É um imposto que se aplica sobre diversos fatos geradores, o que simplifica a base tributária e, por consequência, sua fiscalização, cobrança e controle. Tem como fato gerador as vendas de coisas móveis; obras, locações e serviços expressamente previstos e importações.
Enfim, a implementação do IVA em todo o território regional correspondente ao bloco resultaria, em tese, numa menor variável quantitativa e numa maior simplificação do processo de arrecadação, evitando uma grande elisão fiscal e uma maior ainda guerra fiscal entre os Estados-membros. Um sistema tributário que oferece ao investidor uma simplificação no recolhimento dos tributos oferece paralelamente também uma maior segurança ao capital de investimento, pois assim o investidor pode mais facilmente saber exatamente quais encargos serão devidos com suas operações e assim garantirem sua fixação e permanência. O empresário argentino saberia exatamente qual imposto seria devido a uma exportação ao Brasil, por exemplo, e vice-versa. Por conseguinte, uma grande variável de tributos e alíquotas, uma burocracia pesada e complexidade demasiada do modo de arrecadação afasta este tipo de investimento. Este reflexo tem sido visto por gerações não apenas no Brasil, mas na América Latina como um todo, que é a grande massa do capital especulativo, que entra na região apenas pelas altas taxas de juros, onde o capital se duplica e depois volta a deixar os mercados, levando consigo boa quantidade das riquezas. Este tipo de capital não é em longo prazo proveitoso aos países, que perdem rapidamente recursos e permanecem com uma volatividade econômica insustentável. Felizmente para o Brasil, seu mercado consumidor interno de proporções continentais, o maior de toda a América Latina, ameniza consideravelmente este peso e é capaz de fixar parte destes investimentos, mas ainda não é suficiente para garantir a estabilidade econômica e a permanência do capital de investimento externo.
Entretanto, pensando através não mais dos benefícios ao mercado, mas a situação do país, com relação aos impostos indiretos, a questão prática da implementação do IVA no Brasil é mais intricada. O país possui dois tributos (IPI e ICMS) que incidem sobre operações de produção ou circulação de produtos. Em ambos, o consumo não é o fenômeno diretamente tributado, mas repercute diretamente sobre o consumidor. Sendo, portanto fato, que nos demais países não existe um tributo com a abrangência do IPI sobre este tipo de objeto, a carga tributária no Brasil acaba sendo muito superior àquela infligida nos demais países.
Os objetivos mais incisivos dos projetos de reforma fiscal apresentados até o momento dão ênfase a uma aproximação da justiça social, eficácia tributária, redução de carga tributária nominal, a simplificação tributária, o fortalecimento federativo, o fomento econômico e a competitividade externa. Uma eficácia tributária promove uma redução da sonegação fiscal à medida que racionaliza e simplifica a arrecadação e a gestão dos recursos. Essa simplificação é complementada a partir do momento que defende a tão profanada redução de quantidade de impostos.
O fortalecimento do federalismo poderia encerrar a guerra tributária já mencionada entre os entes políticos afastando as disputas estaduais. Há que se fortalecer o conceito de que, independentemente das prerrogativas garantidas aos entes políticos, acima disso, o Brasil conta com uma só moeda, uma mesma reserva cambial, e que todos contam com um equilíbrio orçamentário dos estados e, principalmente, da União, que promove esse equilíbrio.
No Brasil, o ICMS é cobrado pelos estados que detêm enorme poder de legislar sobre fixação de alíquotas, incentivos e políticas de cobrança. No caso do IVA o controle fundamental sobre legislação, alíquotas e políticas, é exercido sempre pelo nível federal. Como consequência deste poder conferido aos estados surge no Brasil essa constante de guerras fiscais, que acabam por interferir diretamente no MERCOSUL, já que alguns estados brasileiros, preocupados com a obtenção de investimentos diretos para desenvolvimento de suas respectivas regiões acabam renunciando a grande parte da receita de ICMS. Consequentemente, a prática de renuncia por certos estados do Brasil acabam desonerando em demasia certos produtos, provocando claros desequilíbrios.
Além disso, tendo em vista que grande parte do poder decisório quanto às regras do ICMS está concentrado nos estados, o país tem dificuldades sérias de definir uma política de cobrança de impostos indiretos que possa ser adotada para fins de comércio com países do MERCOSUL.
Estes fatos constituem o elemento prejudicial da implementação do IVA no Brasil. Sua aplicação resultaria numa perda de autonomia dos estados sobre um imposto que lhe é competente, assumindo a União seu controle, o que é explicitamente vedado pela Constituição Federal:
Art. 151. É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;
II - tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes;
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (grifo nosso).
Este tipo de dificuldade, na prática, parece à primeira vista insolúvel. É certo que os estados que integram a União desaprovam tal possibilidade. O ICMS constitui a maior fonte arrecadadora dos estados em termos de tributos. A perda da autonomia desta fonte de riqueza seria inaceitável, embora, reforce-se, seja considerada por muitos autores necessária para a harmonização tributária no MERCOSUL. Assim entende Patrícia Carvalho:
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ao fundir-se com o Imposto sobre Produtos Industrializados, gerando um único imposto nacional sobre o consumo (o IVA), em respeito ao princípio do federalismo, deveria ser feita sua repartição com base no Produto Interno Bruto, porém em sua razão direta. A fim de se evitar má distribuição dos recursos, apresentou-se a idéia de que nenhum estado receberia menos do que a média anual de ICMS e do IPI. Ocorrendo diferença, esta deve ser transportada pelo pagamento da diferença por meio de um fundo mantido pela União, Estados e Municípios os quais contribuiriam também de forma direta.
No mesmo sentido, concordam Fernando Eduardo Serec e Shin Jae Kim:
Em nossa opinião, somente com a união do IPI e ICMS, concentrando-se o poder de decisão sobre o controle da União Federal, mesmo com a manutenção de arrecadação nas mãos dos Estados, poderíamos chegar a uma harmonização dos sistemas fiscais no MERCOSUL.
Como já mencionado, a perda desta autonomia em relação ao ICMS por parte dos estados se daria por consequência de que o controle fundamental do IVA é exercido sempre pelo nível federal. Em relação ao IPI surge a grande problemática que é, realmente, o conflito de competências tributárias entre estados e União. Sua solução exigiria, além de uma contundente reforma tributária, uma alteração na essência da lei: a Constituição Federal. As soluções são postas por inúmeros juristas (dos quais compartilho opinião), mas mais por uma visão teórica, onde se buscam nas ideias uma saída resoluta, definitiva e eficaz. Entretanto, a aplicação prática, em virtude da problemática apresentada, pode ser considerada longe do sucesso.