EM DEFESA DO CONTRIBUINTE
(Liberal, 30.01.00)
Quando a OAB oferece aos contribuintes do IPTU um modelo de impugnação, para que possam defender seus direitos, isso não significa, absolutamente, a existência de qualquer confronto com a Prefeitura, mas apenas a atuação da Ordem no desempenho de sua missão, em defesa da cidadania. Quando o advogado aconselha o contribuinte a não pagar o tributo, e a se defender pelas vias administrativas ou judiciais, protocolando uma impugnação, ou ajuizando uma ação, está apenas desempenhando sua nobre tarefa de lutar contra a injustiça. Quando o próprio Estado paga advogados para que patrocinem as causas das pessoas pobres, o que se pretende é apenas o reconhecimento do sagrado direito de defesa. Quando o Ministério Público, em sua função de fiscal da lei, patrocina uma causa, seu escopo deve ser sempre o de fazer com que a lei prevaleça, sobre o arbítrio e a prepotência. Quando o Magistrado, decidindo o caso concreto, sentencia a favor de uma das partes, está apenas reafirmando a prevalência do princípio da legalidade.
O profissional do Direito, qualquer que seja sua esfera de atuação, seja ele juiz, advogado, promotor, Ministro da Justiça ou Secretário da Receita Federal, para ter certeza de que não se enganou na escolha da profissão, deve se revoltar contra a injustiça, porque, afinal de contas, essa é a finalidade do Direito: a defesa contra a injustiça.
Quando, em textos anteriormente publicados neste jornal, afirmei que as alíquotas progressivas do IPTU são inconstitucionais, não estava, absolutamente, incentivando a desobediência à lei. Ao contrário, porque a lei inconstitucional não existe, é absolutamente nula e não pode produzir qualquer efeito jurídico. Não existe nada mais injusto do que pretender que o contribuinte pague um tributo criado por uma lei inconstitucional. A desobediência à lei, quem a praticou, foram as autoridades responsáveis por essa tributação progressiva, isto é, a Câmara Municipal, que discutiu e aprovou o projeto de lei, e o Prefeito, que o sancionou. Desobedeceram à lei, e não a uma lei qualquer, mas à lei fundamental, a Constituição. Felizmente, o ilustre vereador Raul Meireles já declarou que a Câmara Municipal não pode ficar omissa diante dessa cobrança abusiva. Com meu trabalho, portanto, estou somente cumprindo minha obrigação de advogado, esclarecendo e ajudando o contribuinte a defender seus direitos contra uma exigência descabida. Mas ninguém precisa se preocupar muito com isso, porque não existe nem a mais remota possibilidade de que eu venha a me candidatar a qualquer cargo eletivo. Merece ainda comentário a declaração da Ilma. Dra. Secretária de Finanças, a respeito da apresentação de um projeto de lei para fixar uma alíquota única de 0,15%, de que "jamais seria fixada a menor alíquota , e que ela seria no mínimo de 0,4%, o que só prejudicaria os contribuintes de baixa renda". Devo esclarecer, a respeito, que não se trata, na realidade, de fixar a alíquota de 0,15%. Isso escapa à competência da Câmara, ou da Ilustre Secretária, em decorrência, respectivamente, dos princípios constitucionais da anualidade e da legalidade. As alíquotas já estão fixadas, na lei. Portanto, se o TJE julgar inconstitucionais as alíquotas progressivas, deverá vigorar, para a cobrança do IPTU 2.000, a única alíquota que não é progressiva, ou seja, a menor, de 0,15%. O contribuinte não deve se preocupar com isso, porque em 2.000, a única alíquota correta é a de 0,15%. Não é verdade, absolutamente, que depois da decisão do TJE pela inconstitucionalidade, seja preciso, ainda, que a Câmara legisle, e que essa alteração somente poderia vigorar para o IPTU 2.001. Ao contrário, a lei inconstitucional é nula e sem nenhum efeito desde sua edição, em 98, e a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos ex tunc, o que em português castiço significa dizer que essa lei nunca existiu. Outro esclarecimento necessário é o referente ao prazo para que o contribuinte apresente sua impugnação. Normalmente, o contribuinte teria 30 dias, contados a partir da data do recebimento do carnê. Acontece que esses carnês não são acompanhados de A.R. (aviso de recebimento) e, por essa razão, nos termos do Código Tributário, o prazo de 30 dias para a impugnação começará a ser contado 15 dias depois da data em que os carnês forem entregues aos Correios. Assim, considerando-se que o primeiro lote de carnês foi distribuído, talvez, no dia 15 de janeiro, o contribuinte terá até o fim do mês de fevereiro, pelo menos, para dar entrada na sua impugnação. Seria muito interessante, aliás, que a autoridade, zelosa em assegurar ao contribuinte seu direito de defesa, esclarecesse o assunto. Finalmente, devo dizer que o contribuinte, que tem o direito de não pagar o tributo inconstitucional, tem o dever, também, de não se acovardar, ante a ameaça de ser executado, primeiro pela remota possibilidade de que isso aconteça, e depois, porque qualquer juiz ou tribunal reconhecerá a inconstitucionalidade dessas alíquotas. Digo que a possibilidade é remota, com base em estatística publicada pela própria Prefeitura, em propaganda paga que afirma que Belém tem o IPTU mais barato do Brasil. Por essa estatística, observa-se que, dos 175.826 contribuintes do IPTU (porque 81.849 são isentos), apenas 8.791 pagam mais de mil reais. Sabendo-se que a inadimplência, por declarações da própria Prefeitura, é de mais de 50%, é lógico que mais de 87.900 contribuintes estão inadimplentes, em cada exercício. Considerando-se a prescrição do débito em 5 anos, e considerando-se, ainda, que a Prefeitura executou apenas 4.060 contribuintes em 99, seria talvez mais fácil, para o pequeno contribuinte, ganhar na Esportiva, do que sofrer um processo de execução. Esclareço, mais uma vez, que não estou incentivando o contribuinte a descumprir a lei. Ao contrário, estou exigindo o respeito à Lei Fundamental, a Constituição. Quem pretende que essa lei deve ser cumprida, de qualquer maneira, apresentando até mesmo algumas alegações francamente absurdas, atinge frontalmente a Constituição Federal e desobedece a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. E ninguém precisa temer, também, a falta de arrecadação, porque se a Prefeitura cobrar corretamente o IPTU, é até muito provável que a arrecadação aumente, porque os contribuintes inadimplentes poderão pagar seus tributos e regularizar a situação dos seus imóveis.
A GUERRA DO IPTU
(Província, 07.02.00)
Desde dezembro do ano passado, venho denunciando a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU cobrado em Belém. Embora desde 1.996 já exista jurisprudência pacífica do STF no sentido de que os Municípios não podem instituir alíquotas progressivas, em função do valor venal do imóvel, somente agora o contribuinte se rebelou contra a cobrança desse imposto. Na realidade, a maioria não toma conhecimento das alíquotas. O que importa, mesmo, é o valor a ser pago. Por essa razão, o IPTU vinha sendo pago sem maiores problemas, nos últimos anos, apesar do altíssimo índice de inadimplência, próximo dos 60%.
Mas agora, graças à irresponsabilidade e à imprevidência das autoridades tributárias, com a elaboração do maravilhoso "Cadastro Multifinalitário", baseado em levantamento aerofotogramétrico, os imóveis de Belém foram reavaliados, e muitos contribuintes do IPTU sentiram no bolso as conseqüências. Esse cadastro moderníssimo e, muito provavelmente, caríssimo, conseguiu o que parecia impossível: o contribuinte agora já se interessou pelo assunto e já sabe o que são alíquotas e já está prestando atenção, também, para as taxas que são cobradas juntamente com o IPTU, em especial para a Taxa de Limpeza Pública (TLP), que é também inconstitucional.
Impossibilitado de pagar os altos valores cobrados, o contribuinte invadiu as dependências da Sefin, onde foi informado de que teria mesmo que se conformar com aquela cobrança, porque o Cadastro estava correto, porque seu imóvel tinha sido fotografado pelo avião, e visitado pelos técnicos especializados, e medido, e avaliado, e etc.
Inconformado, o contribuinte invadiu também as dependências da OAB, que passou a fornecer orientação referente ao modelo de impugnação através do qual o contribuinte poderia se defender contra essa tributação extorsiva e confiscatória. A autoridade municipal gentilmente informou que somente aceitaria as impugnações feitas de acordo com o modelo oficial da Sefin, porque a OAB não tinha nada a ver com o problema. O contribuinte não deveria perder seu tempo com o modelo de impugnação da OAB. Bastaria que comparecesse à Sefin, para assinar uma impugnação já pronta, e pagar uma pequena taxa, e tudo estaria resolvido, amigavelmente, sem maiores problemas. A Sefin reconhecia o direito de defesa do contribuinte, desde que este ficasse calado.
Mas é óbvio que o contribuinte tem todo o direito de fazer a sua impugnação, e a Sefin é obrigada a protocolar esse requerimento, sem cobrar nenhuma taxa. É o direito de petição, contra ilegalidade e abuso de poder, constitucionalmente assegurado.
No próximo dia 5 de fevereiro, vence o primeiro prazo para pagamento do IPTU, em cota única, com desconto de 15%, ou apenas a primeira parcela. No dia 5 de março, vence o prazo para pagamento em cota única, com desconto de 10%. Mas o contribuinte precisa ter um pouco de calma. Afinal de contas, já estão sendo ajuizadas Ações Diretas, para tentar o reconhecimento, pela Justiça, da inconstitucionalidade dessas leis. A primeira foi a do PDT. A OAB, o PTB, o Sindcon e o Ministério Público estão também estudando a alternativa do ingresso em juízo contra as alíquotas progressivas do IPTU, e contra a Taxa de Limpeza Pública. A Ação Direta é ajuizada diretamente no Tribunal de Justiça do Estado, destinando-se ao controle da regularidade das leis e atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual. Inovação da Constituição de 88, esse controle de constitucionalidade, no âmbito estadual, transforma o Tribunal de Justiça em Corte Constitucional, atribuindo-lhe missão correspondente à do Supremo Tribunal Federal, de guardião da Constituição e seu intérprete máximo. O Processo foi distribuído ao Ilustre Desembargador Pedro Paulo Martins, designado Relator, que poderá imediatamente conceder a Liminar, tendo em vista a forte densidade do direito alegado, evidente em face da pacífica jurisprudência do STF a respeito da matéria, bem como a flagrante urgência da tutela jurisdicional, pela situação criada, extremamente prejudicial ao contribuinte e à administração pública. Se a Liminar for concedida, a cobrança ficará suspensa, e o Município será obrigado a emitir novos carnês, de acordo com a alíquota de 0,15%. Poderá ser obrigado, ainda, a examinar, caso a caso, o valor venal do imóvel, para corrigir os erros existentes. Desejo ainda esclarecer que, ao contrário do que afirmaram algumas autoridades, não haverá necessidade de que seja elaborada uma lei, para fixar a alíquota do IPTU, porque uma vez declarada a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas, a Prefeitura deverá cobrar esse imposto de acordo com a alíquota de 0,15%, a única constitucional, e a única que poderá ser aplicada no presente exercício. Devo dizer, ainda, que como advogado, sou obrigado a esclarecer o contribuinte e a ajudá-lo a se proteger contra a ilegalidade. Não é verdade que eu esteja incentivando o contribuinte a descumprir a lei, porque a lei inconstitucional não é lei, não existe, é nula e de nenhum efeito. É pena que, para a grande maioria, não seja interessante contratar um advogado, para se defender contra essa cobrança, mas muitos grandes contribuintes já tiveram decisões favoráveis. Mas qualquer profissional do Direito, seja ele um advogado, um promotor, um delegado de polícia, um executivo ou um magistrado, tem o sagrado dever de se revoltar contra a injustiça. Nenhum deles pode aconselhar o contribuinte a pagar tributo cobrado com base em uma lei inconstitucional, porque a inconstitucionalidade é o maior vício que possa existir, e atenta contra o próprio coração do ordenamento jurídico. Nem mesmo pelo fato de que seja mais fácil pagar do que lutar, porque a inércia do contribuinte fará com que a autoridade seja levada a abusar sempre, cada vez mais. Os direitos não nos são dados gratuitamente. É preciso sempre lutar por eles. E mais: se a Prefeitura cobrar corretamente o IPTU, não haverá risco de que a arrecadação seja reduzida. Ao contrário, os contribuintes inadimplentes poderão pagar seus tributos, a atividade econômica crescerá e talvez seja contido, até mesmo, o crescimento do chamado mercado informal.
DECRETO LEGISLATIVO X IPTU
(Liberal, 07.02.00)
Em clima de contestação judicial por parte da bancada governista, a Câmara Municipal de Belém foi convocada para se reunir, em caráter extraordinário, com a finalidade de debater a questão do IPTU de Belém, que tem gerado a celeuma, de conhecimento geral.
Os vereadores da oposição pretendem suspender a eficácia do art. 6o da Lei 7.934/98, que institui alíquotas progressivas, julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Dizem eles que é competência da Câmara Municipal suspender essa cobrança, através de decreto legislativo, com base no inciso IX do art. 45 da Lei Orgânica do Município de Belém. Ao mesmo tempo, um vereador governista contestou essa pretensão, afirmando que a Câmara não pode legislar sobre matéria tributária para o mesmo exercício e que esse decreto legislativo não poderia, portanto, vigorar neste ano. Considerando que todos eles têm razão, mas somente em parte, e pretendendo contribuir para a solução do problema, passo a tentar esclarecer o assunto.
A Câmara Municipal dispõe de dois instrumentos básicos para o desempenho de sua competência: a lei, prevista no art. 44 da Lei Orgânica, que depende da sanção do Prefeito, através da qual a Câmara legisla sobre todas as matérias de competência do Município, e o decreto legislativo, previsto no art. 45, que é ato exclusivo da Câmara, e serve assim ao exercício de sua competência fiscalizadora.
O Inciso IX do art. 45, citado, prevê a competência da Câmara para, através de decreto legislativo, suspender a execução de lei municipal declarada inconstitucional por decisão definitiva. Portanto, seria preciso, no caso concreto, que o art. 6o da Lei Municipal 7.934/98 tivesse sido declarado inconstitucional por decisão definitiva. Decisão definitiva é aquela transitada em julgado, isto é, aquela da qual não cabe mais nenhum recurso. Ora, toda a jurisprudência do STF, citada a respeito da inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU, se refere a leis de outros municípios. Por essa razão, entendo que a Câmara não poderá suspender a execução das alíquotas progressivas em Belém, através de decreto legislativo. Poderia fazê-lo, é claro, através de lei ordinária, mas para isso precisaria da sanção do Sr. Prefeito. E mais, ele precisaria apresentar o projeto de lei, porque a Lei Orgânica estabelece que são de sua iniciativa privativa as leis que disponham sobre matéria tributária (art. 75, V).
Quanto à segunda afirmativa, de que a Câmara não pode legislar sobre matéria tributária para o mesmo exercício, também não é correta, porque a Lei Orgânica proíbe ao Município cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou ( art. 99, III, "b"). Essa norma consagra o chamado princípio da anterioridade, que é uma garantia do contribuinte contra as surpresas tributárias.
Ocorre que, na questão ora examinada, não se trata de instituir ou aumentar tributo. Ao contrário, o decreto legislativo iria suspender a cobrança das alíquotas progressivas do IPTU. Por essa razão, entendo que não existiria esse impedimento, da anterioridade, e o decreto legislativo poderia vigorar imediatamente. Mas para que o decreto legislativo pudesse suspender a execução dessa lei, seria preciso que ela já tivesse sido declarada inconstitucional, em decisão definitiva. Afastada essa hipótese, portanto, restaria a lei ordinária, conforme já explicamos, mas para isso seria necessária a concordância do Sr. Prefeito.
Caberia à Câmara Municipal, porém, através de sua Mesa, propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), nos termos do art. 162, VI, da Constituição do Estado do Pará. A ADIN ajuizada pelo PDT, que suscita a inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU e também da Taxa de Limpeza Pública (TLP), já foi distribuída ao Ilustre Desembargador Pedro Paulo Martins, designado Relator, que tendo em vista a verossimilhança do direito alegado e o perigo na demora da decisão, pelos prejuízos que isso causaria a milhares de contribuintes, poderá conceder a Liminar, suspendendo imediatamente a cobrança desses tributos, até a decisão do mérito. Se a Ação Direta for julgada procedente, o Município não poderá mais aplicar essa legislação inconstitucional e o contribuinte estará assim protegido. A Prefeitura será obrigada a emitir novos carnês, com base na alíquota de 0,15%, não importando a caracterização do imóvel como residencial, não residencial, ou não edificado. Também será impedida de cobrar a TLP. Restará à Prefeitura, apenas, a interposição de um recurso extraordinário ao STF, na esperança de que este modifique a jurisprudência sobre o assunto.