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O IPTU do município de Belém: um contraponto

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Resumo:


  • A igualdade não consiste em tratar desiguais de forma igual, mas sim em aquinhoar desigualmente, de acordo com a desigualdade natural, como defendido por Ruy Barbosa.

  • O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado contra a progressividade do IPTU baseada na capacidade contributiva, alegando que a única progressividade aceitável é aquela relacionada à função social da propriedade.

  • Decisões recentes do STF consideraram inconstitucionais leis municipais que previam diferenciação de alíquotas do IPTU com base na capacidade contributiva do contribuinte, mas tais decisões não têm efeito amplo, sendo aplicáveis somente aos casos específicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A REDUÇÃO DAS ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS

impressionou-nos bastante, ainda, o fato de que a maior resistência à utilização das alíquotas progressivas tenha surgido justamente quando ocorreu uma revisão da sua distribuição. Revisão essa que resultou numa redução em todos os patamares que vinham sendo utilizados há praticamente dez anos. Tal fato, foi reconhecido expressamente no artigo O IPTU PROGRESSIVO, de autoria do eminente Professor Fernando Machado da Silva Lima, publicado em O LIBERAL, na data de 15.02.2000, na parte que transcrevemos adiante:

"Entendemos que essa pretensão é juridicamente impossível, por dez motivos básicos, abaixo relacionados, embora não necessariamente em ordem de importância:

Primeiro.

Quarto, porque a cobrança do IPTU com base nessas leis, de 77 e 81, seria ainda pior para a grande maioria dos contribuintes, porque suas alíquotas são maiores do que as exigidas pela Lei 7.934/98, atual.

Quinto, complementando a Quarta razão, porque qualquer imóvel residencial próprio, que hoje paga 0,15%, passaria a pagar 0,30%.

Sexto, porque seria ressuscitada a figura do imóvel residencial alugado, com a alíquota de 0,60% e assim todos os inquilinos, que hoje pagam 0,15%, 0,30% ou 0,40%, passariam a pagar 0,60%.

Sétimo, porque todos os imóveis não residenciais passariam a pagar 0,90%, desaparecendo a alíquota de 0,5%, hoje cobrada exatamente dos imóveis de menor valor venal.

Oitavo, porque em relação aos imóveis não edificados, desapareceria a alíquota de 1,00%, cobrada dos imóveis de menor valor (até 30.200 Ufir), e a menor alíquota passaria a ser de 1,5%. "

Reportando-nos, ainda, à aferição da capacidade contributiva, cumpre-nos enfatizar que o § 1º do art. 145 da CF/88, configura, antes de tudo, um princípio basilar do direito tributário, o qual tem sua procedência nos próprios fundamentos que norteiam a razão e o objetivo de ser do Estado, quais sejam o de alcançar o "bem comum".

Deve, pois, em todos os campos do direito, haver a prevalência do interesse da comunidade. Prevalência do Interesse social, sendo defeso que o interesse de particulares ou de grupos a este sobreponha. Assim é que, realmente, a supressão das alíquotas diferenciadas (progressivas), certa e comprovadamente, só viria a beneficiar aos proprietários ou possuidores de imóveis de maior valor venal, principalmente se for mantida a menor alíquota.

Nesse aspecto, não constitui demasia rebater o ponto da repercussão do montante do imposto em contribuintes de menor capacidade contributiva:

A carga tributária resultante da aplicação de um IPTU de alíquota única, recairá mais pesadamente sobre um contribuinte proprietário ou possuidor de um imóvel de pequeno valor venal, do que sobre outro de maior valor, embora se os respectivos valores forem comparados diretamente entre si, pareça o primeiro ser irrisório.

Irrisório, talvez, se apenas olhado pelo prisma do contribuinte do imóvel mais valioso. Porém, para o menos aquinhoado financeiramente, morador do imóvel modesto, tal valor certamente terá um peso bem maior em seu orçamento do que no do outro contribuinte. Vale lembrar, que as situações representadas por pessoas que embora sejam proprietárias ou possuidoras de imóveis valiosos, não possuam capacidade financeira para arcar com a tributação, são exemplos particularizados e como tal devem ser tratados.

Pensar de forma contrária, significa, parodiando a citação Bíblica, também achar que as moedinhas da pobre viúva nada valeriam para ela, por nada valerem se comparadas com as moedas de ouro dos mais aquinhoados.

Deve-se ter em mente, nessa questão da capacidade contributiva, que via de regra uma pessoa que mora num imóvel de modesto valor, não está lá por puro diletantismo ou opção pela pobreza. Está nessa condição por ser a única que seu poder aquisitivo permite. Em situação oposta está um contribuinte possuidor de diversos imóveis que, embora de pequeno valor cada um, somados venham a equiparar-se, patrimonialmente, a um imóvel de maior valor. Neste último caso, os princípios da isonomia e da justiça fiscal, determinam tratá-lo de forma diferente do primeiro caso.

Voltando ao ponto do imóvel menos valorizado, atendendo ao princípio da capacidade contributiva, o Município tem competência, mediante lei, para conceder até isenções aos contribuintes, em patamar que estabeleça.

A dispensa total do imposto incidente, nesse caso, configura antes de tudo a utilização do princípio da capacidade contributiva e a aplicação da justiça social. Da mesma forma que lhe compete dispensar o imposto, pela isenção total do gravame tributário, pelos mesmos princípios consagrados na Constituição Federal, compete-lhe também graduar o impacto da tributação. Por efeito, a tributação graduada para menos, representa uma maneira de isentar parcialmente, embora sob forma jurídica diversa, qual seja, a da diferenciação das alíquotas que, segundo nosso entendimento, foi impropriamente denominada de progressividade.


DO RECADASTRAMENTO

Quanto aos efeitos do recadastramento, realizado em Belém, excetuando-se as situações decorrentes de erro de fato, que são passíveis de serem sanadas pela autoridade administrativa, mediante provocação do contribuinte, o aumento do tributo em relação à situação anterior traduzir-se-ia, tão-somente em adequação à realidade. Nos casos em que o contribuinte tinha o valor venal de seu imóvel, nos anos anteriores, bem inferior à realidade, ou porque a medição do cadastro anterior era menor e/ou em razão de melhorias na via pública que lhe valorizaram o bem, refletindo na apuração do respectivo valor venal, não se pode falar em majoração indevida de imposto.

Aliás precisamente quanto ao Cadastro Imobiliário Municipal, vislumbramos oportuno as assertivas do advogado Sérgio Tostes em trabalho apresentado e aprovado por unanimidade no II Congresso Interamericano de Direito Tributário, realizado em São Paulo, de 19 a 21 de novembro de 1975 (pub. págs. 659 à 670 na Revista da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro – ano II, Vol II maio/agosto 1976):

"verbis"

"ANÁLISE CRÍTICA DOS TRIBUTOS MUNICIPAIS

Imposto Predial

Sua eficiência em termos de arrecadação depende basicamente de uma atualização do valor venal das propriedades. A administração do imposto é relativamente pouco onerosa desde que exista um cadastramento efetivo das propriedades imobiliárias. Caso o valor venal, em função do qual é feito o lançamento do imposto, não corresponda à realidade econômica do bem imóvel, a eficiência do imposto estará prejudicada. Sendo o imposto cobrado apenas uma vez por ano, e tomando por base dados fixos praticamente imutáveis, a não ser em termos de atualização de valores, isto permite que o Poder Municipal tenha condições de planejar os meios de atendimento de parte da despesa de forma segura.

O imposto predial apresenta boa margem de segurança de que haverá arrecadação por dois fatores:

I - a base tributável representa um valor real, de difícil perecimento;

II - a propriedade é dado indicativo de uma capacidade econômica para o pagamento do tributo.

O grande investimento para uma arrecadação eficiente consiste no cadastramento inicial do valor venal das propriedades. Depois desta fase inicial bastaria manter-se o cadastramento em termos de:

I - atualização constante dos valores venais;

II - indicação de novas propriedades."

Grifos nossos


Em conclusão: Na Constituição de 1988 a progressividade fiscal não está particularizada em relação ao IPTU, como está a extra-fiscal, em razão de que, para tal, bastam os preceitos do § 1º do art. 145(Sempre que possível.), na medida em que nesse imposto há possibilidade de ser considerada a capacidade contributiva dos contribuintes, em razão do valor venal dos respectivos imóveis. Embora, tal capacidade seja melhor exteriorizada de forma financeira no imposto de renda, no IPTU não se pode afirmar ser impossível, estribando-se para isso em situações particularizadas.

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Daí porque, mercê de toda essa confusão gerada, que só beneficia os que tem maior capacidade contributiva, é que nas propostas de reforma constitucional pretende-se que a Constituição, desta feita, torne expressa a progressividade fiscal do IPTU, aos moldes do que, hoje já, redundantemente, faz com o imposto de renda.

Induvidosamente, o princípio da Isonomia Tributária não sobrevive, em sua plenitude, sem a existência do Princípio da Capacidade Contributiva. Tais princípios, devem subordinar o legislador, cabendo de sua parte ao Poder Judiciário controlar a sua aplicabilidade, como poder de verificação e controle da constitucionalidade das normas jurídicas, de forma que, em casos da espécie, a progressividade, quando abusiva, não venha a extrapolar os limites da própria capacidade contributiva, que lhe deu causa, transformando-se, com isso, em verdadeiro confisco.

Finalmente, entendemos relevante ressaltar que os renomados Mestres do Direito Tributário que se opõem à utilização da progressividade fiscal do IPTU, adotam tal posição, não por entenderem ser ela incompatível com o princípio da capacidade contributiva e sim, preponderantemente, por interpretarem que a Constituição de 1988 teria, tão-somente, admitido o seu uso no tempo, como forma de atender à função social da propriedade.

Em nenhum momento, pois, afirmaram que a progressividade, de per si, representaria aumento abusivo da carga tributária, hipótese que, se efetivamente ocorrida, a transformaria em confisco, o que é expressamente vedado pela Constituição. Seguramente, não é o caso do IPTU/2000.

Ilustrativamente, remetendo à questão do IPTU, como imposto de natureza real, tese que vem ganhando corpo no STF, para negar a utilização da progressividade, cumpre-nos afirmar que nenhuma forma de tributação hoje tem natureza exclusivamente arrecadatória. Até nos impostos indiretos como o ICMS, embora de forma oblíqua, houve incursão no campo da capacidade contributiva, a exemplo da isenção para os produtos da cesta básica que objetiva favorecer os consumidores de menor poder aquisitivo. Consumidores, que são os verdadeiros contribuintes. Contribuintes de fato.


Notas

(1) A progressividade expressa do IPTU foi inserida na CF/88, mediante a Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, sobre a qual procederemos um estudo, uma vez que, segundo entendemos, não significa que tal figura inexistia nesse tributo municipal.

(2) A norma tributária contém mecanismos específicos para situações anômalas, como a do exemplo dado pelo ilustre professor. (art. 172, I do CTN – Remissão em face da situação econômica do sujeito passivo).

(3) São situações subjetivas e particularizadas, que devem ser olhadas caso a caso, na aplicação da proteção jurisdicional.

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Sobre o autor
Aurelino Sousa dos Santos Júnior

advogado em Belém (PA), pós-graduado em Direito Tributário pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JÚNIOR, Aurelino Sousa. O IPTU do município de Belém: um contraponto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1397. Acesso em: 5 dez. 2025.

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