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Responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de terceiros.

Reflexos da reforma eleitoral promovida pela Lei nº 12.034/09

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14/12/2009 às 00:00
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Conclusão

A instituição deste primeiro marco legal relativo à Internet seguiu, sem dúvida, a disciplina que vem se estabelecendo na legislação e jurisprudência estrangeira [10], com os devidos temperamentos orientados em função de nossa própria tradição legal, principalmente o relativo ao nosso fortalecido princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Considerando a interpretação extensiva utilizada para amplificar o sentido dos comandos legais analisados neste artigo plenamente cabível, cremos que agora o Brasil possui legislação específica que oferece princípios balizadores para as relações jurídicas na Internet. Falamos especialmente da consagração de uma postura que privilegia a liberdade em lugar da repressão prévia e procura assegurar os meios de reação apropriados ao lado da necessária reparação. É inequívoco que o legislador expressou privilégio pela manifestação do pensamento e liberdade de expressão, aliás em consonância com os princípios constitucionais. As medidas de repressão são de caráter reativo e objetivam deter tão somente o ato abusivo, estabelecendo salvaguarda importante para o exercício regular das liberdades públicas. Não se cogita que o sistema esteja pronto e acabado, sobretudo em função da complexidade da Internet ao lado do seu caráter de contínua transformação. Assim, questões relativas aos direitos individuais e coletivos, segurança, arquivamento de informações, entre outras, são temas a serem visitados e normatizados, os quais esperamos que a nova iniciativa de um marco legal seja capaz de visitar. De qualquer forma, a legislação eleitoral referente à Internet parece prover orientação importante para esse eventual detalhamento posterior por parte do legislador, bem como critérios importantes para uma hermenêutica preocupada com a harmonização de princípios constitucionais e a aplicação do direito.

Esperamos que a jurisprudência possa ser, de agora em diante, apaziguada quanto ao tema da responsabilidade civil dos Provedores de Internet por atos de usuários/terceiros, adotando a solução trazida pela lei. Contudo, mais importante que isso é a inserção no sistema jurídico brasileiro de disposição capaz de reequilibrar as dimensões normativas e funcionais do direito quanto ao tema da responsabilidade civil na Internet, emprestando segurança jurídica e previsibilidade nas decisões jurídicas. Como sabido, um ambiente de previsibilidade jurídica é essencial para proporcionar o desenvolvimento e o adensamento das relações sociais. O crescimento quantitativo e qualitativo da Internet brasileira ainda encontrava esse entrave, o qual, esperamos, possa ser paulatinamente superado – e as novas disposições são uma contribuição indiscutível nesse sentido – para que efetivamente o desejo de uma universalização do acesso ao lado da utilização adequada e positiva de todos os recursos proporcionados pela rede mundial de computadores se tornem uma realidade por aqui.


BIBLIOGRAFIA:

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Função Social da Dogmática Jurídica. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1980.

_______________ . Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo, Atlas, 1994.

LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

MONTENEGRO, Antonio Lindberg. A Internet em suas Relações Contratuais e Extracontratuais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

SILVA, Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007.

TAVARES DA SILVA, R. B. e PEREIRA DOS SANTOS, M. J (org). Responsabilidade Civil na Internet e nos demais Meios de Comunicação. Série GVlaw São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

  1. Existe uma diferenciação didática entre os tipos de Provedores de Internet, tais como Provedores de infraestrutura, Provedores de serviços (correio eletrônico, mensageiros instantâneos, ferramentas de busca, hospedagem, dentre outros), Provedores de conteúdo próprio. Embora a divisão didática seja importante para a compreensão do tema, considero que, com a nova normatização, o critério diferenciador baseia-se na ciência inescusável de evidente ilicitude (o prévio conhecimento) do ato ao lado da existência dos meios técnicos apropriados para fazer cessar tal ato (relativos a própria relação do conteúdo ilícito e a atividade desenvolvida pelo Provedor). Assim, independente do tipo de Provedor, se este é capaz de tomar ciência inequívoca da ilicitude de determinado conteúdo produzido por terceiro (na qualidade de mero intermediário) e sua atividade permitir ingerência direta e restringível a este conteúdo ilícito específico, ele deverá tomar as medidas necessárias para fazer cessar a veiculação do mesmo.
  2. Tavares da Silva, R. B. e Pereira dos Santos, M. J (org). Responsabilidade Civil na Internet e nos demais Meios de Comunicação. São Paulo: Saraiva, 2007. As hipóteses citadas são exemplificativas por serem, talvez, as mais comuns.
  3. Embora pouco se tenha considerado o Código de Defesa do Consumidor quando relativo às exclusões da responsabilidade, tais como a inexistência do defeito e a óbvia ausência de nexo causal, a culpa exclusiva do consumidor e, especialmente, a culpa exclusiva de terceiro.
  4. O Provedor desconhece o conteúdo na medida em que não pode controlar editorialmente e previamente todo conteúdo que todos os usuários inserem na rede mundial de computadores ao mesmo tempo, por meio de seus serviços, além do fato mencionado de que tal medida seria de discutível legalidade.
  5. Vale anotar o parágrafo 1º, 2º e 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor:
  6. (...)

    § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

    I - o modo de seu fornecimento;

    II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

    III - a época em que foi fornecido.

    § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

    § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

    I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

    II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

  7. Ver Artigo 5º da Constituição Federal:
  8. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    (...)

    II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

  9. Berlin, I. Dois conceitos de liberdade. In Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
  10. Referimo-nos aqui ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional em que se conjuram uma série de garantias: independência, imparcialidade do juiz, juiz natural ou constitucional, direito de ação e de defesa. Ver artigo 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito". Silva, A. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 430-33.
  11. Apenas a título ilustrativo, casos de flagrante ilegalidade são aqueles como publicação de fotos pornográficas com a participação de crianças; publicação de fotos sem autorização pelo uso da imagem; publicação de material protegido por direitos autorais (sendo que o Provedor na notificação recebe os insumos probatórios para a conclusão de que o material é protegido). Em todos eles o Provedor de Internet é capaz de, a partir de simples silogismo, com apoio em critérios objetivos, avaliar e concluir pela clara ilegalidade do conteúdo. Caso as condições concretas demandem uma avaliação ou julgamento que dependa de considerações de ordem subjetiva, deve o Provedor responder ao notificante no sentido da necessária declaração judicial da ilegalidade e ordem para a cessação do ato, já que o controle jurisdicional é, entre nós, monopólio do Poder Judiciário.
  12. Digital Millenium Copyright Act 1998 (DMCA), Diretiva 2.000/31/CE do Parlamento Europeu.
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Sobre o autor
Diego de Lima Gualda

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cientista social e político pela USP. Mestre em Ciências Políticas pela USP. Advogado atuante na área de Direito Digital em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUALDA, Diego Lima. Responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de terceiros.: Reflexos da reforma eleitoral promovida pela Lei nº 12.034/09. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2357, 14 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14008. Acesso em: 24 abr. 2024.

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