3. CONCLUSÃO
A doutrina diverge quanto à colocação sistemática da tipicidade no objeto da cognição judicial. Para uma primeira corrente, a tipicidade estaria ligada à possibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que o pedido é juridicamente impossível quando a descrição do fato imputado não revelar a existência de conduta típica. Para uma segunda corrente, a tipicidade estaria ligada à justa causa, e não à possibilidade jurídica do pedido [30]. Para uma terceira corrente, a tipicidade é sempre questão de mérito.
Entendemos que o exame da tipicidade, no processo penal, pode ser desmembrado em duas operações cognitivas: tipicidade aparente e tipicidade concreta.
A tipicidade concreta é elemento sindicável ao mérito da causa (streitgegenstand) e seu exame exige juízo de valor calcado em cognição exauriente. Contudo, a conduta descrita na inicial acusatória deve encontrar similitude com algumas das figuras típicas previstas na lei penal, o que resulta na necessidade de tipicidade aparente para a viabilidade da persecutio criminins, sem a qual não haverá sequer autorização para o início da persecução penal em juízo (impossibilidade jurídica do pedido). Assim, o exame da tipicidade aparente pertence ao juízo de admissibilidade do processo e sempre será efetuado com base em cognição superficial ou rarefeita e à luz das afirmações contidas na peça acusatória in status assertionis; o exame da tipicidade concreta pertence ao juízo de mérito e sempre será efetuado com base em cognição exauriente.
Entretanto, excepcionalmente, no juízo negativo de admissibilidade, o exame da tipicidade aparente poderá ser sobrepujado, ainda no início do processo, pelo exame da tipicidade concreta, quando as provas já constante nos autos permitirem a ilação, estribada em cognição exauriente (juízo de certeza), de que o fato é atípico, em razão da aplicação da técnica de cognição secundum eventum probationis, ganhando esse decisum contornos absolutórios e, outrossim, tendo aptidão para formação de coisa julgada material.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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___________, Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
Notas
- WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.41
- Entendendo pela existência de um terceiro grau de profundidade de cognição: Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Lumen Juris, 2007; MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999, p. 27.
- Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre. Op. Cit.
- CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 1. 3ª Ed. Trad. Bras. De J. Gimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, p.69
- Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit.
- NEVES, Celso. A Estrutura Fundamental do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
- Destaque-se que, para Celso Neves, pressupostos processuais são elementos constitutivos mínimos para que a relação processual exista, sendo questão afeta ao plano da existência; supostos processuais seriam os requisitos que deveriam coexistir para a validade do liame processual, sendo requisitos pertinentes ao plano da validade.
- Op. Cit.
- MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 261.
- Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit.
- Nesse sentido: BUZAID, Alfredo. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil. Item nº. 6.
- Nesse sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Lumen Juris, 2009.
- CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
- FILHO, Vicente Greco. Manual de Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 106.
- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
- RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8ª ed. São Paulo: Lumen Juris, 2004.
- TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de Direito Processual Penal. Vol. II. 2ª ed. Saraiva.
- MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa Para a Ação Penal – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: RT, 2001, p. 188-189.
- OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 88.
- Não se desconhece a existência de divergência doutrinária sobre o conceito analítico de crime. Entretanto, assevere-se que para a teoria finalista da ação, perfilhada pelo Código Penal Brasileiro, crime é todo fato típico, antijurídico e culpável. Nesse sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
- Nesse sentido é o entendimento de Leonardo José Carneiro da Cunha in A Fazenda Pública em Juízo. 6ª ed. São Paulo: Dialética, 2008.
- Registre-se que para aqueles que não aceitam a existência de um terceiro nível de profundidade de cognição (plano vertical) – a cognição superficial ou rarefeita –, é forçoso reconhecer que o recebimento da inicial acusatória é efetuado com base em cognição sumária. O STF já se pronunciou nesse sentido: "o recebimento da denúncia é ato que está pautado em juízo de cognição sumária, voltado, simplesmente à admissibilidade da ação penal" (STF, RHC 93853/PA, Rel. Min. Menezes Direito, 5ª Turma, DJ 29/04/2008, Informativo nº. 508).
- Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. I, p. 16, et passim.
- Nesse sentido: MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. p. 72
- Apud, DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2007.
- Apud, DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2007.
- Enrico Tulio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos Sobre a Coisa Julgada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.60.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 172
- MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa Para a Ação Penal – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: RT, 2001, p. 188-189.