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Dos princípios norteadores das prestações de contas eleitorais

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28/12/2009 às 00:00
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3. O PROBLEMA DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA INSIGNIFICÂNCIA EM MATÉRIA DE NORMAS DE ARRECADAÇÃO E GASTOS DE CAMPANHA.

Fundamental para este estudo é uma análise do problema da aplicação, muitas vezes indiscriminada e sem qualquer consistência teórica dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e também da insignificância no Direito Eleitoral e em específico no objeto deste estudo, que têm funcionado em alguns casos como uma verdadeira "válvula de escape", para aprovações de contas e mesmo para impedimento à aplicação do disposto no art. 30-A da Lei 9.504/97.

Dentro da visão contencionista e inutilitarista que parcela da jurisprudência tem exercido nas questões de envolvem financiamento e gastos de campanha, têm-se com muita frequência usado os princípios referidos como base fundamentativa para aprovações de prestações de contas com ressalvas (ou até sem) e mesmo improcedência das ações que se fundamentam no disposto no art. 30-A citado.

Aplicar tais princípios, dada a elasticidade de seus conceitos, dentro de uma roda de relativismo jurídico, às vezes aparenta um caminho fácil, uma verdadeira "válvula de escape", onde tudo parece se encaixar, mas essa facilidade é apenas aparente.

Primeiramente, porque, como já dito acima, temos um sistema de Direito positivado, civil law, onde a interpretação da Lei e da Constituição até devem obrigatoriamente se valer de princípios, mas estes não podem ser instrumentos para uma interpretação subjetiva, desviada ou até abusiva da Lei, para exclusiva satisfação dos interesses do intérprete e que normalmente se concretiza pela aplicação isolada de um princípio ou de um conjunto conveniente de princípios, o que torna a construção hermenêutica um "Frankstein jurídico", já que se chega a uma conclusão que não encontra sustentação conglobante no sistema.

De mais a mais, é necessário distinguir de forma clara, conceitual e científica cada um desses princípios e ter-se em mente que a aplicação dos mesmos deve ocorrer em conjunto com outras balisas, não podendo ser desprezados princípios como o da legalidade, da efetividade, da proteção mínima, da segurança jurídica, dentre outros.

Partindo para uma análise conceitual e científica, o princípio da proporcionalidade tem por fim primordial a aferição da validade das leis com os objetivos constitucionalmente previstos, de modo a possibilitar eventual censura sobre os prismas da Geeignertheit (adequação) e da Erforderlichkeit (necessidade).

Aprofundando-se mais no tema, tem-se como elementos do princípio da proporcionalidade esses três aspectos, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação seria a exigência de que a norma jurídica investigada, para que possibilitasse sua aplicação válida, gerasse minimamente a finalidade para a qual foi criada.

Já pela ótica da necessidade, obriga-se que dentre as várias possíveis formas de se exigir algo dos destinatários da norma que esta opte pela forma que menos restrinja, aquela menos danosa, aos direitos fundamentais.

Finalmente, quanto à proporcionalidade em sentido estrito, deve-se comparar os efeitos positivos e negativos da norma, tendo-se como preponderante os seus efeitos positivos.

De outra parte, o princípio da razoabilidade não possui elementos objetivos e melhor definidos como o princípio da proporcionalidade, apesar de autores tentarem dar tais contornos, mas acabando por igualar ou aproximar bastante os postulados em estudo.

As distinções entre tais princípios envolve aspectos de origem histórica, estrutura e abrangência na aplicação, mas poderia-se dizer de forma simples que a idéia de razoabilidade está mais atrelada ao pensamento do homem médio ou do pensamento comum da sociedade contemporânea.

E quanto ao princípio da insignificância? É possível sua aplicação no âmbito do Direito Eleitoral, especificamente em matéria cível-eleitoral ou administrativo-eleitoral?

Ab initio, é imprescindível ressaltar que a violação às normas do Direito Eleitoral, de regra, já implicam em algo grave, visto que as mesmas tutelam o sistema democrático, são normas que condensam questões de alto grau de interesse público, de aplicação cogente e que estão intrinsecamente ligadas a normas fundamentais à conformação do Estado Democrático de Direito.

De fato, tão ou mais grave que empossar um segundo colocado numa eleição é empossar um primeiro que chegou a tal colocação violando as regras do processo eleitoral, especialmente àquelas relativas à movimentação financeira, e que assumirá a função sem substancial legitimidade democrática e possivelmente para causar danos ao patrimônio público, ante o possível comprometimento com a fonte de custeio.

Assim sendo, a premissa a ser firmada é que no Direito Eleitoral, em questões cíveis-eleitorais ou administrativo-eleitorais que envolvam o processo eleitoral como um todo (com efeitos coletivos), as infrações são de mera conduta, de modo que não é possível ter-se como bagatela valores financeiramente altos ou medianos. Insignificante precisa ser ínfimo mesmo, do ponto de vista de cada campanha, dos adversários do candidato e da realidade social e econômica de um país subdesenvolvido como é o Brasil.

Procurando sistematizar o estudo, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira e Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luiz de Pádua Cerqueira [18] elencam os requisitos ao reconhecimento do princípio da bagatela, valendo-se também das lições de Direito Penal de Luiz Flávio Gomes, in verbis:

"(...) A Justiça Eleitoral deve ser muito criteriosa com a aplicação do mencionado princípio, levando em conta os seguintes critérios [19], já estudados no Capítulo 2 desta obra e tomo:

(a) dois pressupostos:

1.o) legalidade;

2.o) justificação teleológica da medida;

(b) em alguns casos: o requisito extrínseco da judicialidade (autorização judicial);

(c) motivação;

(d) três requisitos intrínsecos:

1.o) idoneidade (ou adequação);

2.o) necessidade (intervenção mínima);

3.o) proporcionalidade em sentido estrito (ponderabilidade)."

De mais a mais, é fundamental repisar que os princípios ora tratados não podem ser aplicados isoladamente, desatrelados dos demais postulados que se aplicam à matéria, como a legalidade, efetividade, vedação ao retrocesso e, especialmente, quanto ao fundamento da isonomia que a Justiça Eleitoral obrigatoriamente deve dar aos candidatos.

Não é justo, nem muito menos democrático, concorrer com alguém que faz "caixa 2" e pratica toda sorte de ilícitos na área de arrecadação e gastos, fazendo a Justiça Eleitoral ouvidos moucos à situação.

Ora, a isonomia é um dos postulados mais relevantes no Estado de Direito, tendo seu desdobramento no processo eleitoral que é o princípio da igualdade de oportunidade (ou de "chances") entre os concorrentes.

De outro bordo, é sem qualquer base científica equiparar-se proporcionalidade e razoabilidade com potencialidade do dano ou, pior ainda, com nexo de causalidade, ou ainda muito pior, com insignificância, substituindo a subjetividade e o relativismo destes dois últimos conceitos pela dos primeiros, como se fossem a mesma coisa.

Ademais, é sempre preciso aplicar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade de forma harmônica com outros princípios igualmente relevantes, como é o princípio da legalidade, o princípio da igualdade de oportunidade e de tratamento entre os concorrentes e os próprios princípios que orientam o processo de prestação de contas e que foram acima detalhados.


4. DAS CONCLUSÕES

A preocupação sobre o tema aqui tratado não é apenas no Brasil. Em diversos países têm existido alterações legislativas no ponto, tendo-se por objetivo eleições imunes ao abuso do poder econômico, à concretização do princípio da igualdade de armas e oportunidades entre os concorrentes e, enfim, à realização de uma verdadeira democracia do ponto de vista material.

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Sem a preocupação legislativa e judicial com o controle do tema ora estudado, sabe-se que na prática político-partidária o cabedal econômico de um político e de seu grupo representa uma verdadeira seleção natural do processo eleitoral, o que é um completo absurdo se considerarmos um conceito de democracia essencialmente substancial.

É fato notório no cotidiano da democracia brasileira que sobretudo para cargos majoritários o primeiro pré-requisito para uma candidatura de sucesso é ter dinheiro. Exceções existem e são louváveis, todavia apenas confirmam a regra.

O poder econômico no Brasil é algo que se situa acima das instituições e que, ao longo da nossa história, nunca foi objeto de qualquer atuação do Estado no sentido de ao menos diminuir a sua influência, sobretudo no processo eleitoral.

Dentro desse contexto, que espelha a realidade atual do Brasil, com as honrosas exceções, é simplesmente impossível a um pretendente desafortunado, por mais qualificado que seja e por mais espírito público que tenha, concorrer em um eleição em pé de igualdade e isso é muito grave para a democracia, sendo certo que a mudança desse quadro passa pela aplicação séria e efetiva das normas que regem a arrecadação e os gastos de campanha.


REFERÊNCIAS

1 – ADEODATO, João Maurício Leitão. Ética e Retórica – Para uma teoria da dogmática jurídica: ed. Saraiva, 2002.

2 – BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional: Tomos I, II e III, Ed. Renovar, 2005.

3 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional: 7.a ed. São Paulo: Malheiros.

4 - CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro: ed. Edipro, 8.ª edição.

5 - CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição: Coimbra, Almedina, 1998.

6 – CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição: Almedina. Coimbra, 1991.

7 – CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo: ed. Lumem Juris, 14.a edição.

8 - CASTRO, Aldemário Araújo. "Absorção": uma engenhosa e inconstitucional forma de redução da remuneração do servidor público: , Teresina, ano 11, n. 1349, 12 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9584>. Acesso em: 06.mar.2009.

9 – CASTRO, Edson de Resende. Teoria e Prática do Direito Eleitoral: 4a. edição, ed. Mandamentos.

10 – CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Paiva. Preleções de Direito Eleitoral: ed. Lumem Juris, Tomos I e II;

11 – CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Paiva e CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Paiva Cerqueira, Tratado de Direito Direito Eleitoral: ed. Premier Máxima, Tomos I, II, III e IV, 2008.

12 - GOMES, Luiz Flávio, Direito processual penal: São Paulo, ed. RT, 2005.

13 – GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral, ed. Impetus, 3.a edição.

14 – JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, 1.o volume – Parte Geral, 19.a edição.

15 - LIMA, Sídia Maria Porto. Prestação de Contas e Financiamento de Campanhas Eleitorais: ed. Juruá, 2.a edição.

16 - MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Direito Administrativo: 16.a ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

17 – MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Validade: São Paulo: Saraiva, 1995.

18 - MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional: Ed. Saraiva/IDP. 2.a edição.

19 - RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos,: 5.a ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

20 - ROTHENBURGO, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

21 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo: ed. Malheiros, 10.a edição.

22 - STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito: 6.a ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005

23 - TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional: ed. Saraiva, 2.a edição

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Sobre o autor
Fausto F. de França Júnior

procurador do Estado de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA JÚNIOR, Fausto F.. Dos princípios norteadores das prestações de contas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2371, 28 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14084. Acesso em: 23 dez. 2024.

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