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O cabimento da sentença parcial de mérito após a Lei nº 11.232/05

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28/12/2009 às 00:00
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3 ATOS DO JUIZ

Como se sabe, o juiz é o órgão do Estado competente para o exercício de sua função jurisdicional, ou seja, a de dizer o direito, desde quando foi retirada do particular a possibilidade de defender os seus interesses através do exercício da autotutela.

Assim, com a adoção pelo ordenamento pátrio da teoria do órgão, como bem discorreu Celso Antonio Bandeira de Mello [16], em relação à atuação dos agentes públicos, o juiz deve ser investido pela lei de um poder jurídico para que a sua vontade, ou, no caso, o seu entendimento, seja imputado como se fosse tida pela própria pessoa jurídica estatal.

Sob esta ótica, é possível identificar o Código de Processo Civil como a lei que confere, no campo civil, tais poderes ao juiz, haja vista dispor, em um rol taxativo, sobre a atuação do agente do órgão jurisdicional, visando garantir uma maior segurança jurídica tanto em relação à previsibilidade dos atos do juiz, quanto aos instrumentos capazes de requerer a modificação de tais atos por órgão de instância superior.

3.1 Análise inicial

Os poderes conferidos ao juiz pela lei instrumental civil comportam várias classificações na doutrina, diferindo, basicamente, na nomenclatura. Humberto Theodoro Júnior os classifica como decisórios e não decisórios, havendo sempre nos primeiros um conteúdo de deliberação ou de comando; enquanto que nos últimos apenas função administrativa ou de polícia judicial. [17] Já Alexandre Câmara os define como administrativos e jurisdicionais, dividindo estes últimos ainda em poderes meio e poderes fim. [18]

Analisando as classificações utilizadas pelos dois doutrinadores, adota-se a elaborada pelo jurista mineiro, apenas por ser mais pragmática. Assim, com base na classificação adotada, dentre os poderes do juiz, identificamos os não decisórios, ou seja, que não influem no deslinde da questão litigiosa, tais como o ato de presidir a audiência, de disciplinar o funcionamento do cartório da vara onde atua etc, fazendo com que a doutrina os entenda como atos administrativos do processo. [19]

Tal visão dos poderes não decisórios do juiz se aproxima da concepção do direito liberal clássico – a qual defendia que o Estado não deveria intervir na esfera dos particulares – de um juiz inerte, neutro que não interfere no processo. [20] Desta forma, tais poderes limitar-se-iam à ordem do processo.

Os poderes decisórios, sob um outro giro, também foram atingidos pela teoria liberal supramencionada, não sendo utilizados, inicialmente, para que os juízes interviessem no processo, mas apenas para que estes aplicassem a lei ao caso concreto. Porém, com o tempo, a tese de neutralidade do juiz foi derrubada, pois, como bem criticou Marinoni, não é possível ter "um juiz despido de vontade consciente e que este não deve se importar com o resultado da instrução (...) como se a busca do material adequado para sua decisão fosse problema exclusivo das partes". [21]

Destarte, com o abandono da tese do direito liberal clássico, entendeu-se que o interesse público na realização da justiça sobrepõe-se ao interesse das partes, devendo o agente público responsável pela função jurisdicional influir no resultado rápido e justo do processo a fim de garantir a segurança jurídica. Desta maneira, modernamente, os atos decisórios conferidos por lei ao juiz são o modo pelo qual deve influir no processo.

Tais atos, seguindo a linha de Theodoro Júnior, se dividiriam, ainda, em decisórios propriamente ditos e executivos. [22] Os primeiros serviriam à fase cognitiva do processo, quando do dizer do direito, enquanto que os últimos à fase executiva, quando da efetivação da entrega do bem da vida à parte que tem razão. Para melhor explorar o tema proposto, discorrer-se-á apenas sobre os atos decisórios propriamente ditos, pois, como está disposto topograficamente na Lei Adjetiva Civil, os atos processuais são o Título IV do Livro I que dispõe justamente sobre o processo de conhecimento ou sobre a fase cognitiva – terminologia usada para alinhar-se à reforma feita pela Lei 11.232/05.

Com isso, elenca o Código de Processo Civil, em seu artigo 162, a classificação dos atos do juiz, sendo eles os despachos, as decisões interlocutórias e as sentenças.

3.2 Dos atos do juiz

3.2.1 Despacho

O despacho é um ato decisório residual do juiz, ou seja, tudo aquilo que não for sentença ou decisão interlocutória. A própria lei assim o identifica quando prevê, no §3º antes mencionado artigo 162, que "os despachos são todos os demais atos praticados pelo juiz no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma".

Como aponta Ovídio Baptista, "os despachos são provimentos judiciais de simples impulso processual, por meio dos quais o juiz provê a respeito do andamento do feito". [23] Já Misael Montenegro Filho o entende "como o pronunciamento que nem põe termo ao processo nem impõe qualquer prejuízo a uma das partes do embate judicial, apenas tratando de garantir a marcha processual sem qualquer apreciação – superficial ou total – do mérito". [24]

Porém, é imperioso ressalvar nestes argumentos o tema sobre o despacho saneador, que, apesar da nomenclatura, tem natureza de decisão interlocutória, haja vista analisar, ainda que superficialmente, a presença das condições da ação e dos pressupostos processuais.

Por estas razões, Moacyr Amaral entende o despacho saneador como decisão interlocutória por resolver uma questão processual. [25] Neste mesmo sentido, Ovídio Baptista entende tal despacho como a mais importante decisão interlocutória. [26] Já Carreira Alvim, por sua vez, prefere a classificação em despachos de mero expediente e despachos interlocutórios, alocando, dentre estes últimos, o despacho de rejeição de extinção do processo (de natureza saneadora). [27]

3.2.2 Decisão interlocutória

A decisão interlocutória, por sua vez, é o ato pelo qual o juiz resolve uma questão incidente no processo, como claramente disposto na lei, distinguindo-se dos despachos porque elas são, em regra, capazes provocar algum gravame às partes [28]; e, por outro lado, das sentenças porque a solução da aludida questão incidente não leva ao encerramento do feito. [29] Entretanto, como será demonstrado mais adiante, esta última distinção torna-se tênue com a decisão interlocutória prevista no parágrafo 6° do artigo 273 do Código de Processo Civil.

Ademais, faz-se mister ressaltar que a tutela jurisdicional provisória – necessária para que o Estado cumpra o compromisso assumido de não apenas reparar lesão que alguém tenha sofrido no seu direito (tutela reparatória ou sancionatória), mas também de evitar que tal lesão venha a ocorrer (tutela preventiva) [30] – é prestada por meio de decisões interlocutórias, eis que a adoção de medidas acautelatórias [31] nada mais é do que uma questão incidente resolvida no processo. Entretanto, tal incidente não se limita a uma questão meramente processual [32], como, por exemplo, o indeferimento de produção de uma determinada prova, mas atinge o mérito porquanto se presta a antecipar o gozo do direito vindicado ou garantir uma futura execução. [33]

Desta forma, segundo Montenegro Filho, dependendo de sua função no processo, a tutela provisória pode ser de duas espécies: a medida cautelar e a tutela antecipada e, se qualificam a desatar alguma questão incidente sem encerrar o processo. [34]

A medida cautelar é utilizada para assegurar o objeto principal da lide, visando melhor aparelhar o processo a fim de cumprir seus objetivos. [35] Tal decisão interlocutória pode ser requerida pela parte tão logo seja necessária uma medida acauteladora do objeto principal, podendo, inclusive, ser deferida pelo juiz sem a audiência das partes, como disciplinado no artigo 798 do Código de Processo Civil.

Como bem observou Zavascki, na medida cautelar o resultado prático não guarda relação de pertinência com a satisfação do direito e sim com a sua garantia, e sua duração será limitada no tempo, não sendo sucedida por outra de mesmo conteúdo ou natureza (isto é, por outra medida de garantia), razão pela qual a situação fática por ela criada será necessariamente desfeita ao término de sua vigência. [36]

Já a tutela antecipada é aquela que antecipa "a eficácia que a futura sentença poderá produzir no campo da realidade dos fatos" [37], com base em prova inequívoca colacionada aos autos, visando uma melhor distribuição do tempo processual entre as partes litigantes. Seguindo os ensinamentos de Zavascki:

... a medida antecipatória tem lugar quando urgente é a própria satisfação do direito afirmado (...), havendo, em sentido lato, execução antecipada como um meio para evitar que o direito pereça ou sofra dano (execução de segurança) (...), e com efeitos que podem ser perpetuados no tempo, pois destinada a ser sucedida por outra de conteúdo semelhante, a sentença final de procedência, cujo advento consolidará de modo definitivo a situação fática decorrente da antecipação. [38]

Essas duas tutelas, por serem categorias do gênero medidas urgentes [39], são fungíveis entre si, de acordo com o parágrafo 7° do artigo 273 da Lei Adjetiva Civil e com a interpretação feita Dinamarco. O referido dispositivo legal preceitua que pode o juiz conceder um provimento antecipado quando houver pedido de natureza cautelar. Já o doutrinador, ao defender a possibilidade de concessão de medida cautelar quando pleiteado um provimento antecipado, assim argumenta:

O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação de tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um. [40]

3.2.3 Sentença

A sentença, por fim, segundo a redação dada pela lei 11.232/05 ao §1º do artigo 162, é o ato pelo qual o juiz decide na forma dos artigos 267 e 269, resolvendo ou não o mérito. Esta nova definição fez com que a sentença deixasse de ser o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, com vistas a permitir a reunião dos processos de conhecimento e de execução em um processo sincrético de fases cognitiva e executiva. [41]

Este é o principal ato decisório do juiz e, por esta razão, o mais complexo. Deve ser analisado quanto à espécie, à estrutura, aos vícios e de acordo com a ação de que provém. [42]

São duas as espécies de sentença: a terminativa e a definitiva. Para melhor compreendê-las, é importante lembrar primeiro que o autor, ao deduzir em juízo uma pretensão resistida, buscando uma posição jurídica de vantagem, formula dois requerimentos: o primeiro é o de receber um provimento jurisdicional, já o segundo é de receber o bem da vida perquirido judicialmente. Com isso, a satisfação deste caberá ao réu se ela não decorrer da própria natureza da sentença (como nos casos de sentença declaratória ou sentença constitutiva), enquanto a satisfação daquele – caso haja direito ao julgamento de mérito – cabe ao Estado-Juiz. [43]

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Concluindo o magistrado que não há direito ao julgamento do mérito da causa, rejeitando então a primeira das pretensões, seu pronunciamento acaba aí: extingue o processo sem resolução de mérito, sem afirmar ou negar se o autor tem direito ao bem da vida que pretende. Por outro lado, acolhendo esta primeira pretensão (ao julgamento do mérito), passará então a julgar o mérito da causa, seja pela procedência, seja pela improcedência do pedido. Essas são as linhas da teoria da pretensão bifronte propostas em sede doutrinária por Dinamarco. [44]

Desta forma, tem-se a sentença terminativa, disposta no artigo 267, que não aprecia a relação material, ou seja, não resolve o mérito. Neste sentido, ressalta Fux:

... frustrada a análise do mérito pela existência de impedimentos processuais como a falta das condições da ação ou dos pressupostos processuais, a sentença será meramente formal, denunciadora de patologia processual, gerando um pronunciamento meramente terminativo. Diz-se ‘terminativa’ a sentença, porquanto o processo termina, mas não resolve o litígio entre as partes, na medida em que a questão de fundo resta sem solução. [45]

Neste caso, opera-se, em regra, apenas a coisa julgada formal, e, na visão de Misael Montenegro, não se permite "a rediscussão dos elementos da ação no bojo da relação processual finda, sem se afastar, contudo, a possibilidade de esses elementos serem agitados em outra demanda judicial". [46]

A sentença definitiva, por sua vez, é aquela em que há o enfretamento do pedido formulado pelo autor [47], operando-se a coisa julgada material, cuja definição dada por Moacyr Amaral revela que:

O comando emergente da sentença se reflete fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade de seus efeitos. A vontade da lei, que se contém no comando emergente da sentença, e que corresponde à expressão da vontade do Estado de regular concreta e definitivamente o caso decidido, tornou-se indiscutível, imutável, no mesmo ou em outro processo. O comando emergente da sentença, tornado imutável, adquire autoridade de coisa julgada a impedir que a relação de direito material decidida, entre as mesmas partes, seja reexaminada e decidida, no mesmo processo ou em outro processo, pelo mesmo ou outro juiz ou tribunal. [48]

Faz-se mister ressaltar que há exceção quanto à produção de coisa julgada material na sentença definitiva, ocorrendo nos casos em o pedido for julgado improcedente por falta de provas na Ação Civil Pública, na Ação Popular e na Ação Coletiva de defesa do consumidor, quando se produzirá apenas coisa julgada formal por força do disposto no artigo 16 da Lei 7347/85, do artigo 19 da Lei 4.717/65, e do inciso I do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente.

Dentro desta análise de sentença quanto a sua espécie, Dinamarco faz algumas observações quanto o tipo de coisa julgada que se opera, analisando-se as falsas carências de ação e as falsas ilegitimidades ad causam. [49]

As primeiras dizem respeito ao julgamento do processo sem resolução de mérito com base na ausência de supostas condições da ação, proferindo-se uma sentença terminativa, quando, segundo defendido por Dinamarco, deveria ser proferida uma definitiva. Um exemplo citado pelo doutrinador é a falta de direito líquido e certo quando da impetração do mandado de segurança, devendo ser entendida como falta de prova dos fatos alegados pelo impetrante e culminar na improcedência da demanda e não a sua inadmissibilidade. [50]

As segundas também são caracterizadas pela prolação de sentença terminativa no lugar de uma definitiva, mas embasando-se em uma suposta ilegitimidade da parte. Dinamarco exemplifica com o caso de uma ação movida em face de dono de veículo que consta nos registros oficiais, mas que comprova que o havia vendido antes. Nestes termos, para o doutrinador, o dono tem a obrigação de indenizar pelos fatos da coisa, mas o não-dono não, sendo o ex-dono um não-dono. [51]

Já Leonardo Greco [52], por sua vez, com base da teoria da asserção (in statu assertionis), rebate essas duas observações feitas por Dinamarco, argumentando que as condições da ação e a legitimidade devem ser entendidas como presentes pela própria afirmação do autor no momento da propositura da demanda, pois o seu direito à tutela jurisdicional é incondicionado. Desta forma, a análise das condições da ação e da legitimidade são "juízo sobre as questões de direito material, mas não de mérito, que parte da situação fática concreta relatada pelo autor para fundamentar a sua pretensão e do qual decorre, em caso positivo, a mera admissibilidade do julgamento do direito material". [53]

Todavia, apesar de defender a aferição das condições da ação a partir da asserção, Greco ressalva que tal análise não deve ser absoluta, porque, se a demanda for totalmente infundada, o autor pode ser julgado carecedor da ação "para não submeter o réu ao ilegal constrangimento de ter de defender-se e de perder o pleno gozo do seu direito decorrente da litigiosidade, sem uma causalidade adequada". [54]

A sentença pode, ainda, ser classificada de acordo com a ação de que provém. Porém, tal classificação comporta duas correntes. A primeira adota a teoria quinária [55], a qual identifica a existência de sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, mandamentais e executivas. Já a segunda corrente adota a teoria ternária [56] que reconhece apenas a existência das três primeiras apontadas pela primeira teoria, estando as duas últimas dentro do conceito da sentença condenatória.

A sentença declaratória elimina um estado de incerteza, só produzindo, após o seu trânsito em julgado, efeitos que retroagem à data da propositura da ação. [57] Nesta sentença, o bem da vida é alcançado sem a necessidade de execução [58] da parte declaratória, cabendo somente da parte condenatória como, por exemplo, a condenação em custas e honorários.

Com base nessas considerações, é possível afirmar que toda a sentença de improcedência será declaratória [59], pois elide um estado de incerteza levantado pelo autor, tendo ela também efeitos retroativos.

Já a sentença constitutiva é aquela que cria, modifica ou extingue a relação jurídica [60], só gerando, em regra, após o trânsito em julgado, efeitos que não retroagem à data da propositura da ação. Assim como ocorre na sentença declaratória, na parte constitutiva da sentença o bem da vida é entregue sem necessidade de execução. [61]

Como bem observou Moacyr Amaral Santos, em alguns casos previstos em lei, pode a sentença constitutiva ter efeitos retroativos, como aquelas que anulam o ato jurídico por incapacidade relativa do agente, ou por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Tais sentenças podem, ainda, ter efeitos especiais, como a de interdição que produz efeitos ex nunc a partir da sentença, mesmo que não tenha ocorrido o trânsito em julgado. [62]

A sentença condenatória, por sua vez, nas palavras de Carreira Alvim, é aquela que "impõe ao réu o cumprimento de uma obrigação, ou seja, condena o réu a uma prestação". [63] Por esta razão, o bem da vida só será alcançado se houver execução, pois parando o processo na fase cognitiva, esta sentença terá característica de declaratória. [64]

Neste caso, os efeitos podem ser produzidos antes do trânsito em julgado com a promoção de uma execução fundada em decisão provisória, conforme denominação de Marinoni. [65]

Outrossim, a sentença mandamental é aquela que prevê um mandamento dirigido ao réu para que este cumpra o determinado na decisão. Com efeito, a coerção é focada para vontade do réu e não para o resultado. Luiz Fux, ainda que se adira à teoria ternária, bem salientou que:

São as sentenças mandamentais que, ante o seu descumprimento, acenam ao destinatário com o delito de desobediência, criminalizando o comportamento omissivo diante da ordem judicial, sem prejuízo dos meios de coerção que a acompanham para fins de atingimento daquilo que a decisão judicial ordena. Assim, são as sentenças emergentes das ações mandamentais como o mandado de segurança, as cautelares constritivas de bens e restritivas de direitos, bem como as decisões de antecipação de tutela com as características pertencentes da restrição e constrição. [66]

Importante asseverar a diferenciação entre as espécies de sentença feita por Pontes de Miranda, apontando o nobre jurista que:

Na ação mandamental pede-se que o juiz mande, não só declare (pensamento puro, enunciado de existência), nem que condene (enunciado de fato e valor); tampouco se espera que o juiz por tal maneira fusione o seu pensamento e o seu ato que dessa fusão nasça a eficácia constitutiva (...) No mandado, o ato é o ato que só o juiz pode praticar, por sua estatilidade. [67]

Por fim, a sentença executiva consiste na sub-rogação do Estado-juiz para a conduta do réu, quando este não der cumprimento ao julgado voluntariamente. Na visão de Pontes de Miranda, executivas são aquelas sentenças com o fim de restituir (sentenças resitutivas) ou extrair valor (sentenças extrativas) que está no patrimônio do demandando e pô-lo patrimônio do demandante. [68] Porém, a doutrina moderna vai além da mera transferência de valores de um patrimônio para o outro, exemplificando que a sentença concessiva de despejo, a que condena o réu a emitir uma declaração de vontade, ou a que condena nas obrigações de fazer, não-fazer e entrega de coisa, terão, também, um viés de auto-executoriedade, haja vista a sua eficácia se manifestar na própria relação de conhecimento sem necessidade de processo próprio de execução. [69]

Sob um outro giro, a sentença, quanto à estrutura, possui requisitos formais elencados no artigo 458 do Código de Processo Civil, que são o relatório, a fundamentação (motivação) e o dispositivo (decisão, conclusão).

O relatório é a exposição da história relevante do processo nos dizeres de Pontes de Miranda, como bem lembram Moacyr Amaral e Carreira Alvim. O jurista mineiro ainda complementa, apontando que:

... constitui parte da sentença onde são identificadas as partes, resumidas as pretensões de cada uma delas (o pedido do autor e a defesa do réu), ressaltando aí o juiz os incidentes surgidos no curso do processo, salientando o teor da controvérsia que será decidida. [70]

Moacyr Amaral entende que a falta de relatório torna a sentença nula, por ser condição de sua validade, ou seja, é um requisito essencial. [71] Fux acrescenta ainda que se impõe a cassação desta sentença pela instância superior. [72]

Ovídio Baptista, por sua vez, menciona que é através dele que as partes podem aferir se o julgador examinou com a atenção os autos e a fundamentação jurídica de cada litigante. [73]

Já a fundamentação é requisito constitucional, sob pena de nulidade, previsto no inciso IX do artigo 90 da Carta Magna, sendo o momento em que o juiz externa o seu entendimento sobre o "acerto ou desacerto das teses das partes, explicitando os fundamentos de fato e de direito que lhe formaram a convicção" [74], com o objetivo de demonstrar ao vencido do que ele pode recorrer. [75] A verdade dos fatos, estabelecida como fundamento, e os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não fazem coisa julgada, conforme previsão dos incisos I e II do artigo 469 da lei instrumental civil.

A ausência de fundamentação, segundo Fux, também acarreta na nulidade da sentença, "posto não se admitir um salto do relatório à decisão". [76]

Finalmente, a parte dispositiva da estrutura é a conclusão do juiz, "onde reside o comando que caracteriza a sentença como ato de vontade" [77] do órgão jurisdicional. Por esta razão, como salienta Moacyr Amaral, a sentença sem dispositivo é ato inexistente. [78] Carreira Alvim menciona que a parte dispositiva da sentença deve guardar coerência com a fundamentação, sob pena de comprometer a validade e a eficácia da sentença. [79]

Fux mais uma vez, em seus sábios ensinamentos, argumenta que "a sentença sem conclusão é uma não-sentença, uma sentença inexistente. A inexistência persiste ainda que se possa inferir a que conclusão teria chegado o juiz". [80]

O último ponto a ser abordado acerca das sentenças é a sua classificação quanto aos seus vícios. O juiz, ao proferir a sentença, deve observar o chamado princípio da adstrição ou da congruência ao pedido das partes. Desta forma, não pode ir "além do que fora pleiteado em juízo, sob pena de eventual reconhecimento de nulidade de seu pronunciamento judicial". [81] As situações que excepcionam este princípio são os casos de verbas vincendas não pleiteadas pelas partes no momento da propositura da demanda, de custas processuais, de juros legais, de correção monetária, dos honorários advocatícios, e da multa (em detrimento da parte vencida) por eventual litigância de má-fé, os quais o juiz poderá conceder ainda que não constem do pedido das partes. [82]

Assim, a classificação da sentença quanto aos seus vícios se dá nos casos em que há os julgamentos ultra petita, extra petita e citra petita.

O julgamento ultra petita ocorre quando o juiz "confere à parte mais do que foi por ela pleiteado" [83], tendo "eficácia reduzida no que toca à parte inoficiosa, podendo o tribunal podar o excesso e aprecia-la quanto ao mérito". [84] Uma hipótese deste tipo de julgamento é quando há o pedido de pagamento de um mês de pensão alimentícia e a sentença condena ao pagamento de dois meses.

Extra petita será o julgamento em desacordo com o pedido autoral, "conferindo-se à parte pedido ou parcela do pedido diferente do que fora pleiteado". [85] Um exemplo é o pedido de pagamento de aluguéis atrasados julgado procedente para despejar o inquilino.

Por derradeiro, o julgamento citra petita se dá quando o juiz profere a sentença sem analisar, ainda que implicitamente, todos os pedidos e todos argumentos das partes. Nestes casos, ressalta Fux:

A decisão (citra petita), porque omissa, pode ser complementada por força da interposição de embargos de declaração. Entretanto, se a parte assim não proceder, não é lícito ao tribunal contemplar pedido sobre o qual a sentença tenha se omitido, porque isso equivaleria julgar a pretensão, diretamente na instância (ad quem), com violação do princípio do duplo grau de jurisdição. [86]

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Sobre o autor
Rodrigo Lessa Vieira

advogado, sócio do escritório Wanderley & Lessa Advogados, formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, com Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Rodrigo Lessa. O cabimento da sentença parcial de mérito após a Lei nº 11.232/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2371, 28 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14092. Acesso em: 26 abr. 2024.

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