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Comunidades tradicionais, plurinacionalidade e democracia étnica e cultural.

Considerações acerca da proteção territorial das comunidades de remanescentes de quilombos brasileiras a partir da ADI nº 3.239

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A CONVENÇÃO N° 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A Organização Internacional do Trabalho sempre manifestou em sua existência especial preocupação com a situação das comunidades tradicionais. A Convenção n° 107, sobre as Populações Indígenas e Tribais, de 1957, possuía como cerne a necessidade de proteção e integração das populações indígenas, tribais e semi-tribais em países independentes.

Ocorre que, apesar da importância dessa Convenção, as revoluções sociais da década de 60 e 70 do século passado demonstraram seus traços obsoletos à época. O próprio Comitê de Peritos da Organização Internacional do Trabalho reconheceu, em 1986, a necessidade de sua alteração.

Nesse sentido, na 76ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1989, adotou-se a Convenção n° 169, sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, único instrumento internacional que trata de forma específica das comunidades tradicionais.

Essa Convenção reconhece a existência de povos tribais cujas condições econômicas, culturais, sociais as diferenciem de outros segmentos da população nacional. Também são considerados povos indígenas que descendem dos habitantes de um espaço geográfico colonizado à época de conquista e colonização, que conservam suas instituições sociais, econômicas e culturais.

Dois importantes traços emergem desse instrumento internacional. Em um primeiro momento, vemos a presença do critério da auto-identificação. A Convenção adota como critério primordial para o reconhecimento da existência de um povo sua auto-identificação como singular perante outros segmentos populacionais. Deve-se ressaltar a importância da adoção desse critério, preceituado como vital para a Antropologia. Ademais, deve-se ressaltar a importância das consultas e participação livres adotada na Convenção n° 169. Esse traço marca a derrota do paternalismo existente na Convenção n° 107, corretamente criticado. Em um novo paradigma, não cabe ao segmento populacional dominante definir os temas de maior relevância para as comunidades indígenas e tribais. Essas, tratadas de forma equânime e tendo suas diferenças reconhecidas, possuem total capacidade e legitimidade para apresentarem quais são suas prioridades e interesses. Sob a faticidade, qualquer medida estatal que venha a influenciar as comunidades indígenas e tribais deve ser precedida de consultas amplas, livres e prévias, por meio das quais tais povos tenham participação na construção das citadas medidas.

De forma específica, trata o instrumento internacional aqui discutido da política geral; terras; contratação e condições de emprego; indústrias rurais; seguridade social e saúde; educação e meios de comunicação; contatos e cooperação através das fronteiras e administração. Apesar da importância de cada temática, trataremos da proteção territorial apresentada pelo instrumento internacional.

Em seus primeiros artigos relativos ao tema, a Convenção já demonstra as peculiaridades na relação terra e comunidades tradicionais. Apresenta que os governos deverão atentar para a especial importância que a terra possui para as comunidades. Ademais, insere-se no termo "terra" não só aquelas regiões habitadas pelos povos indígenas e tribais, mas a totalidade do habitat utilizada e necessária para a manutenção física, social, cultural e econômica da comunidade.

Avançando, garante a Convenção o direito a propriedade e posse das terras dos povos tratados pela Convenção. De forma resumida, entende-se que a principal preocupação da Convenção é considerar a relação peculiar mantida entre as comunidades tradicionais e suas terras.

Nesse aspecto, merece especial atenção a desconstrução do imaginário de propriedade privada amplamente difundido pelo Ocidente. Não há, em grande parte das comunidades, a concepção de um bem natural de propriedade de uma só pessoa. Para essas, inexiste propriedade única daqueles bens que beneficiam toda uma coletividade.


O DECRETO 4.887/2003

O Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, busca regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Com sua edição, revogou-se o Decreto 3.912/2001, que tratava da mesma matéria. Esse somente reconhecia a propriedade daquelas comunidades que eram ocupadas por quilombos em 1888 e restavam também ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República vigente no Brasil. A competência do processo administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras era da Fundação Cultural Palmares. Caberia a essa Fundação elaborar relatório técnico contendo a identificação de aspectos étnicos, histórico, cultural e sócio-econômico do grupo; estudos complementares de natureza cartográfica e ambiental; levantamento dos títulos e registros incidentes sobre as terras ocupadas e a respectiva cadeia dominial, perante o cartório de registro de imóveis competente; delimitação das terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação e parecer jurídico. Elaborado, esse relatório técnico seria encaminhado para o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Secretaria do Patrimônio da União, Fundação Nacional do Índio e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para manifestações em prazo máximo de 30 dias. Após essas, a Fundação Cultural Palmares elaboraria parecer conclusivo no prazo de 90 dias, publicado por três dias consecutivos no Diário Oficial da União e da unidade da federação onde se localiza a área a ser demarcada.

Desse momento, conta-se o prazo de 30 dias para impugnações de terceiros interessados. Então, o presidente da Federação Cultural Palmares decidirá a questão, cabendo recurso, no prazo máximo de 15 dias ao Ministro de Estado de Cultura. Inexistindo impugnações por terceiros interessados, o Presidente da Fundação Cultural Palmares encaminhará o parecer conclusivo e os autos do processo administrativo ao Ministro de Estado de Cultura. Esse, em até 30 dias após recebimento dos autos, decidirá pela declaração, mediante portaria dos limites da terra; pela solicitação de diligências que se fizerem necessária, ou pela desaprovação da identificação, retornando os autos a Fundação Cultural Palmares, juntamente com decisão fundamentada que explicite o não atendimento do caso ao art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta feita, em até 30 dias de publicado o decreto de homologação, a Fundação Cultural Palmares conferiria a titulação de terras à comunidade e promoveria o respectivo registro no cartório de imóveis correspondente.

Diversas são as modificações observadas no decreto 4.887/2003. O primeiro ponto a ser apresentado é a modificação quanto à identificação das comunidades de remanescentes de quilombos. Com o novo Decreto, comunidades de remanescentes de quilombos serão aqueles grupos "étnicos-raciais", segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas e com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Compete ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos. Poderá o INCRA iniciar de ofício o procedimento ou mediante manifestação de qualquer interessado.

Conforme apresentado anteriormente, a auto-definição é considerada pilar para a identificação inicial da comunidade. Os trabalhos a serem desenvolvidos pelo INCRA se iniciarão mediante essa auto-definição, que será formalizada de inscrição da comunidade no Cadastro Geral junto a Fundação Cultural Palmares, responsável por emitir certidão sobre o tema. Findos os trabalhos de campo, que tratam da identificação, delimitação, levantamento territorial e cartorial da área o INCRA publicará no Diário Oficial da União e da unidade da federação em que se localiza a área de estudo, por duas vezes consecutivas, edital contendo a denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos; circunscrição judiciária ou administrativa onde se situa o imóvel; limites, confrontações e dimensões do memorial descritivo das terras a serem tituladas e; títulos, registro e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras suscetíveis de reconhecimento e demarcação.

Após esses trabalhos, o INCRA enviará o relatório técnico ao Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional, Instituto Brasileiro do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Fundação Nacional do Índio; Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional e Fundação Cultural Palmares, no prazo comum de 30 dias. Esses terão o prazo de 90 dias para oferecer contestações ao relatório, juntando provas que se fizerem pertinentes. Inexistindo contestações considerará como tácita a concordância do conteúdo do relatório técnico. Ainda, se essas forem rejeitadas o INCRA concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades de quilombos.

No caso de as áreas ocupadas incidirem sob propriedades particulares, cujo título não seja invalidado por nulidade prescrição ou comisso, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, adotando atos necessários a sua desapropriação.

A titulação de que trata o Decreto será reconhecida mediante outorga de título coletivo e pro indiviso às comunidades, sendo obrigatória a inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. Trata-se de um mecanismo de afirmação e defesa utilizado pelo estado brasileiro. A afirmação decorre no reconhecimento da peculiaridade da noção de propriedade existente para as comunidades. Essas, diferentemente do imaginário ocidental comum, não reconhecem a terra como um bem individual. Ainda, o estado brasileiro, quando obrigou a inserção de cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, garantiu minimamente que as terras tituladas e registradas não fosse utilizadas para outro fim, senão aqueles necessários ao desenvolvimento social, cultural, físico e econômico da comunidade.

Ainda há três pontos que merecem destaque quanto ao Decreto. Inicialmente, a caracterização das comunidades residirá na auto-definição. Não só: consideram-se as terras ocupadas como aquelas utilizadas para a sua reprodução física, social, econômica e cultural. Por fim, todo o instrumento ressalta a importância e necessidade de promover a participação do principal interessado, ou seja, a própria comunidade durante o procedimento.

Percebe-se, dessa forma, que o Decreto coaduna-se de forma clara e inequívoca com a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho. Essa ressalta a necessidade de participação das comunidades em qualquer procedimento que venha afetá-las, indica o caráter abrangente de territórios e reafirma a importância da auto-definição como critério básico para a delimitação de uma comunidade tribal ou indígena.

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CONCLUSÃO

Buscou-se no presente artigo analisar o Decreto n° 4.887/2003 face à Convenção n.° 169 da Organização Internacional do Trabalho. Considerando tal Convenção como núcleo aglutinador da normativa internacional de proteção dos direitos humanos relativo às comunidades tradicionais, analisou-se se o Decreto do estado brasileiro é compatível com tais normas internacionais. Dessa forma, verificaram-se os argumentos contrários ao citado Decreto alinhados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.239, proposta pelo Partido da Frente Liberal.

Conclui-se que o Decreto ora utilizado pelo estado brasileiro está de acordo com a normativa internacional de proteção dos direitos humanos. Não só, tal legislação é claramente alinhada com a concepção atual e necessária de proteção das comunidades quilombolas.

O julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal é de vital importância para toda a sociedade brasileira. Não encontramos nenhum embasamento jurídico nos argumentos utilizados pelo autor para a declaração de inconstitucionalidade do Decreto n° 4.887/2003. Vencido está o argumento da necessidade do estado brasileiro ter que pagar uma dívida histórica com o povo negro. Nunca haverá pagamento, nunca será possível mensurar todo o sofrimento humano ao reduzir um homem à condição de objeto. Ações que visem amenizar isso são claramente paliativas e paternalistas. A cidadania efetiva embasa o estado democrático e social de direito, plural, diverso, plurinacional. Cabe a qualquer estado, nesse paradigma, possibilitar que seus cidadãos tenham reais condições de participar da esfera pública e, além dessa participação, coordenar suas ações sob o balizamento da participação popular. Imprescindível para esse fim é o reconhecimento à diferença. Mesmo que, aparentemente, consciente ou não, 90% da população brasileira comungue da noção de uma propriedade individualizada, as concepções de propriedade e de família diferentes devem ser respeitadas.

As recentes crises mundiais demonstram a necessidade uma mudança de paradigmas. Resta criar um novo modelo social, embasado no reconhecimento do outro. Não cabem ações que visem inserir forçosamente o outro, descaracterizando-o, não podem mais ser aceitas. As peculiaridades, as diferenças devem ser respeitadas. Conforme aduzido por Boaventura de Souza Santos, todos têm "o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza"; não pode o estado afastar-se dessa responsabilidade.

Para a compreensão da grande contribuição da lógica do "Estado Plurinacional" para a construção de um novo paradigma democrático de Estado que supere os 500 anos de estado nacional uniformizador, precisamos pontuar algumas questões:

a)Vimos que o estado moderno surge a partir da afirmação de uma esfera territorial intermediária de poder: o poder dos reis entre o poder dos impérios (multi-étnico e descentralizado) e o poder dos senhores feudais (local e fragmentado);

b)Para que o poder deste novo estado fosse reconhecido, foi necessário construir uma nacionalidade por sobre as nacionalidades pré-existentes. Assim foi inventado, por exemplo, o espanhol como uma identidade por sobre as identidades anteriores de castelhanos, galegos, bascos, catalães e outros, processo que se repetiu em escalas diferentes na França, em Portugal, no Reino Unido e em vários outros estados nacionais que se formaram nos últimos quinhentos anos;

c)Este estado nacional uniformiza valores por meio, inicialmente, da religião. A partir daí é gradualmente construído todo um aparato burocrático que permitirá o desenvolvimento do capitalismo: o povo nacional, a moeda nacional, os bancos nacionais, os exércitos nacionais (fundamental para a expansão européia a busca de recursos para o desenvolvimento de sua economia) e a polícia (fundamental para o controle e repressão dos pobres excluídos do sistema econômico desigual);

d)Desde então, este modelo uniformizador vem se reproduzindo, até mesmo nas novas formas descentralizadas de estado como os estados federais, os estados regionais e o estado autonômico espanhol. Nestes estados, mesmo reconhecendo a diversidade cultural e lingüística, a base uniformizadora do direito de propriedade (que sustenta um sistema econômico único) e o direito de família (que sustenta os valores deste sistema econômico) permanecem mais ou menos intactas, mas sólidas;

e)A uniformização econômica fundada na uniformização do direito de família e do direito de propriedade permanece também em novas formas jurídicas como, por exemplo, o direito comunitário europeu;

f)Nas Américas, os estados nacionais tiveram um processo de formação diferenciado:. Enquanto na Europa os mais diferentes foram excluídos fisicamente (muçulmanos e judeus) e os menos diferentes foram uniformizados (os grupos étnicos internos), na América os estados que se tornaram independentes nos séculos XVIII e XIX foram construídos pelos descendentes dos europeus para os homens brancos descendentes dos europeus. Os povos originários, chamados de índios pelos invasores europeus, foram radicalmente excluídos da ordem jurídica constitucional nascente, assim como os imigrantes forçados da África que tiveram suas vidas escravizadas;

g)Assim surgiram nas Américas estados nacionais para 20% (este é um número simbólico, uma vez que encontramos estados em que até hoje a exclusão supera este número). Nos Estados Unidos, a população carcerária já atinge 2.750.000 pessoas (dois milhões setecentos e cinqüenta mil pessoas), além de mais 5.000.000 (cinco milhões) envolvidos de alguma forma com o sistema penal, sendo que, destes, 80% são negros e hispânicos. Só de homens negros são 800 mil presos, mais 75 mil mulheres negras presas. [07] Este fenômeno se repete em toda a América. No Brasil quase que exclusivamente os pobres são presos. A maioria dos povos originários na Bolívia e Equador (como exemplo uma vez que em escalas diferentes isto se reproduz em toda a América) foram radicalmente excluídos e só agora com governos democráticos finalmente eleitos (Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador) a situação começa a mudar;

h)A onda democrática na América Latina trouxe uma importante novidade: a previsão de um estado plurinacional, onde cada grupo étnico poderá manter o seu próprio direito de família e o seu próprio direito de propriedade, mantendo ainda tribunais para resolver as questões nestas esferas;

i)Esta novidade pode finalmente representar uma ruptura com 500 anos de hegemonia do paradigma do estado nacional que representa a hegemonia européia;

j)Este novo constitucionalismo plurinacional pode fundamentar uma nova ordem internacional democrática e logo igualitária. Isto exige a coragem de se romper com o universalismo europeu [08] que gerou os direitos humanos "universais" europeus e uma ordem desigual cultural, econômica e social favorável aos estados do norte (Europa ocidental, EUA e Canadá) reproduzidos nos textos preconceituosos de suposta superioridade européia presentes no Tratado de Versalhes e com fortes resquícios na Carta das Nações Unidas (como, por exemplo, no sistema de tutela).

k)No Brasil, o reconhecimento constitucional dos direitos do povos quilombolas e dos povos indígenas é um passo importante para a construção em nosso pais de espaços de democracia étinica, cultural, social e econômica efetiva. Este é um movimento que envolve todos: cidadãos; movimentos sociais; órgão estatais e o pode judiciário, que pode de forma corajosa fazer avançar o nosso texto constitucional em direção a democracia tolerante, diversa e plurinacional.

Um novo estado constitucional democrático plurinacional é possível, assim como uma nova ordem mundial e a construção de um direito internacional (talvez mundial) democrático deve partir da superação das pretensões hegemônicas; das falsas declarações ou suposições disfarçadas de superioridade cultural. Uma nova ordem constitucional pode fundamentar a construção de uma nova ordem mundial democrática o que exige a construção de espaços permanentes de diálogo em condições reais de igualdade de manifestação, de igualdade de fala e de igualdade de voto nas deliberações. Este novo constitucionalismo latino-americano deve fundamentar uma nova ordem mundial democrática o que exige o reconhecimento dos novos atores das relações mundiais; de novos sujeitos de um direito internacional que, talvez, a partir daí, seja finalmente democrático e deixe de ser meramente internacional, mas efetivamente mundial: um constitucionalismo mundial.

No Brasil, para a solução justa do caso citado, não é necessária uma ruptura paradigmática, basta a interpretação sistêmica do nosso texto constitucional, que, para além de uma democracia meramente representativa e uniformizadora, prevê uma democracia social, étnica, econômica e política, dialógica, participativa e emancipadora. A leitura sistêmica do texto nos mostra de forma inequívoca a pretensão constitucional de construção de uma democracia radical, uma vez que busca o respeito à diversidade, a pluralidade das formas de viver e buscar a felicidade e a paz.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Editora Abya Yala, Quito, Ecuador, 2008.

CREVELD, Martin van Creveld. Ascensão e declínio do Estado, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2004.

CUEVA, Mario de la. La idea del Estado, Fondo de Cultura Econômica, Universidad Autônoma de México, Quinta Edição, México, D.F., 1996.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional Tomo II, Editora Mandamentos, Belo Horizonte, 2002.

WALLERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu, Editora Boitempo, 2007, São Paulo.

WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, Editora Boitempo, São Paulo, 2008.


Notas

  1. CREVELD, Martin van Creveld. Ascensão e declínio do Estado, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2004 e CUEVA, Mario de la. La idea del Estado, Fondo de Cultura Econômica, Universidad Autônoma de México, Quinta Edição, México, D.F., 1996.
  2. Utilizamos neste texto as palavras identidade e identificações quase com sinônimos, ou seja, uma identidade se constrói a partir da identificação de um grupo com determinados valores. Importante lembrar que o sentido destas palavras é múltiplo em autores diferentes. Podemos adotar o sentido de identidade como um conjunto de características que uma pessoa tem e que permitem múltiplas identificações sendo dinâmicas e mutáveis. Já a idéia de identificação se refere ao conjunto de valores, características e práticas culturais com as quais um grupo social se identifica. Nesse sentido não poderíamos falar em uma identidade nacional ou uma identidade constitucional mas sim em identificações que permitem a coesão de um grupo. Identificação com um sistema de valores ou com um sistema de direitos e valores que o sustentam, por exemplo.
  3. ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Editora Abya Yala, Quito, Ecuador, 2008, pág.21.
  4. ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Ob. Cit., pág.19. 20
  5. ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Ob. Cit., pág.19. 20
  6. Deve-se atentar para a relação do art. 2°, III da Lei 4.132/62 e as particularidades das comunidades de remanescentes de quilombos. A interpretação pura de ‘colônias ou cooperativas’ remeteriam a impossibilidade de aplicação do texto legal ao caso concreto ora discutido. Ocorre que, os traços culturais, sociais, econômicos e religiosos das comunidades tradicionais apontam claramente para um afastamento de conceitos e institutos ocidentais. Como exemplo, vemos integrantes das comunidades não compreenderem o sentido de ‘propriedade individualizada’, da forma que hoje o Ocidente encara. Faz-se necessário, nesse sentido, uma interpretação amplamente extensiva e culturalmente responsável do 2°, III da Lei 4.132/62.
  7. WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, Editora Boitempo, São Paulo, 2008.
  8. WALLERNSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu – a retórica do poder, Editora Boitempo, São Paulo, 2007.
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Sobre os autores
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Reinaldo Silva Pimentel Santos

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Diretor de Apoio a Conselhos Estaduais de Direito e Articulação com Movimentos Sociais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – SEDESE/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros ; SANTOS, Reinaldo Silva Pimentel. Comunidades tradicionais, plurinacionalidade e democracia étnica e cultural.: Considerações acerca da proteção territorial das comunidades de remanescentes de quilombos brasileiras a partir da ADI nº 3.239. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2381, 7 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14141. Acesso em: 29 mar. 2024.

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