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Taxa de adesão à telefonia celular e o imposto sobre comunicação

01/08/1999 às 00:00
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Continuam grassando sérias controvérsias doutrinárias acerca da incidência ou não do imposto sobre serviços de comunicação na "habilitação de telefone celular" que, outra coisa não é senão o simples pagamento de uma importância fixa em dinheiro, para a utilização do sistema de telefonia celular. Entre nós, por força de um velho hábito, originário do setor bancário, costuma-se dar o nome de "taxa" a certos tipos de retribuição pecuniária, que nada têm a ver com a espécie tributária. Fala-se, assim, em taxa de abertura de conta corrente, taxa de elaboração de cadastro, taxa de elaboração de contrato de locação, taxa da adesão ao sistema de televisão a cabo. Portanto, a cognominada "habilitação de telefone celular", em torno da qual continua despertando posicionamentos doutrinários díspares, nada mais é do que o simples gesto do interessado de pagar a taxa de adesão ao sistema de telefonia celular, dentro das regras preestabelecidas pela empresa concessionária dos serviços de telecomunicações. No âmbito do Judiciário, existem algumas liminares a favor de usuários para livrá-los do pagamento desse imposto, por ocasião da "habilitação" de seu aparelho, aumentando a perplexidade, posto que, legitimidade para a ação tem apenas o contribuinte, que é o prestador de serviços tributáveis.

A exigência desse imposto, esquecido pelos Estados membros, que foram contemplados com a competência impositiva pela Carta Política de 1988, passou a ser feita, de afogadilho, após o Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ - decidir, sem ter competência para tal, que o mesmo deveria estar sendo recolhido desde 1993 (Convênio ICMS nº 69/98, DOU de 29-6-98). Esse Convênio foi ratificado pelo Decreto Estadual nº 43.317, de 15-7-98. Desde então, o imposto vem sendo cobrado, emprestando-se ao inciso III do art. 2 º da Lei Complementar n º87/96, que define o seu fato gerador, uma interpretação ampla, que viola a conceituação do que seja comunicação. Diz o citado preceito:

"Art. 2 º - O imposto incide sobre:

III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza".

Como se vê, o fato gerador é a prestação de serviços de comunicação. A expressão "repetição e ampliação de comunicação de qualquer natureza", referida na parte final do texto, não pode ser interpretada isoladamente, mas, enquanto meio de comunicação. Sem que haja serviço de comunicação não há que se cogitar de imposto sobre comunicação. O imposto não incide sobre a comunicação, como pode parecer da leitura apressada do citado inciso III. Todos nós nos comunicamos, a todo instante, um com outro; nem por isso pagamos imposto.

O que se tributa não é a comunicação em si, ou seja, a mensagem escrita, falada ou visual, mas, o meio de comunicação, isto é, a prestação de serviço consistente em colocar à disposição de alguém todo o aparelhamento necessário, para que esse alguém possa transmitir sua mensagem ao destinatário.

Por outro lado, o que se tributa é a prestação onerosa desse serviço de comunicação. Logo, se alguém dispuser de meio próprio para realizar a comunicação, esse alguém não poderá ser considerado como contribuinte do imposto, pela simples razão de que ninguém presta serviço a si próprio. Assim, se eu instalar, na minha empresa, um sofisticado sistema de comunicação interna não haverá incidência de imposto. Em outras palavras, sempre que aquele que transmite a mensagem for o dono do meio de comunicação não haverá tributação.

A matéria estava melhor disciplinada pelo artigo 68 da CTN, que definia o fato gerador do imposto sobre serviços de transportes e de comunicações nos seguintes termos:

          "Art. 68 - O imposto, de competência da União, sobre serviços de transportes e comunicações tem como fato gerador:

I - a prestação do serviço de transporte,...

II - a prestação do serviço de comunicações, assim se entendendo a transmissão e o recebimento, por qualquer processo, de mensagens escritas, faladas ou visuais".

O fato gerador previsto no CTN explicitava a idéia de que a comunicação envolve, obrigatoriamente, um ponto de transmissão e um ponto de recepção. Não era por outra razão que os impostos sobre serviços de comunicação e de transportes, ao tempo em que se inseriram na competência impositiva da União, eram disciplinados conjuntamente: ambos têm um ponto em comum, que é o deslocamento no espaço. No transporte, há movimentação de coisas e pessoas; na comunicação, há movimentação de bens imateriais, traduzidos por informações, idéias e mensagens; ambas as atividades pressupõem um ponto de partida e um ponto de chegada. Não há transporte sem deslocamento de um lugar para outro, assim como, não há comunicação sem um ponto de transmissão e um ponto de recepção, visto que, o conceito de comunicação implica, necessariamente, ação de comunicar, isto é, fazer saber a alguém alguma coisa, através de mensagem escrita, falada ou visual. Por isso, não há como confundir serviço de comunicação com o de propaganda ou publicidade, objetos de imposição tributária municipal.

Todos concordam que o imposto incide sobre prestação de serviço de comunicação, e não sobre a comunicação. Porém, é interessante notar que nos mais enfáticos defensores dessa tese vamos encontrar afirmativas no sentido de tributar a prestação de serviços conexos com a comunicação. É o caso, por exemplo, da conhecida "habilitação" de telefone celular de que estamos falando. Pergunta-se, quando se promove o pagamento da taxa de adesão ao sistema de telefonia celular, ou quando se recebe um decodificador em troca do pagamento da taxa de adesão ao sistema de televisão a cabo, existe serviço de comunicação? Onde a transmissão de mensagem escrita, falada ou visual ao destinatário? Se inexistente a própria comunicação, obviamente, descabe falar-se em prestação de serviço de comunicação.

Por isso, no dizer da douta juíza, Silvia Maria Meirelles Novaes de Andrade, titular da 11ª Vara da Fazenda Pública, que julgou inconstitucional a cobrança desse imposto, a "habilitação" do aparelho é "uma simples manifestação de vontade feita pelo futuro usuário perante a companhia telefônica, de que pretende se utilizar desta infra-estrutura, se acaso a prestadora de serviço puder colocar à sua disposição".Sublinha, ainda, que esse pedido "não corresponde a qualquer infra-estrutura mecânica, eletrônica ou técnica necessária à comunicação e posta `a disposição do usuário".

A "habilitação" é atividade prévia à prestação do serviço de comunicação, cuja utilização não é compulsória. A companhia telefônica só prestará serviço de comunicação a quem manifestar a intenção de usufruir desse serviço facultativo, mediante pagamento prévio da respectiva taxa de adesão e nas condições preestabelecidas (contrato de adesão). Nesse sentido, como asseverou a inteligente juíza, essa " habilitação" sequer constitui serviço, muito menos, serviço de comunicação.

Entretanto, alguns autores buscam apoio no art. 60 da Lei nº 9.472, de 16-6-97, Lei Geral das Telecomunicações, para sustentar a incidência do imposto no ato do pagamento da taxa de adesão, conhecida como " habilitação" do aparelho telefônico. Prescreve o citado dispositivo:

"Art. 60 - Serviço de Telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações.

§ 1º - Telecomunicação é a transmissão, emissão, ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza".

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A definição do serviço de comunicação, prevista no caput, dispensaria a idéia de transmissão, emissão ou recepção. Há tríplo equívoco, data maxima venia, nessa linha de argumentação.

Em primeiro lugar, o caput do art. 60 não está definindo o que seja telecomunicação, que é o serviço tributável, mas, simplesmente explicitando a noção de que o ramo de telecomunicação abrange o conjunto de atividades que possibilitam a oferta de telecomunicação, exclusivamente para os efeitos desse estatuto legal. A palavra "serviço" aí não está empregada no sentido de prestação onerosa de serviço, ou seja, no sentido de serviço prestado a terceiro mediante paga. Refere-se simplesmente à execução, pela empresa de telefonia, de toda uma infra-estrutura necessária para que ela possa vender o seu serviço de telecomunicação. A definição de telecomunicação está, como se verifica da transcrição retro, no § 1º do art. 60, ou seja, é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético.

Em segundo lugar, a competência para definir o fato gerador da obrigação tributária é da lei complementar consoante prescrição constitucional:

          "Art. 146 – Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes".

Nenhuma lei ordinária poderia inovar o sentido tradicional da telecomunicação, que envolve um ponto de transmissão e um ponto de recepção. A própria lei complementar, de natureza tributária, não poderia dispor em sentido contrário, porque a telecomunicação é espécie do gênero comunicação, prevista no art. 155, II da CF, pelo que incide a regra proibitiva do art. 110 do CTN:

          "A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

Em terceiro lugar, o citado § 1º do art. 60, da Lei nº 9.472/97 guarda perfeita simetria com o art. 2º, inciso III da Lei Complementar nº 87/96, que define o fato gerador do imposto sobre serviço de comunicação. O art. 12, inciso VII dessa lei complementar considera ocorrido o fato gerador do imposto no momento "das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza". Evidente, pois, que a repetição e a ampliação de comunicação, previstas na parte final do dispositivo, por si sós, não constituem fato gerador do imposto, mas, somente enquanto meios de comunicação. Em outras palavras, a repetição de uma conversação telefônica gravada é irrelevante para o Direito Tributário. O mesmo acontece com a ampliação dessa conversação.

Finalmente, uma companhia telefônica presta inúmeros serviços que não são os de comunicação, e que por isso mesmo são tributados pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência impositiva municipal. Basta simples exame ocular da lista de serviços prestados pela Telesp, hoje, Telefônica, para se ter uma idéia da variedade de serviços por ela oferecidos aos usuários.

Positivamente, a cobrança do imposto sobre serviço de comunicação pela "habilitação" de aparelho celular é absolutamente inconstitucional. Como vimos, essa "habilitação" não passa de uma taxa de adesão, que nem configura comunicação, muito menos, serviço de comunicação, objeto de imposto em questão.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Taxa de adesão à telefonia celular e o imposto sobre comunicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1415. Acesso em: 26 nov. 2024.

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