O legislador brasileiro, desde 1966, compreendia a importância da compensação no direito tributário como forma de operacionalizar a moralidade, a eficiência e a boa-fé administrativa, afastando o enriquecimento sem causa por parte do Fisco. Tanto é assim que o vigente Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) em seu art. 156, II, prevê a compensação como forma de extinção do crédito tributário, logo após o pagamento.
Por sua vez o art. 170 do CTN dispõe, desde sua redação original, que
Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Regulamentando os dispositivos acima, foram sancionadas as Leis 8.383/91 e 9.430/96, concebidas para potencializar o instituto em análise e isso resta evidente da leitura de suas versões originais. No entanto, sucessivas alterações na legislação federal têm ocorrido no sentido de retroceder essa compreensão, o que evidencia o intuito de acabar com a compensação.
Mais grave é que as recentes alterações têm partido daquele que o Prof. Kiyoshi Harada denomina "legislador palaciano", que lança mão de Medidas Provisórias para impor novas regras na legislação vigente sobre o instituto da compensação.
Em anterior oportunidade fez uso da MP 449/2008, criando uma série de obstáculos em relação à compensação. Não conseguiu. A maioria das alterações foi rejeitada, e os dispositivos a princípio alterados voltaram à redação anterior.
Não satisfeito, impõe novas restrições. Desta feita de ordem indireta. Da vez anterior, impôs limitações diretas (proibiu compensações nas situações enumeradas). Agora, impõe limitações indiretas. Cria obstáculos que se podem dizer "psicológicos".
De fato, até o advento da MP 472/2009, a redação do art. 18 da Lei 10.833/2003 era a seguinte:
Art. 18. O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão de não-homologação da compensação quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
Não podemos negar que o dispositivo é razoável. Há situações em que a compensação é declarada apenas para postergar a cobrança. Em tais casos, quando comprovados pelo Fisco, ter-se-ia a aplicação da multa isolada de que variava entre 150% e 225%, além da multa de mora de 20% (nesse percentual porque o débito tinha sido declarado).
O que nos preocupa é que, com o advento da MP 472/2009, o art. 18 da Lei 10.833/2003 passou a ter a seguinte redação:
Art. 18. O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão de não-homologação da compensação quando não confirmada a legitimidade ou suficiência do crédito informado ou quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
Doravante, não é preciso que seja comprovada a falsidade pelo Fisco. Esse o cerne da questão e que nos causa preocupação. A multa será aplicada pelo simples ato de compensar e a RFB não homologar.
Da forma como o dispositivo está redigido, em qualquer caso será aplicada a multa isolada. Isso porque, se a compensação não é homologada, significa que não foi confirmada a legitimidade ou suficiência do crédito informado. E isso, por si só, implica imposição da multa sub examine.
Aliás, é exatamente assim que a RFB trata a matéria, conforme se infere do art. 1º da IN/RFB 981/09, que promoveu alterações ao art. 38 da IN/RFB 900/2008:
Art. 1º Os arts. 38 e 65 da Instrução Normativa RFB Nº 900, de 30 de dezembro de 2008, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Artigo 38. (...)
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput, será exigida do sujeito passivo, mediante lançamento de ofício, multa isolada, calculada sobre o valor total do débito tributário indevidamente compensado, nos seguintes percentuais:
I - de 75% (setenta e cinco por cento), quando não confirmada a legitimidade ou suficiência do crédito informado na declaração de compensação; ou
II - de 150% (cento e cinquenta por cento), quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
§ 2º As multas a que se referem os incisos I e II do § 1º passarão a ser de, respectivamente, 112,5% (cento e doze inteiros e cinco décimos por cento) e 225% (duzentos e vinte e cinco por cento), nos casos de não atendimento, pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para prestar esclarecimentos ou apresentar documentos ou arquivos magnéticos." (...) (NR)
As novas regras não nos parecem legítimas por dois motivos: primeiro porque tenta apenas criar obstáculos indiretos ao direito de petição do sujeito passivo; segundo porque não se quer mais punir aquele sujeito passivo que, de comprovada má-fé, utiliza-se da compensação para postergar o pagamento do tributo.
Parece-nos que a restrição cria uma situação anti-isonômica, na medida em que trata situações desiguais igualmente. Pune o simples erro ou equívoco de interpretação com a mesma pena que é aplicada ao sujeito passivo de má-fé.
Por outro lado, não nos parece haver qualquer relevância e urgência na matéria, requisitos constitucionais necessários para utilização do instituto Medida Provisória. Aqui, com todo respeito, atribuímos uma banalização do instituto constitucional com a qual o judiciário tem sido complacente e não tem imposto limites à sua utilização.
Tudo decorre do fato de o Poder Executivo passar a legislar sobre matéria que mereceria meditação, criando uma série de complicações.
Exemplo disso foi a restrição imposta pela MP 449/2008 em relação à compensação de débitos de IRPJ/CSLL-Estimativa. Enquanto a MP produzia efeitos, a compensação era vedada. Antes e depois da sua vigência, no entanto, a compensação era e é permitida. Apenas um período foi vedada, sem qualquer justificativa plausível, comprovando-se a irrelevância e falta de urgência da medida restritiva.
Nesse cenário, entendemos que aquelas compensações não-homologadas e sobre as quais for aplicada a multa em questão, sem que seja comprovada a má-fé, deve ser contestada sob o enfoque das duas questões levantadas. Não há justificativa razoável para imposição de tal medida, que vem equiparar o contribuinte que comete simples equívoco, ou pretende discutir um direito que julga possuir, ao contribuinte cujo interesse é simplesmente postergar o pagamento do tributo.