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O uso da legítima defesa preventiva no pós 11 de setembro de 2001

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17/01/2010 às 00:00
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4 – NOVA VISÃO COSMOPOLITA DO USO PREVENTIVO DA FORÇA – POSSÍVEL SOLUÇÃO?

O fato é que depois dos atentados de 11 de setembro a teoria da legitima defesa preventiva voltou com grande vigor ao debate no cenário internacional e muito embora a doutrina majoritária seja veemente contra esta prática e a Corte Internacional tenha se insinuado contrária a tese preventiva [06], o Conselho de Segurança não afastou por completo essa idéia, tendo apenas criticado situações em que entendera que as circunstâncias justificadoras do uso da força estavam presentes. (CASSESSE, 1986, p. 9-38)

Ana Flavia Veloso citando Antonio Cassesse, destaca que para este autor embora a legitima defesa preventiva seja proibida pela Carta da ONU ela encontra aceitação crescente entre os Estados. "O autor acredita que a proibição pode não se sustentar diante dos riscos de uma era marcada por ameaças terroristas e pelo desenvolvimento de armas tecnológicas, nucleares e de destruição em massa. Por esta razão, observa, seria conveniente vislumbrar uma evolução do direito internacional que levasse em conta as novas exigências de segurança, mas que, ao mesmo tempo, reduzisse os riscos de abuso pelas grandes e médias potências". (2008, p. 787)

Cassesse, todavia, se mostra especialmente preocupado com a possibilidade do uso abusivo desta teoria pelos estados "na medida em que não se sabe ao certo a quem caberia decidir sobre o caráter iminente da ameaça" e por tais razões propõe uma mudança no art. 51 da carta da ONU, onde a "legitima defesa preventiva poderia, assim, ser autorizada pela própria Carta, sob estritas condições, a serem aprovadas por unanimidade em resoluções do Conselho de Segurança e da Assembléia Geral das Nações Unidas". Tal mudança deveria ser condizente com o novo tempo marcado por atentados terroristas e avanços nucleares, "limitando ao máximo a liberdade de interpretação dos Estados e prevenindo, tanto quanto possível, mediante alteração no direito convencional, as possibilidades de inobservância de seus preceitos." (VELOSO, 2008, p. 788)

Mesmo sem indicar quais seriam estas mudanças no artigo 51 da Carta, Cassesse toca em dois pontos cruciais para a evolução do uso da legitima defesa preventiva: i) a decisão do uso antecipado da força de forma alguma pode ser feito com base em interpretações unilaterais dos estados; ii) devem estar previstas sanções efetivas e eficazes a exigir dos estados responsabilidade para a tomada da decisão de se usar a força afim de se evitar abusos.

Baseada na necessidade urgente de se buscar uma solução para conciliar o uso da legitima defesa preventiva e o combate as ameaças terroristas, e na crença de que o uso preventivo da força sobre certas circunstâncias pode e deve ser justificado, Allen Buchanan e Robert O. Keohane propõem um modelo Cosmopolita da legitima defesa preventiva baseado na Responsabilidade, ou Accontability. Seria uma combinação de mecanismos ex ante e ex post de responsabilidade como condição sine qua non para aprovação das ações preventivas. Pode-se traduzir esta concepção como uma Nova Visão Cosmopolita do Uso Preventivo da Força (2004) [07].

Para estes autores é essencial, primeiramente, enfatizar que o uso preventivo da força não se aplica a qualquer caso e somente se justifica se o seu objetivo "prima face" for buscar acabar ou diminuir o risco de uma ameaça séria de destruição de direito humanos em larga escala, como é, por exemplo, o caso da ameaça das armas de destruição em massa na mão de terroristas. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 5)

Segundo esta nova visão, nenhum estado sozinho poderá decidir por usar preventivamente a sua força militar sem a consulta a outros estados e sem o devido processo de autorização. Neste processo o estado proponente teria que formalizar uma espécie de contrato onde declararia e provaria para os demais estados quais seriam os seus atos e o porque destes, e ainda haveria uma previsão de punições para este estado caso a ação se mostrasse posteriormente inadequada e/ou desnecessária. Seriam os chamados mecanismos ex ante e ex post de responsabilidade, ou mecanismo de salva-guarda. Com base nos princípios cosmopolitas da "efetividade", do "respeito mutuo" e da ‘inclusão", os estados proponentes devem consultar os outros estados com o fim de demonstrar para a sociedade internacional suas reais intenções antes do efetivo uso da força preventiva. Estes teriam que prestar todo o tipo de informação sobre a ameaça, responder as questões dos outros estados, e aceitar as sanções estabelecidas previamente no acordo. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 11)

A troca de informações sobre os riscos de violação dos direitos humanos e o resultado que a ação iria provocar para diminuir este risco, incluindo ai os que irão recair sobre pessoas inocentes, seria condição sine qua non para a autorização do uso da força. A análise dos custos e benefícios da ação caberia aos vários estados imparciais previamente determinados e organizados através de uma Coalizão Democrática. Esta exigência, baseada no principio do respeito mutuo, diminui a possibilidade do uso abusivo da legitima defesa preventiva, uma vez que uma ação não seria autorizada sem uma real justificativa. Este seria, sinteticamente, o mecanismo ex ante de responsabilidade. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 13)

Todavia, é possível, mesmo com todas as justificativas e salvaguardas anteriores, que uma ação militar considerada de sucesso possa ainda não ser justificável posteriormente. Daí a necessidade de previsões de responsabilidades e sanções ex post. Após o ataque, o estado responsável terá que reportar todas as ações tomadas e permitirá que os outros estados verifiquem, com amplo acesso ao território e a todas as informações disponíveis, se as medidas tomadas realmente foram necessárias e justificáveis. A avaliação dos resultados é essencial para se provar se o uso preventivo da força, bem como os métodos utilizados, corresponderam com as justificativas estabelecidas no processo ex ante de responsabilidade. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 13)

Desta avaliação dois resultados extremos podem ocorrer: i) as investigações posteriores ao ataque atestam que a ação preventiva era de fato justificável e se adequou a todas as informações prestadas anteriormente; ii) ou ao contrário, a ação se mostrou desnecessária e passou ao largo das justificativas anteriores. Propõem os autores interessantes conseqüências para as duas hipóteses, quais sejam:

1) Caso seja confirmada a primeira alternativa, é claro que este estado prestou um grande serviço à humanidade e por isto deve receber ajudas financeiras para reconstruir o alvo, principalmente dos estados que decidiram não apoiar o ataque preventivo. Este mecanismo, portanto, previne que estados por motivos exclusivamente políticos não apóiem o ataque mesmo diante das irrefutáveis evidências da necessidade desta ação preventiva que ao final restou de fato provada. A decisão não apoiar uma força de ataque passaria a ser tomada com mais responsabilidade por terceiros estados que se veriam compelidos a prestar ajudar financeira posterior, caso se demonstrasse a real necessidade da ação militar. As decisões neste contexto deixariam de ser arbitrárias e melindrosas e seriam tomadas a partir da análise real da situação. 2) Caso configurado o segundo cenário, restou provado que ação preventiva não era justificável e foi tomada de forma abusiva. O estado que atacou não poderá manter o controle político do alvo, serão aplicadas todas as sanções previstas no mecanismo ex ante, inclusive indenizações pesadas aos inocentes, e este terá que dar, sem ajuda de nenhum outro estado, todo o suporte financeiro de reconstrução da infra-estrutura do país atacado. Se o estado souber de todas estas conseqüências anteriormente reguladas, pensará duas vezes antes de arquitetar uma intervenção por motivos de pura dominação e não de preservação dos direito humanos, evitando-se assim abusos. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 14)

Todavia, esta nova visão cosmopolita, apesar de propor este excelente mecanismo de responsabilidade para a legitima defesa preventiva, possui uma falha muito grave no componente que os próprios autores entendem como crucial para o sucesso da sua implementação efetiva, qual seja, a existência de um organismo imparcial e democrático, nos moldes do atual Conselho de Segurança da ONU, encarregado de fazer todas estas avaliações e de fazer cumprir as sanções.

Nos três modelos propostos pelos autores de aplicação desta nova visão: i) propõe-se primeiro que este organismo seja o próprio Conselho de Segurança, mas que seja retirado o poder de veto dos membros-permanentes (hipótese praticamente impossível no atual cenário); ii) no segundo que seja mantido o poder de veto, mas as deliberações do Conselho de Segurança especificamente sobre a legitima defesa preventiva seriam tomadas por maioria de votos independente do veto, o que no final significaria o mesmo modelo do primeiro (também inviável pelo mesmo motivo do primeiro modelo); iii) Seria criado um organismo compostos por estados sabidamente democráticos e imparciais para deliberar sobre o uso preventivo da força, pautada pelos princípios cosmopolistas, o que chamaram de Coalizão Democrática, que atuaria conjuntamente com o Conselho de Segurança. Esta coalizão teria o seu próprio processo de responsabilização anterior e posterior da ação preventiva, e quando o Conselho de Segurança não conseguisse resolver um impasse sobre o tema, esta Coalizão poderia atuar em seu lugar. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 16-20)

Logicamente a implementação de qualquer destes modelos será barrada pelos próprios membros-permanentes do Conselho de Segurança, nos termos do art. 108 da Carta de São Francisco. Nenhum deles até o presente mostra qualquer intenção em desistir de parcela do seu poder nas Nações Unidas, principalmente no que diz respeito ao poder de veto. Além disto, esta proposta enfraquece ainda mais o já abalado Conselho de Segurança que por enquanto é o único modelo garantidor da paz e da segurança internacional que detêm a sociedade internacional.

A nova visão Cosmopolita do uso preventivo da força baseada na responsabilidade tem seus méritos por ser uma primeira tentativa de se adequar ao art. 51 da Carta da ONU aos novos tempos das ameaças terroristas, e por propor mecanismos que podem ser muito bem utilizados pelo Conselho de Segurança quando se deparar com propostas de uso da legitima defesa preventiva. Ainda, tirou das mãos dos estados qualquer possibilidade de unilateralmente, com base nos interesses nacionais, decidir sobre a possibilidade do uso preventivo da força, o que corrobora com os princípios da Segurança Coletiva Internacional, ao contrário da interpretação extensiva que vários estados fizeram após o atentado de 11 de setembro de 2001. A solução ainda não veio, mas o importante é caminhar em sua direção, e a tese aqui apresentada deu os seus primeiros paços.


5. CONCLUSÃO

Não há dissenso entre os analistas e doutrinadores internacionais que o direito a legitima defesa precisa ser adaptado às novas circunstâncias após o advento dos atentados de 11 de setembro de 2001. A regra do art. 51 da Carta das Nações Unidas se mostra obsoleta e precisa ser acomodada à chamada era das armas de destruição em massa. Mais necessidade ainda existe no que diz respeito à regulação do uso preventivo da força como medida de combate às ameaças nucleares e terroristas.

Deve-se acabar com o equívoco de se manter na Ordem jurídica Internacional normas imprecisas que favorecem interpretações convenientes aos interesses próprios dos Estados, adotadas principalmente em tempos de crise, como é o caso da legitima defesa preventiva. Michael Akehurst destaca que

o grande defeito nas regras modernas é que geralmente elas são imprecisas. A prática tem feito muito pouco para reduzir esta imprecisão. Muitos Estados querem reter a possibilidade de usar a força em certas circunstâncias, mas sabem que tal interpretação que lhes permitiria fazê-lo, também permitiria que outros Estados usassem da força contra eles. Então, eles mantêm as opções abertas para evitar adotar uma atitude clara em relação ao problema da interpretação. Num momento de crise o Estado será tentado a explorar certas incertezas no direito; e seu senso de objetividade será perdido, podendo-se genuinamente chegar a acreditar na duvidosa interpretação de que cabe a seus interesses ser bem fundada. (Grifos do autor e tradução nossa.) (AKEHURST, 1997, p. 341.)

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Sobre a conveniência da mudança, Alain Pellet afirma que "os juristas são como as forças armadas – sempre atrasados frente a uma guerra. (...) Mesmo em situações de crise como esta, algo de bom pode surgir. Os grandes avanços do direito internacional sempre foram fruto de grandes crises. Neste sentido, o doloroso desabamento das Torres Gêmeas poderia oferecer a dramática oportunidade de se começar a construir o direito internacional do século XXI." (PELLET, 2003, p. 178)

A teoria da legitima defesa preventiva voltou com muita força nesta virada de século. Seu grande poder apelativo frente ao público é inegável, assim como a sua lógica. Diante de tantas ameaças que podem significar milhões de vida humanas perdidas em um só ato de agressão, tais como um único vírus letal espalhado em uma grande cidade, ou uma bomba nuclear detonada em um centro urbano, a proibição simples e pura de se utilizar a legitima defesa preventiva não se sustentará por muito mais tempo. Esta teoria tende a ser bem aceita por chefes de estado pressionados pela opinião pública de seu país eivada pelo medo do terror. Se este mecanismo for o único possível para se salvar tais vidas a sua tendência é de plena aceitação.

O problema do recurso à teoria da legitima defesa preventiva é a sua ambigüidade. Sob as circunstâncias corretas, ela pode ser uma medida eficaz e de baixos custos e riscos, capaz de acabar previamente com uma ameaça real de agressão. Sob as circunstâncias erradas pode gerar uma calamidade antecipada e desnecessária, ferindo os direitos humanos que a principio visava defender. A nova regra a ser cunhada deve sempre ter estas premissas como balizadoras.

É necessário que os membros da ONU se antecipem a este problema de falta de regulação e assim o façam. Não basta mais negar a legalidade da legitima defesa preventiva perante o direito internacional. Mas ao contrário, é preciso tornar este mecanismo legal e preciso, de modo que o uso preventivo da força possa ser utilizado com responsabilidade, proporcionalidade, efemeridade, excepcionalidade e necessidade, e que nunca seja baseado somente na interpretação da ameaça hostil por um único estado, mas que seja por um conjunto significativo destes.

O Sistema da Carta das Nações Unidas, afirma Thomas M. Frank, é baseado em dois estandartes: um substantivo e um processual. As circunstâncias, prioridades e até mesmo os valores universais mudam. As normas substantivas devem se adaptar. Todavia, sob um aspecto a norma processual não deve se adaptar. A noção básica de processo prevista na Carta da ONU é que toda a nação, antes de tomar uma ação militar precisa demonstrar para seus pares uma avassaladora e iminente necessidade. Sem esta central salva-guarda processual as relações internacionais não foram tomadas de acordo com as regras do direito. (FRANK, 2005, p. 83)

A premissa do multilateralismo é tão importante no direito internacional que até o mesmo os Estados Unidos quando do inicio dos conflitos do Afeganistão e do Iraque, mudou o seu posicionamento e não mais justificou formalmente as intervenções com base na sua própria interpretação extensiva do direito à legitima defesa preventiva do art. 51 da Carta. Entendeu que politicamente seria mais benéfico se basear nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, mesmo que de forma equivocada.

Portanto, muito embora até o momento não seja possível vislumbrar uma norma substitutiva ou complementar ao art. 51 da Carta de São Francisco, as Nações Unidas não podem renunciar ao seu papel fundamental de mantenedora da paz e da segurança internacional e não podem mais ignorar o problema existente sobre a aplicação da legitima defesa preventiva. Por mais difícil que seja determinar um conceito de ameaça hostil capaz de autorizar o uso antecipado da força no seu combate, não se pode mais aceitar que um estado sozinho assim o faça e utilize da sua força ao alvedrio do Conselho de Segurança, sem qualquer processo de justificativa e ações de responsabilidade.

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Sobre o autor
Edgard Marcelo Rocha Torres

Procurador da Fazenda Nacional, especialista em direito Público pelo CAD/UGF, pós graduando em direito internacional pelo CEDIN/FMC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Edgard Marcelo Rocha. O uso da legítima defesa preventiva no pós 11 de setembro de 2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2391, 17 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14180. Acesso em: 26 dez. 2024.

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