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O uso da legítima defesa preventiva no pós 11 de setembro de 2001

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17/01/2010 às 00:00
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A ameaça terrorista depois do 11 de setembro de 2001 mudou todas as relações internacionais, do comércio internacional aos direitos humanos, mas principalmente a segurança coletiva internacional.

RESUMO: A ameaça terrorista depois do 11 de setembro de 2001 mudou todas as relações internacionais, do comércio internacional aos direitos humanos, mas principalmente a segurança coletiva internacional. O presente artigo tem como objetivo principal analisar a teoria da legitima defesa preventiva que voltou com toda a força à cena internacional e que é, muito embora não oficialmente, a justificativa dos dois maiores conflitos armados da atualidade, as intervenções no Afeganistão e no Iraque. Para tanto será analisado o art. 51 da Carta da ONU que trata do direito à legitima defesa dos estados, e no seu aspecto preventivo os seus fundamentos, riscos e abusos. Ainda, demonstrará através de casos práticos a dificuldade das Nações Unidas em definir o que seria uma ameaça hostil capaz de justificar o uso preventivo da força. Por fim, analisará criticamente a chamada nova visão cosmopolita da legitima defesa preventiva, onde são propostos mecanismos ex ante e ex post de responsabilidade, conhecidos como mecanismos de salva-guarda do uso preventivo da força.


1 - INTRODUÇÃO

A brutalidade dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York balançou de forma inegável as estruturas do Direito Internacional e do Sistema de Segurança Coletiva previsto na Carta das Nações Unidas. O mundo convive hoje com dois conflitos armados mundiais travados no Afeganistão e no Iraque que foram e ainda são justificados pela "luta contra o terror". Literalmente a margem do Conselho de Segurança, mas utilizando-se de interpretações unilaterais de suas Resoluções, estes conflitos se iniciaram e ainda perduram, embora não oficialmente, baseados na teoria da legitima defesa preventiva [01].

Nesta nova ordem mundial, ou melhor, na nova era das armas de destruição em massa marcada pelas ameaças terroristas e pelo, ainda crescente, desenvolvimento de armas tecnológicas e nucleares, não é de todo estranho que os Estados se mobilizem antecipadamente diante de um movimento de intenção hostil de um grupo terrorista ou de um Estado direcionada contra os seus cidadãos. Naturalmente, o ser humano diante de uma ameaça cada vez mais próxima tem a tendência de evitá-la antes que ela se concretize antecipando todos os seus resultados, muita das vezes utilizando-se da força. A teoria da legitima defesa preventiva, plenamente aceita no direito penal interno, há muito é estudada no Direito Internacional e agora ela retoma a vida revigorada por tantas ameaças e irracionalidades que marcam o início do Século XXI, cuja expressão maior são os conflitos no Iraque e no Afeganistão.

Todavia, a teoria da legitima defesa preventiva levada ao âmbito da Segurança Coletiva Internacional é marcada por sua patente ambigüidade e pelo risco de ser tomada para mascarar o mal em nome do bem comum. Esta teoria, cujas bases possuem um apelo popular inegável, se utilizada de forma irresponsável e unilateral se torna um ótimo instrumento de dominação "legitima" dos Estados mais poderosos do mundo, além de gerar mais terror na suposta "luta contra o terror".

O presente estudo pretende analisar se seria possível conciliar a teoria da legitima defesa preventiva com o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que traz uma das três exceções da proibição do uso da força presente na Carta, diante das ameaças terrorista e nucleares, no que Thomas M. Frank chama de "Era of Weapons of Mass Destrution [02]" (2005, p. 80).

Para tanto, será exposto de força breve o principio obrigatório da paz previsto na Carta da ONU e sua exceção que é a legitima defesa unilateral dos estados. Como tema central o estudo trará a teoria da legitima defesa preventiva tomada agora no novo contexto mundial pós-atentado 11 de setembro de 2001, seu pós e contras, sua ambigüidade, periculosidade e riscos inerentes a sua utilização. Ainda, a dificuldade do Conselho de Segurança da ONU e dos Estados em definir o que seria uma ameaça hostil capaz de justificar o uso da legitima defesa preventiva, bem como em que momento pode-se se valer dela. E por fim, apresentará a chamada visão cosmopolita do instituto da legitima defesa preventiva que defende uma nova proposta do uso preventivo da força baseada na responsabilidade anterior e posterior dos estados proponentes e discordantes, e na tomada coletiva de decisão com amplo estudo de justificação e verificação da ameaça hostil e da condições que a rodeiam.


2

Após uma lenta evolução do direito da guerra, jus in bello, tendo como verdadeiro marco no direito humanitário a Convenção de Genebra, de 1864, e as Convenções de Haia de 1899 e 1907 (que cuidam necessariamente do direito da guerra), ainda, com o advento do Pacto da Liga das Nações de 1919, que começou a repudiar o direito de guerra, jus ad bello, e do Pacto Briand-kellog que em 1928 condenou o direito à guerra como solução de controvérsias entre nações, o artigo 2º, parágrafo 4º da Carta das Nações Unidas proibiu de forma categórica e definitiva o uso da força como regra para solucionar conflitos internacionais. Segundo este dispositivo, todos os seus membros "deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas."

Sobre os propósitos das Nações Unidas, ficou definido na Carta que a manutenção da paz e da segurança internacionais seriam garantidas pelas ações do seu Conselho de Segurança, que com base no seu Capitulo VII, poderiam excepcionalmente utilizar do uso força.

Portanto, três exceções ao imperativo da Paz foram aceitos como imprescindíveis: "I) aquelas em que as Nações Unidas, por meio do Conselho de Segurança, empreenderem o recurso à força em casos específicos, por considerá-lo compatível com os propósitos da Organização (art. 2º (4) da CDU); II) aquelas referentes à luta pela autodeterminação dos povos (declaração anexa à Resolução 2625 (XXV)); III) As de exercício de legitima defesa (art. 51 da CDU)" (VELOSO, 2008, p. 777/778).

Assim dispõe o art. 51 sobre o direito à legitima defesa:

ARTIGO 51 - Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

A legitima defesa tomada na sua forma pura é uma reação subsidiária, imediata, temporária, efêmera, controlada, necessária, proporcional e iminente, prevista para suprir a carência temporária da autoridade pública, no caso o Conselho de Segurança, onde o Estado agredido pode utilizar a força para afastar a agressão que está sofrendo. Tão logo esta acabe seus atos têm que ser imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança, sendo este o responsável por manter a paz e a segurança internacional abaladas, dentro dos propósitos da Organização.

A controvérsia da teoria da legitima defesa preventiva começa pelo entendimento de que ela estaria presente dentro do direito natural, ou inerente, de legitima defesa previsto no texto do aludido art. 51. Em contrapartida, a sua aplicação, do jeito que é feita hoje, se distancia em muito dos requisitos procedimentais exigidos pelo artigo, e também das características de ação necessariamente iminente desta.

Trata-se a legitima defesa de uma resposta a um risco grave iminente e atual, onde se combate a agressão armada efetivamente ocorrida, em um período mais breve possível segundo a Doutrina do direito internacional. Já a legitima defesa preventiva prega o uso preventivo da força contra uma intenção hostil, ou seja, antes da agressão armada se concretizar. A discussão sobre o momento em que o uso da força é autorizado pelo Direito Internacional é o que permeia todo este estudo.

"Os que defendem a possibilidade preventiva argumentam que obrigar os Estados a esperar sem agir o ataque do adversário seria ‘transformar em uma farsa o objetivo principal da carta, que é o de reduzir ao mínimo as hipóteses de emprego ilícito da força e da violência entre os Estados’." (VELOSO, 2008, p. 782). Já os que são contrários à versão preventiva da legitima defesa defendem que o art. 51 consiste em uma exceção à regra do artigo 2º, (4), da Carta das Nações Unidas, e como tal deve ser interpretada restritivamente, sob pena de esvaziar o próprio principio da obrigatoriedade da paz que a complementa.

De fato o art. 51 com sua redação atual não consegue abarcar estas duas teses no seu texto legal, muito menos diante da, de lege ferenda, evolução imposta ao Sistema de Segurança Coletivo pós-atentado de 11 de setembro de 2001. Embora este autorize aos estados o uso da força de forma excepcional para se defenderem de um ataque armado ou agressão, o mesmo artigo não define qual seria o conceito de agressão. A Assembléia Geral através da Resolução 3314 (XXIX), de 14 de dezembro de 1974, formulou um conceito de Agressão através de seu artigo 1º [03], mas advertiu em seu texto a sua natureza de simples recomendação e atribui ao Conselho de Segurança "o poder discricionário de dar à definição do seu artigo 1º uma interpretação mais ou menos restritiva, "tendo em conta as outras circunstancias pertinentes" (artigo 2º). O Conselho pode, ainda, qualificar outros atos de agressão em conformidade com as disposições da Carta (artigo 4º) (VELOSO, 2008, p. 781). Percebe-se, portanto, que cabe ao Conselho de Segurança discricionariamente definir caso a caso um ato como ataque armado. Vale ainda ressaltar que a Corte Internacional de Justiça, não colaborou para o assentamento da noção geral de ataque armado, restando apenas em dar um exemplo para ilustrar o conceito e por definir as limitações do exercício da legitima defesas pura, por exemplo, no caso das atividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua, e no caso das plataforma petrolíferas.

A definição de ataque armado é essencial para o uso legal da legitima defesa preventiva. O uso da força antecipada com o objetivo único e maior de salvar vidas humanas depende da caracterização transparente e irrefutável pelos estados de que aquele movimento de intenção hostil pode antes mesmo de se efetivar ser encarado como um ato de agressão. Daí porque a falta precisa de uma formula universal de ato agressor dá ensejo a tantas controvérsias e aos abusos gerados pelos estados que invocam a legitima defesa preventiva para justificar seus atos de força antecipados.

O problema de se confiar na discricionariedade do Conselho de Segurança para se definir caso a caso o que é um ataque armado pode ser visto na adoção da Resolução 1368/2001. Em 12 de setembro de 2001, os 15 Países-membros do Conselho de Segurança, ainda atordoados com a proximidade do atentado, se reúnem extraordináriamente para votar a Resolução 1368 que, diante dos "terríveis ataques terroristas ocorrido no dia 11 de setembro de 2001 em Nova York, Washington, e Pensilvânia", verdadeira "ameaça à paz e à segurança internacionais", "reconhece o direito natural a legitima defesa individual ou coletiva", e dão um cheque em branco para a resposta armada dos Estados Unidos que iniciou o combate no Afeganistão. Ainda, o Conselho no seu §5º da dita Resolução, se declarou "pronto a tomar todas as medidas necessárias para responder aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e a combater o terrorismo sob todas as suas formas, conforme as suas responsabilidades em virtude da carta". Todavia, o mundo ainda espera uma atitude concreta do Conselho para cumprir a primeira parte deste §5º (PELLET, 2003, p. 173-179).

Percebe-se, portanto, a grande dificuldade que tem as Nações Unidas, e o Conselho de Segurança em definir o que seria ataque armado a autorizar a legitima defesa pura do art. 51 da sua Carta. Mais dificuldade ainda existe para definir este conceito para se autorizar o uso da legitima defesa preventiva.

Até hoje não foi tomada nenhuma medida concreta pela ONU para tentar solucionar "o principal risco que cinge o instituto da legitima defesa: o da interpretação abusiva por parte do Estado alegadamente agredido. Ao versar sobre o conceito de legítima defesa em direito internacional, o clássico dicionário jurídico The Oxford Companion to Law ressalta: ‘o direito é vago e em grande parte medida aberto a abusos’. De fato, há registros históricos de abuso por parte dos Estados, de atos de represália travestidos de legitima defesa, vitimando quase sempre nações militarmente desfavorecidas." (VELOSO, 2008, p. 797)

Evidentemente o art. 51 diante do novo cenário mundial se tornou obsoleto e precisa de urgente reforma a ser comandada pelos membros da ONU. Ele deve ser adaptado as novas ameaças mundiais, principalmente a ameaça terrorista. A sua concepção inicial se deu basicamente para dirimir problemas entre estados, e não para combater um inimigo sem rosto e sem bandeira que é o terrorismo internacional. Daí porque não pode mais um estado justificar sua conduta unicamente no obsoleto art. 51 da Carta de São Francisco.

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Dentre estas mudanças se encontra a necessidade de se regular a legitima defesa em seu aspecto preventivo. Não mais se atende aos anseios da Comunidade Internacional falar que esta modalidade de legitima defesa é contrária ao direito internacional, que a Corte Internacional não a aceita, que os atos tomados com base nesta teoria não são legítimos e legais, sem apontar soluções para o problema. A ameaça terrorista existe efetivamente, assim como a ameaça nuclear e das armas de destruição em massa. Ficarão todos os Estados e seus cidadãos esperando que as ameaças se efetivem acabando com milhares de vidas para somente depois tomar uma atitude?

Da mesma forma, também não pode se aceitar que em nome da legitima defesa preventiva estados unilateralmente e a par do Sistema Internacional de Segurança coletiva perpetrem abusos e mascarem os seus reais interesses através da luta pelo bem comum, restando por matar também milhares de vidas sem justificativa, como está ocorrendo no Iraque e no Afeganistão. Será preciso que o pior cenário se concretize que é o acesso de terroristas a armas nucleares para se tomar alguma atitude? Não seria tarde demais? Esta é a proposta do presente estudo apontar os possíveis abusos da teoria, suas vantagens, e apresentar possíveis soluções.


3 – A APLICAÇÃO DA TEORIA DA LEGITIMA DEFESA PREVENTIVA

A controvérsia sobre o uso da legitima defesa preventiva tem uma longa historia no Direito Internacional. Desde o caso Caroline em 1837 se discute esta possibilidade, quando o Secretário de Defesa dos Estados Unidos da América, Daniel Webster, concluiu que: "a necessidade da legitima defesa deve ser instantânea, avassaladora, não deixando nenhuma outra escolha quanto aos possíveis meios de repulsar a agressão e nenhum momento de deliberação, e a ação deve ser razoável, não excessiva, limitada àquela necessidade e se manter claramente dentro deste limite" (FRANK, 2002, p. 97-98)

Desde a criação da ONU a mesma controvérsia foi diversas vezes debatida e cinco casos práticos ilustram bem esta disputa. Três antes da virada deste século com grande tendência a sua rejeição: i) Crise dos mísseis de Cuba de 1962-1963; ii) Ataque de Israel ao Líbano em 1975; iii) Ataque de Israel ao reator nuclear do Iraque em 1981; e dois pós 11 de setembro de 2001, que são os conflitos no Afeganistão (2001) e Iraque (2003), onde a tese voltou com novo fôlego às discussões internacionais com a presença constante da ameaça terrorista. [04]

Segundo Allen Buchanan e Robert O. Keohane a decisão pela legitima defesa preventiva sempre envolve uma grande numero de riscos que para serem diminuídos precisa-se criar uma série de medidas de responsabilidade e de salva-guardas que serão expostas mais adiante. Dentre todos estes riscos dois podem ser destacados como mais importantes: i) o primeiro é mascarar o interesse próprio dos estados no intuito de realizar o bem comum na hora da tomada das decisões, o que é injustificável; ii) o segundo é enfraquecer normas institucionais de objetivos pacíficos que constrangem e proíbem o uso da força no cenário internacional. Estes riscos são potencialmente muito maiores, uma vez que o uso antecipado da força está bem mais sujeito a erros o que já vem sendo observado no cenário internacional (2004, p. 9).

Estes mesmos doutrinadores afirmam que o uso preventivo da força tem como objetivo único e maior, e somente assim pode ser moralmente justificável, se a decisão for tomada para proteger direitos humanos contra ataques de destruição em massa. Destacam, ainda, quatro visões que podem clarificar o estudo sobre a possibilidade do uso da legitima defesa preventiva enfatizando as circunstâncias de utilização e não-utilização de forma abusiva, quais sejam: The National Interest, The Expand Rigth of Self-Defense, The Just War Blanket Prohibition, The Legal Status Quo. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004)

The National Interest, ou "Interesse Nacional", é a visão que sustenta que o estado pode fazer tudo o que os seus lideres entendem necessário para servir aos seus melhores interesses. Segundo esta visão os lideres de estado não estariam vinculados a uma ordem moral universal e por isto podem usar de todos os métodos inclusive o uso militar preventivo para defender os interesses do seu estado. Logicamente esta posição é inaceitável e não mais se sustenta dentro do Sistema Coletivo de Segurança Internacional. Na verdade esta teoria anda na contra-mão de toda a evolução da proibição do uso da força para resolver conflitos internacionais, Jus ad bello, e enfraquece até mesmo a tese de que sobre algumas circunstâncias o uso preventivo da força pode ser justificável para preservar os direitos humanos. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 3)

The Expand Right of Self-Defense, ou a "Interpretação Extensiva do Direito a Legitima Defesa" previsto no art. 51 da Carta das Nações Unidas, foi a visão defendida pelo governo Bush através da "National Security Strategy of United States of America" em 2002 para justificar a sua ação de força no Afeganistão logo após o atentado de 11 de setembro, também escorada na Resolução 1368/2001 do Conselho de Segurança. Segundo este entendimento os estados possuem um direito inerente e natural da legitima defesa o que lhes permite agir sozinhos se necessário for, até mesmo de forma preventiva. Todavia, esta justificativa deve ser totalmente rejeitada, uma vez que não se pode permitir que o uso preventivo da força pelos estados seja baseado unicamente na sua própria convicção de que serão atacados no futuro sem nenhuma prova justificável ou medidas de salva-guarda confiando somente na sua sinceridade. Este é um posicionamento que facilmente pode ser levado ao subjetivismo passível de gerar erros e abusos, que é o maior risco que existe do uso equivocado da legitima defesa preventiva. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004. p. 3)

The Just War Balnket Prohibition, ou a "Proibição Total do Uso Preventivo da Força", é a visão dominante que no conceito tradicional de guerra justa o uso preventivo da força é estritamente proibido. A força somente é autorizada nos casos em que um ataque mesmo que ainda não tenha ocorrido, está na iminência irrefutável de ocorrer, por exemplo quando as força inimigas estão de fato mobilizadas com intenção agressiva clara, ou quando mísseis e aviões já foram lançados contra o território atacado, mas ainda não chegaram aos seus alvos. Somente nestas hipóteses seria autorizado o uso da força.

O ponto central desta visão que proíbe o uso preventivo da força em qualquer circunstância é que não se teria justificativa para se usar a força contra alguém que ainda não fez nada de errado. Somente após o ataque ter realmente acontecido é que se poderá justificar o uso da força. O problema desta visão é que ela ignora que em algumas circunstâncias não é preciso esperar ocorrer o ataque para se saber que a ameaça é real e está a promover uma serie de riscos para os direitos humanos que podem ser evitados com ações antecipadas. O ponto crucial é que quando alguém, grupos de pessoas ou estados, erradamente expõe um outro estado em risco para satisfazer seu interesses terroristas por exemplo, uma ação preventiva plenamente justificada, responsável e com apoio multilateral, pode ser moralmente e beneficamente aceita. Não é necessário esperar que o risco identificado previamente de uma destruição em massa seja efetivado para se tomar providências para diminuir estes riscos com uma ação também preventiva. Na verdade tomada por esta perspectiva, a proibição irrestrita do uso preventivo da força sem se atentar para as circunstâncias do caso concreto em nome da preservação radical do principio da obrigatoriedade da paz pode gerar mais malefícios e destruição em vão de vidas humanas do que os supostos benefícios que sustentam esta idéia. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004. p. 5-8)

The legal Status Quo, ou "Principio da manutenção do Status Quo dos Estados", defende a tese que o uso preventivo da força é proibido na direito internacional contemporâneo a menos que tenha recebido uma autorização do Conselho de Segurança da ONU com base nos artigos 2 (4), 39, 42, 48, da Carta de São Francisco. Assim, o uso preventivo da força somente pode ser utilizado com base na autorização previa do Conselho de Segurança. Esta justifica é sem dúvida a melhor das três até agora expostas neste estudo, e sem dúvida na falta de uma quinta justificativa está é a que deve sempre prevalecer. Contudo, a efetivação desta proposta se mostra inadequada nesta nova era das armas de destruição em massa pós 11 de setembro de 2001, porque depende exclusivamente da ação do Conselho de Segurança que sabidamente não está preparado e não foi arquitetado para combater o terrorismo mundial. O poder de veto dos membros permanentes e todas as nuances políticas que permeiam a sua atuação impedem o Conselho de agir mesmo quando efetivamente há a comprovação de uma ameaça a paz, que através de uma ação preventiva coordenada e responsável, poderia ser afastada antes de causar os seus prejuízos reais. Muitas das vezes a própria dificuldade de entendimento dos seus próprios países-membros não irão permitir a ação preventiva de maneira eficaz em um espaço de tempo relativamente curto. (BUCHANAN e KEOHANE, 2004, p. 9)

Percebe-se assim a dificuldade que existe para justificar tanto a utilização da ação preventiva da força como a sua não utilização e como ela pode gerar abusos e irresponsabilidades por parte dos estados. No próximo item os casos práticos descritos ilustram ainda melhor esta dificuldade.

3.2 – Casos práticos e o uso antecipado da força – Ilustração da dificuldade da prova da ameaça hostil.

3.2.1 – Crise dos Mísseis de Cuba (1962-1963) [05]

Em outubro de 1962, o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy anunciou sua intenção de impor uma quarentena a Cuba e aos navios Russos que ali aportavam para compelir um ataque iminente que os Estados Unidos poderiam vir a sofrer em decorrência de mísseis nucleares russos que foram instalados em território cubano nos últimos dias daquela data. No dia seguinte a Organização dos Estados Americanos através de seu Conselho "recomendou" que todos os seus membros poderiam tomar todas as medidas, individual ou coletivamente, incluindo ai o uso da força se for necessário para prevenir que os mísseis russos em cuba não se tornem uma ameaça à paz e segurança do continente. (FRANK, 2002, p. 99)

Os Estados Unidos, contudo, se precaveram em declarar que a quarentena aos navios russos embora tenha sido uma ação militar, não constituía uso ilegal da força violando o art. 51 da Carta da ONU, uma vez nenhum navio de fato furou o bloqueio. Além do mais a quarentena foi legitimamente aprovada pela Organização dos Estados Americanos.

Todavia, o conflito continuou e o embaixador dos Estados Unidos na ONU, Adlai Stevenson, buscou apoio no Conselho de Segurança defendendo a tese de que a URSS queria transformar a ilha de Cuba em uma base ofensiva de destruição em massa montada clandestinamente em uma política violadora da obrigatoriedade da paz, o que caracterizava uma ameaça não só para os Estados Unidos como para todo o hemisfério. A URSS defenderam-se, depois de provado no Conselho a existência dos mísseis em Cuba, que estes foram instalados com o caráter de defesa e não de ataque, e baseou seu argumento em dois fatos: i) um ano antes os Estados Unidos patrocinaram uma tentativa frustada de invasão a Cuba pela Bahia dos Porcos, sendo que a colocação dos mísseis tinha somente a intenção de proteger o regime de Fidel Castro; ii) que a carta das Nações Unidas garantia o direito de todos estados se armarem com o propósito de se defender de ameaças, no caso a ameaça dos Estados Unidos sobre Cuba. (FRANK, 2002, p. 99-100)

Este caso exemplifica de maneira magistral a ambiguidade e o perigo em se adotar a tese da legitima defesa preventiva para justificar atos de força. EUA e URSS com a intenção de se precaverem de possíveis ameaças que unilateralmente entenderam existentes, acabaram por ameaçar de fato um ao outro e quase provocaram a terceira guerra mundial. A legitima defesa preventiva é perigosa porque serviu para justificar os dois atos de força da mesma forma.

Como provar que de fato os mísseis em Cuba foram ali montados com o propósito somente de defesa? A quarentena dos EUA era justificável? Seria ato de agressão, ou ameaça iminente, que autorizaria a URSS de se antecipar e abater os navios dos EUA antes da efetivação da quarentena? Percebe-se a sutileza e o grande perigo da aplicação da legitima defesa preventiva.

Neste caso, após varias tentativas de se buscar uma solução no Conselho de Segurança, onde foram propostas a retirada supervisionada dos mísseis, e a mediação do conflito por Guana, a solução veio através da via diplomática. EUA e URSS costuraram um acordo diplomático em que a URSS retiraria os mísseis em troca de um compromisso assinado dos EUA de que estes não mais tentariam invadir Cuba e que eles iriam rever o seu posicionamento com relação à retirada dos mísseis americanos na Turquia, o que aconteceu alguns anos mais tarde.

3.2.2 – Ataque de Israel ao Sul do Líbano (1975).

No dia 3 de dezembro de 1975, dia seguinte ao ataque Israelense a certo acampamento clandestino no sul do Líbano, o ministro da defesa desse Estado declarara que a referida ação seria preventiva, visando repelir ataques contra Israel. Todo os membros do Conselho a condenaram, incluindo países ocidentais como os EUA, o Japão, a Suécia, a França, a Itália, e o Reino Unido. Nenhuma Resolução de condenação no entanto foi aprovada em razão do veto americano. Alguns votos entre eles o da França foram explícitos ao declarar antijurídico o caráter preventivo da legitima defesa. A maioria condenou a ação sem, no entanto, condenar diretamente a doutrina da legitima defesa preventiva, apenas sob o argumento de que a reação israelense havia sido, no caso concreto, desmotivada. (VELOSO, 2008, p. 784-785).

Dentre os debates daquela época o mais interessante foi sobre a dúvida de quem teria os meios para decidir sobre a existência de um risco real e iminente autorizador de um ataque preventivo, de forma que o instituto não acabasse servindo a intenções de represália e punições. Ilustrativa, nesse sentido, a intervenção do representante libanês para contrapor este ataque:

Israel declarou que sua agressão não foi punitiva, mas uma ação preventiva. Essa é uma metodologia perigosa a seguir na vida internacional. Será que os Estados serão autorizados a determinar eles próprios o que pode ser qualificado de preventivo? Proceder desta maneira conduziria o mundo à lei da selva, o que está longe da idéia de uma ordem internacional fundada nos princípios da Carta das Nações Unidas. (VELOSO, 2008, p. 785)

Este caso serve para ilustrar como a decisão da legitima defesa preventiva tomada unilateralmente por um país sem qualquer discussão, provas, e medidas de salva-guarda podem servir a propósitos escusos e abusivos de um estado mais forte contra outro mais fraco. Legitima defesa preventiva de forma alguma pode ser utilizada como instrumento de punição e represálias e muito menos se excessiva e desproporcional à ameaça.

3.2.3 – Ataque de Israel ao reator nuclear do Iraque (1981).

Em 07 de junho de 1981, nove aviões da força aérea de Israel bombardeou o centro de pesquisas de Tuwaitha perto de Baghdad. Em nota para o Secretário-Geral da ONU, o governo de Israel declarou que destruiu o reator nuclear Tamuz-1, cujo qual estava desenvolvendo bombas atômicas que seriam usadas contra Israel em 1985. O Iraque pediu uma reunião junto ao Conselho de Segurança e descreveu o ato como de grave agressão, e afirmou que, ao contrário de Israel que não assinou o Tratado de não proliferação de armas nucleares de 1968 (NPT), ele fazia parte deste Tratado, e que o reator destruído estava registrado e era objeto de inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), e que este era mantido somente para fins pacíficos. Israel desmentiu esta alegação e afirmou categoricamente que o beneficiamento de urânio tinha como objetivo o desenvolvimento de armas nucleares e que ação preventiva era a única solução ao caso. (FRANK, 2002, p. 105)

Desta vez, em 19 de junho de 1981, o Conselho de Segurança exprimiu sua condenação ao ataque israelense, entendendo que houve violação da Carta das Nações Unidas e das normas de conduta internacional, e chamou Israel para abrir seu próprio reator nuclear para os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica. Em novembro a Assembléia Geral proferiu uma resolução ainda mais forte contendo um solene alerta contra atos desta natureza. Esta resolução recebeu 109 votos a favor e dois contra dos Estados Unidos e de Israel, e 34 abstenções. (FRANK, 2002, p. 106)

O que é interessante neste caso é que nunca foi e nunca será provado que o Iraque estava utilizando o reator nuclear para fins pacíficos. Em meio à ditadura de Sadam Husein, com a política de perseguições aos curdos e a invasão do Kwait em 1990 os que defendem a legitima defesa preventiva podem afirmar que o tempo provou que a ação foi legitima e benéfica a humanidade diante de todos estes indícios. De fato, nunca se saberá se a reversão da invasão do kwait seria tão fácil se o Iraque possuísse armas nucleares. Todavia, aí é que está a grande questão, não dá para se tomar uma atitude concreta de força com base somente em indícios sob pena de real ameaça a paz e a segurança internacional. Os estados antes de tomar qualquer atitude de força devem se preocupar em provar perante toda a comunidade internacional que de fato as ameaças existem, que o atos de força são justificáveis para salvar vidas humanas, e que medidas de responsabilidade serão adotadas antes e depois da intervenção. Foi justamente o que os EUA não fizeram na invasão do Afeganistão e do Iraque em 2003.

3.2.4 – Intervenções dos Estados Unidos no Afeganistão (2002) e no Iraque (2003).

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, justificando a sua ação militar na "luta da humanidade contra o terror", os Estados Unidos ainda promove duas intervenções no Afeganistão (2002) e no Iraque (2003). Muito embora formalmente as justifique com base nas Resoluções 1368 e 1373 (Afeganistão) e 660, 678, 687 e 1441 (Iraque) do Conselho de Segurança da ONU, não resta dúvida que as decisões para invadir estes dois países tem como fundamento principal a extensão da interpretação do direito a legitima defesa tomada na sua forma preventiva.

Mesmo tendo a Resolução 1368, tomada no dia seguinte aos atentados, reconhecido "o direito a legitima defesa individual ou coletiva conforme previsto na carta", os Estados Unidos interpretaram unilateralmente todas estas resoluções de modo a legitimar seus atos baseados na legitima defesa preventiva, cujas ameaças até o presente momento não foram comprovadas.

Baseando na "National Security Strategy" em 2002 onde claramente se pregava o direito inerente e extensivo da legitima defesa preventiva, mesmo com a mudança para o governo Obama, os Estados Unidos ainda se mantêm nestes dois países e a cada dia fica mais difícil sustentar os conflitos com base neste argumento, até mesmo porque o art. 51 e toda carta da ONU não foram preparados para enfrentar a ameaça terrorista de forma eficiente.

Alain Pellet já em 2003 criticava duramente a posição dos Estados Unidos, de todos os membros da ONU, e principalmente do Conselho de Segurança, diante da ausência de justificativas e provas concretas para a Intervenção no Afeganistão e destacou naquela época que quanto mais tempo passa mais difícil de justificar a situação:

A Resolução 1.368 reconheceu aos Estados Unidos e seus aliados um direito de legitima defesa, mas ela não define com relação a quem ele pode ser exercido. Depois de sua adoção o Executivo americano designou Osama Bin Laden como um homem procurado ‘vivo ou morto’, e sua organização Al-Qaida como objeto de sua ‘cruzada’ contra o mal. Com efeito, um e outro apareceram, cada vez mais certos, como os organizadores dos atentados (mas gostaríamos de mais provas). Rapidamente, eles alargaram a resposta aos talibãs. Não lastimaremos o destino prometido a esta fração obscura e tirânica. Mas da mesma maneira, podemos depor um governo unicamente por se este ditatorial? E mesmo porque ele abriga um terrorista incontestável? Por que ele e não outros? E se há outros, quem decidirá se o recuso à força armada é justo? Abdicando de seus poderes de controle e de enquadramento, o Conselho de Segurança deu carta branca aos Estados Unidos, que não fazem mistério de sua intenção de não se deter o Afeganistão. Quanto mais tempo passa, mais difícil fica a situação. (PELLET, 2003, p. 180).

Como bem previu Alain Pellet a intenção dos Estados Unidos não ficou apenas no Afeganistão. A intervenção ao Iraque se deu no ano seguinte em 2003, e os EUA defenderam mais uma vez a idéia de não ser necessário a existência de um ataque armado para que se justifique a legítima defesa.

John Yoo, professor norte-americano de Direito e conselheiro do Departamento de Justiça dos EUA no período 2001-2003, chegou a afirmar que "o direito de legítima defesa reconhecido no artigo 51 da Carta das Nações Unidas autorizava o uso da força no Iraque", pois "os requisitos tradicionais da legítima defesa deveriam ser reinterpretados no contexto moderno das armas de destruição em massa e do terrorismo internacional." (YOO apud McGOLDRICK, 2004, p. 70).

Logo, o fato de o Iraque financiar, direta ou indiretamente, o terrorismo e de produzir armas de destruição maciça já seria motivo suficientemente "iminente" para justificar o uso da força. Seguindo essa linha de raciocínio, John Yoo conclui que o uso da força promovido no Iraque teria sido proporcional à ameaça que esse país representava, já que as ações militares americanas estariam limitadas apenas à eliminação das armas de destruição em massa e para a destituição daquele que seria a fonte das ações hostis do governo iraquiano: Saddam Hussein. (PINHEIRO, 2009)

William Taft IV e Todd Buchwald argumentaram que:

No fim, cada uso de força precisa encontrar legitimidade nos fatos e circunstâncias que o Estado acredita serem necessários. Cada caso não deveria ser julgado com base em conceitos abstratos, mas sim, com base nos eventos particulares que lhe deram causa. Embora as nações não devam usar a defesa preventiva como pretexto para agressão, ser a favor ou contra a defesa preventiva, em termos abstratos, é um erro. O uso da força preventivamente é, algumas vezes, legítimo, e outras, não.

A operação Liberdade Iraquiana foi criticada como ilegal, por ser preventiva. Essa crítica é infundada. A Operação Liberdade Iraquiana foi e é legítima. (TAFT IV; BUCHWALD, 2003, p. 557, tradução nossa).

Todavia, os críticos da Guerra do Iraque argumentaram que as ações dos EUA não poderiam ser justificadas com base na noção de legítima defesa contida no artigo 51 da Carta das Nações Unidas. Richard Falk, Professor Emérito de Direito Internacional e Prática na Universidade de Princeton (EUA), assinala:

Os fatos não deram suporte ao caso de preempção, pois não existiu nem iminência nem necessidade. Como resultado, a Guerra no Iraque pareceu, no máximo, qualificar-se como um exemplo de guerra preventiva, mas existem fortes razões legais, morais e políticas para negar tanto a legalidade quanto a legitimidade de tal uso da força. Não é aceitável exceção ao sistema da Carta, e nenhum esforço foi feito pelo governo dos EUA para reivindicar o direito de guerra preventiva, embora o fraseado altamente abstrato e vago da doutrina de ação preemptiva [de antecipação] na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA fosse mais precisamente formulada como "uma doutrina de guerra preventiva". (FALK, 2003, in PINHEIRO, 2009).

Miriam Sapiro (2003, p.600) chama a atenção para o fato de que a adoção de uma doutrina de guerra preventiva geraria grandes riscos à comunidade internacional. Isso porque faria com que aumentasse significativamente o número de conflitos entre Estados. Ironicamente, até o próprio Iraque poderia ter invocado a idéia de legítima defesa preventiva para justificar um ataque contra os Estados Unidos. (PINHEIRO, 2009)

Richard Gardner, Professor de Direito e Organização Internacional na Universidade de Columbia (EUA), chegou a afirmar que "a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América vai muito longe e não representa boa lei nem boa política", e que os Estados Unidos "podem proteger-se nesta nova era de terrorismo suicida e de proliferação nuclear sem recorrer à Doutrina Bush." (GARDNER, 2003 apud McGOLDRICK, 2004, p. 71, tradução nossa).

Sete e seis anos se passaram deste o inicio dos conflitos no Afeganistão e no Iraque. O regime talibã caiu, Osama Bin Laden não foi encontrado, a Al Qaida ficou enfraquecida mas, infelizmente, ainda existe e atua. Sadam Husein caiu e com ele seu regime, as armas de destruição em massa não foram encontradas, assim como indícios de cooperação com os terroristas da Al Qaida. Tenta-se a muito tempo instalar democracia com eleições nestes países sem sucesso, milhares de vida humanas foram perdidas, atentados terroristas principalmente neste países são uma constante, sem esquecer de mencionar a quantidade de presos que estão aguardando julgamento em Guantánamo sem qualquer observância do devido processo legal e do direito a ampla defesa. Todavia, os Estados Unidos ainda se mantém nos conflitos sob a tutela do Conselho de Segurança da ONU que se mantém inerte e complacente.

Seriam estes conflitos ainda possíveis de serem justificados com base na legitima defesa preventiva e no artigo 51 da Carta da ONU? Quando o Conselho de Segurança vai se manifestar novamente sobre os conflitos, o que é a sua obrigação nos termos do art. 51? O que fazer agora com este fardo do pós-talibã e do pós-Sadam? O Sr. Lakdar Brahimi, representante especial para o Afeganistão, já no ano de 2003 "deixou claro suas inquietações: para fazer o quê? Com que meios? Por quanto tempo eles serão garantidos? (PELLET, 2003, p. 181)

Para Alain Pellet os Estados Unidos tem uma visão utilitarista da ONU e destaca que não foi encontrado um equilíbrio satisfatório entre as ordens da superpotência e o respeito à regra de direito, "nem para a condução da guerra contra o Afeganistão, nem para futura e indispensável reconstrução deste país, nem mesmo para a luta contra o terrorismo. O impasse criado pela Resolução 1.368, adotada na precipitação de uma inquietação compreensível de solidariedade, é a ilustração mais gritante, e não é a única." (2003, p. 182). A persistência dos conflitos e a completa falta de perspectiva de uma solução demonstram, infelizmente, que o autor parece ter inteira razão.

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Sobre o autor
Edgard Marcelo Rocha Torres

Procurador da Fazenda Nacional, especialista em direito Público pelo CAD/UGF, pós graduando em direito internacional pelo CEDIN/FMC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Edgard Marcelo Rocha. O uso da legítima defesa preventiva no pós 11 de setembro de 2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2391, 17 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14180. Acesso em: 26 dez. 2024.

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