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Participação nos lucros e resultados (PLR).

Instituto em favor do trabalho ou do capital?

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15/01/2010 às 00:00
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4. O sistema toytista de produção e a desarticulação dos trabalhadores.

Este novo modelo de produção toyotista é pautado no princípio de desfragmentação das empresas para diminuir os custos. Surgem as ilhas de produção, outras empresas fabricam parte dos produtos que serão finalizados pela empresa controladora do ciclo produtivo. O consumo continua massificado, porém o estoque é zero, só se produz as mercadorias já negociadas. Os produtos se tornam mais baratos e sofisticados, mas com menor durabilidade, tudo para incentivar o consumo. Surgem os programas de qualidade total caracterizados pela alta tecnologia e sofisticação dos produtos.

No sistema fordista de produção, calculavam-se os custos, projetava-se o lucro e depois fixava-se o preço. No modelo toyotista estima-se os preços cada vez menores, fixa-se os lucros e cortam-se os custos, geralmente através do corte dos direitos trabalhistas.

Com a terceirização, forma organizativa essencial do modelo toyotista, além do estoque de mercadorias, o estoque de mão de obra é zero, flexível, sendo utilizado somente quando necessário, de acordo com as variações de mercado.

Com a automatização propiciada pela nova revolução industrial que denominaremos digital, passa a ser exigido como fator determinante para se colocar no mercado de trabalho a qualificação, ou seja, a adequação do trabalhador à máquina. Esta ainda ameaça o trabalhador que teme que seu trabalho seja dispensável devido à evolução tecnológica ou que seja substituído por trabalhador mais jovem e mais adaptável à máquina. O trabalhador mais jovem possui custo mais baixo uma vez que geralmente está em busca do primeiro emprego ou colocação no mercado de trabalho, sujeitando-se à condições precárias. Este temor entre os trabalhadores provoca a competição entre eles, que buscam, de forma individual, quase clandestina, o aprimoramento profissional.

O trabalhador mais qualificado tecnologicamente é individualizado e empresarialmente útil. Assim possui valor específico e opta por negociar pessoalmente suas condições laborais, dispensado o apoio do Sindicato. Porém, estes trabalhadores, embora exerçam múltiplas funções e eliminem, mesmo que inconscientemente vários postos de trabalho, são minoria. Os trabalhadores não qualificados, por sua vez, buscam proteção coletiva uma vez que isoladamente não possuem força de pressão diante do empregador. Entretanto, o universo dos trabalhadores desmaterializa e dificulta esta proteção vez que não há mais homogeneidade de condições de vida e trabalho.

O tempo de trabalho tem uma nova concepção, individual, fragmentado, heterogêneo, o que coletivamente gera problemas de coordenação e consequentes condições necessárias à integração social.

A negociação individualizada gera distorções e heterogeneidade conforme nos esclarece Carlos Chiarelli.

"E se o trabalhador, individualmente considerado, fragilizar-se negocial e empregaticiamente, com ele – posto que a sua situação análoga a de outros – enfraquece-se o grupo operário e, por decorrência, o sindicato de que faz (ou poderia fazer) parte." [11]

Como as fábricas são divididas, os trabalhadores são incitados a competirem entre si. Quebra-se o sentimento de solidariedade de classe, através de políticas de terceirização, metas de produção, remunerações variáveis, participação nos lucros e resultados, negociações individualizadas.

Experiências como a da categoria dos trabalhadores da Copasa nos demonstram as consequências arrasadoras das metas de produção e remunerações variáveis.

No período em que tivemos a oportunidade de assessorar as negociações coletivas do Sindágua/MG, verificamos que a Copasa somente admitia a concessão de aumento real através de uma parcela denominada GDI (gratificação de desenvolvimento institucional). Tal parcela incorporava-se ao salário, porém não era linear, não sendo concedida em um mesmo percentual para todos os trabalhadores da empresa.

O percentual da referida gratificação era mensurado de acordo com o IDI (índice de desenvolvimento institucional) de cada unidade da Copasa. Este índice se propunha à mensurar a redução de custos de cada ilha de produção. Para obtenção de tal índice, eram considerados o consumo de luz, água e até papel higiênico de cada unidade, além do total de consumidores inadimplentes, dentre outros fatores.

Embora o Sindicato tenha envidado enormes esforços para não atrelar o aumento real ao IDI e tenha sido deflagrada greve no ano de 2003 devido ao referido atrelamento, o movimento paredista foi completamente desarticulado por trabalhadores de unidades cujo IDI possibilitava maior aumento real. As assembleias realizadas sequer autorizavam o Sindicato à demandar judicialmente para impedir a imposição do empregador. Assim, o sentimento de solidariedade foi completamente destruído e o Sindicato não teve condições de impedir a instituição da remuneração variável que perdura até os dias de hoje, além dos riscos do empreendimento teriam sido repassados aos trabalhadores, contrariando o disposto na CLT. [12]

Com tais medidas, os Sindicatos se enfraquecem e assim cria-se terreno fértil para a desregulamentação e flexibilização dos direitos dos trabalhadores. A proposta neoliberal consiste em retirar direitos estabelecidos através de normas heterônomas estatais para negociá-los posteriormente de forma individualizada. Ocorre que esta negociação não se dá de forma equilibrada, uma vez que é efetuada individualmente ou com Sindicatos enfraquecidos.

"(...) ao se fragmentar, a empresa também fragmenta o movimento operário; mas, ao se recompor, formando a rede não o recompõe (...) Na medida em que a fábrica se dissemina, o sindicato perde a referência, o seu contraponto (...) Hoje, os trabalhadores – especialmente os terceirizados – vagam no espaço e no tempo. Vão e voltam, passando do emprego ao desemprego, ao subemprego e a um novo emprego, numa relação de permanente curto-circuito. É difícil identifica-los e reuni-los, pois o sindicato não tem a mesma plasticidade." [13]

A descentralização das atividades empresariais também fragmenta o universo operário. O setor terciário, fruto da globalização, aumenta diminuindo-se consideravelmente o operariado industrial.

De acordo com dados do autor Túlio Massoni, no final do século XX, os empregos no setor de serviços atingiu 70%. [14] Ocorre que é uma característica dos trabalhadores no setor de serviço a competição acirrada entre eles e o individualismo exacerbado, valores estes baseados na qualificação pessoal, desempenho profissional e ascensão social, cultura gerada pela solidão.

A reivindicação deixou de ser homogênea, pois não há mais a composição de um todo homogêneo cujos membros enfrentavam as mesmas dificuldades de vida e trabalho, impossibilitando a emancipação dos trabalhadores unidos por definição.

"(...) a fragmentação resultante da introdução de relações de trabalho atípicas e precárias, que cria uma diversidade de ocupações até então desconhecidas, debilita o poder do sindicato. A antiga ‘comunhão de interesses’ desaparece ante a atomização das atividades produzidas pelo teletrabalho, por novas formas de trabalho em domicílio, pelo trabalho informal." [15]

As empresas passam a dar ampla ênfase à remuneração estratégica que passa a ser adotada conforme atingimento de metas e resultados. A PLR é um exemplo clássico disto. Os Sindicatos encontram dificuldades de gerenciar as negociações coletivas e encontrar uma linguagem comum para interesses divergentes dos trabalhadores, acentuada pelo crescimento da mão de obra especializada e individualizada.

"Observa-se, portanto, um declínio de valores coletivistas e igualitários. Rejeita-se a crença de que o bem-estar e felicidade individual são alcançáveis por meio do bem estar coletivo e se valoriza o individualismo, a competição e o mérito." [16]

A burocratização dos Sindicatos dificulta sua atuação, pois distancia seus dirigentes da base, afastando os trabalhadores. A fragilização dos Sindicatos se deve a perda de representatividade. Assim é necessário criar uma nova mentalidade dos trabalhadores.

"O sindicato não é apenas uma organização de representação de trabalho assalariado, mas um ator social que expressa a identidade global dos trabalhadores em seu conjunto, relacionando-se com os demais atores sociais e políticos. [17]

(...) o movimento sindical é condição essencial para a preservação e mesmo ampliação da democracia na sociedade e, em especial, de garantia para a instituição da cidadania no mundo do trabalho. [18]

É necessário que as entidades sindicais busquem novas formas de organização para superar os obstáculos criados pelas estratégias neoliberais. O Direito do Trabalho, como fruto direto da luta sindical, necessita da rearticulação desta para continuar cumprindo seu papel histórico de proteção dos trabalhadores face à exploração do sistema capitalista.


5. A real finalidade da participação nos lucros e resultados

O instituto de Participação nos Lucros e Resultados surgiu dos ideais políticos operários de distribuição igualitária da riqueza produzida. No entanto, é necessário esclarecer que as lutas sindicais iniciais reivindicavam condições humanas de trabalho, tal como remuneração mínima, jornada de trabalho que assegurasse também o descanso e o lazer, medidas de saúde e segurança, bem como liberdade de organização e poder político aos trabalhadores.

Com o surgimento do Estado Social de Direito, devido ao temor do avanço do comunismo, houve fortalecimento dos Sindicatos e criação de diversos direitos dos trabalhadores através de diplomas normativos heterônomos e autônomos. No auge do sindicalismo europeu, na década de 60, os Sindicatos sistematicamente passaram a pleitear a distribuição da riqueza produzida. Após árdua resistência do capital, que utilizou o argumento de que a riqueza fora produzida pela propriedade privada e que o risco do empreendimento era dos proprietários dos meios de produção, a participação nos lucros começou a ser adotada pelas empresas adeptas ao modelo toyotista.

Para compreendermos esta estranha mudança de posição ideológica com relação ao instituto, se faz mister dissertar acerca da evolução da participação nos lucros e seus objetivos, tanto para os trabalhadores, quanto para os empregadores.

A primeira menção histórica do instituto da PLR situa-se em 1812 na França, quando Napoleão Bonaparte assegurou aos artistas de teatro de comédia o direito na participação nos lucros.

Em 15 de maio de 1891, a Igreja Católica, através do Papa Leão XIII, edita a encíclica Rerum Novarum que trata exclusivamente da condição dos operários, documento este que tinha como objetivo difundir a doutrina da Igreja. Neste documento condena as ideias socialistas e as pretensões políticas dos trabalhadores.

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"Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os municípios ou para o Estado. Mediante esta trasladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes." [19]

É de suma importância ressaltar que para a Igreja Católica a solução para o problema da miséria não é a instigação dos pobres, inserindo neles pensamentos "invejosos". Para a Igreja Católica os trabalhadores não poderiam refletir sobre as motivações das desigualdades sociais, deveriam sim aceitá-las sem qualquer hesitação, como se a sua condição social fosse uma vontade divina incontestável.

Após a grave crise desencadeada pela Primeira Guerra Mundial e a queda da bolsa de Nova York em 1929, em 15 de maio de 1931, a Igreja, através do Papa Pio XI, edita a encíclica Quadragésimo Anno que em 1961, no auge do Estado Social de Direito, é reafirmada pela Encíclica Mater Et Magistra. Estes dois documentos reafirmavam a posição da Igreja com relação ao socialismo e as pretensões políticas dos trabalhadores e apresentavam a participação nos lucros como forma de fazer justiça social e livrar o mundo do mal do comunismo.

"Para vir agora ao particular, começamos pelo direito de propriedade. Sabeis, veneráveis irmãos e amados filhos, que Leão XIII, de feliz memória, defendeu tenazmente o direito de propriedade contra as aberrações dos socialistas do seu tempo, mostrando que a destruição do domínio particular reverteria, não em vantagem, mas em ruína da classe operária(...)

Ora, nem toda a distribuição de bens e riquezas entre os homens é apta para obter totalmente, ou com a devida perfeição, o fim estabelecido por Deus. É necessário que as riquezas, em contínuo incremento com o progresso da economia social, sejam repartidas pelos indivíduos ou pelas classes particulares, de tal maneira que se salve sempre a utilidade comum, de que falava Leão XIII, ou, por outras palavras, que em nada se prejudique o bem geral de toda a sociedade. Esta lei de justiça social proíbe que uma classe seja pela outra excluída da participação dos lucros(...)

Cada um deve, pois, ter a sua parte nos bens materiais; e deve procurar-se que a sua repartição seja pautada pelas normas do bem comum e da justiça social." [20]

Na encíclica Quadragesimo Anno, a Igreja reafirma sua posição com relação aos objetivos políticos operários, mas tendo em vista a enorme crise na qual o sistema capitalista passava, aponta alternativas para superá-la e manter o capital no exercício do poder político e econômico. Se faz mister ressaltar que, quando da edição da Quadragesimo Anno, a URSS já estava estruturada e a ditadura do proletariado já não era mais somente uma ideologia impalpável, mas, para os olhos do mundo, uma realidade.

Assim a Igreja admite e orienta que é necessário que o capital, para se manter no poder, faça concessões aos trabalhadores, inclusive com relação à divisão dos bens produzidos.

"O que fica exposto sobre a eqüitativa repartição dos bens e sobre o justo salário diz respeito aos indivíduos, e não visa senão acessoriamente à ordem social, que o nosso predecessor Leão XIII desejou e procurou restaurar pelos princípios da sã filosofia e aperfeiçoar segundo as normas sublimes da lei evangélica." [21]

Na encíclica Mater Et Magistra, editada pelo Papa João XIII em 15 de maio de 1961, época na qual vigorava em sua plenitude o Estado Social, a Igreja Católica elabora doutrina na qual reconhece a função social da propriedade e a necessidade desta para se manter o sistema de produção capitalista.

"Outro ponto da doutrina, proposto constantemente pelos nossos predecessores, é que o direito de propriedade privada sobre os bens possui intrinsecamente uma função social. No plano da criação, os bens da Terra são primordialmente destinados à subsistência digna de todos os seres humanos (...)" [22]

Verificamos nitidamente através da doutrina católica que a defesa da função social da propriedade privada e da participação nos lucros não tinha como objetivo a distribuição de riquezas, mas sim, e tão somente, a manutenção da ordem social, ou seja, manutenção da forma de organização social instituída pelo sistema capitalista.

A instituição da segunda geração de direitos fundamentais, ou seja, dos direitos sociais tem como único objetivo brecar as manifestações operárias e os ideais comunistas, a partir da cessação das reivindicações. Este é o objetivo fundamental do Estado Social, a preservação da propriedade privada, através da atenuação das distorções sociais. Mais uma vez o Estado e o Direito cumpriram seu papel histórico de manter os detentores dos meios de produção no poder exercício pleno do poder político.

A participação nos lucros foi um pleito elaborado pelos trabalhadores a partir da verificação de que a mão de obra utilizada na produção era explorada. Cumpre mencionar que apenas a partir da teoria econômica e política marxista foi possível concluir, utilizando-se metodologia científica, que havia exploração de uma classe sobre outra e que a história da humanidade era na verdade a história das revoluções constantes de uma classe explorada e que este movimento é cíclico e eterno.

A difusão das teorias marxistas, principalmente através do Manifesto Comunista, possibilitou aos trabalhadores a compreensão da fórmula da extração de riquezas no sistema capitalista (mais valia) e consequentemente despertou o desejo da distribuição das riquezas produzidas pela classe operária a partir da compreensão de que os trabalhadores eram essenciais para sobrevivência do sistema.

O sistema capitalista se alimenta da locação de mão de obra alienada que é obrigada a comprar do próprio proprietário dos meios de produção que locou sua mão de obra, os meios de sua subsistência.

Sem o trabalhador que vende sua mão de obra, impossível se é produzir e sem o trabalhador que consome os produtos produzidos, impossível se é comerciar. Assim, o trabalhador contribui em dois momentos para obtenção dos lucros, no momento em que permite a extração da mais valia e no momento em que compra as mercadorias por eles próprios produzidas.

A previsão de pagamento de Participação nos Lucros surgiu em textos normativos em 1919 na Constituição de Weimar na Alemanha. A Constituição de Weimar é a primeira Constituição Social da Europa que possui os mesmos princípios da primeira Constituição Social, a Mexicana de 1917. A primeira constituição social brasileira é a de 1934.

Inicialmente, o capital era contrário ao pagamento de participação nos lucros afirmando que a estrutura capitalista se fundamenta no direito da propriedade privada. Alegavam ainda que os riscos econômicos do empreendimento eram do capital e que por isso os lucros não podiam ser repartidos.

Após a Segunda Guerra Mundial e a miséria por esta provocada se viu a necessidade de se reestruturar o modelo de produção. Assim, no Japão, país que saiu derrotado na guerra e sofreu graves consequências econômicas em virtude deste fato, surge o modelo toyotista de produção e é adotado o pagamento de participação nos lucros aos trabalhadores.

Com o surgimento do modelo toyotista que acabou com o sentimento de solidariedade entre os trabalhadores, verificou-se que a participação nos lucros era uma forma de aumentar a produção, através do sentimento de competição entre os trabalhadores e o fim do sentimento de união para reivindicações, além do aumento de esforço no trabalho para atingir metas de produção.

No Brasil a participação nos lucros surge pela primeira vez em 1943, no art. 621 da CLT, que determina que ela é objeto de negociação entre Sindicato e empregador. Na Constituição de 1946 ela surge novamente, mas também não é implementada, pois os empregadores se recusam a negociá-la.

A Constituição de 1988 determina que a PLR é direito dos trabalhadores e que a propriedade privada tem que cumprir sua função social. Assim a participação nos lucros deixa de ser uma faculdade do empregador e passa a ser obrigatória. Mas o texto constitucional condiciona a sua implementação à edição de norma para regulamentá-la.

Somente em 1994, quando o Brasil, através do governo Collor, adere ao neoliberalismo, são editadas medidas provisórias, que determinam a forma de pagamento da PLR.

Em 2000, o governo FHC e o então presidente do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães, promulgam a Lei nº. 10.101 que determina que a PLR é objeto de negociação.

Nítido é o retrocesso jurídico da Lei nº. 10.101/2000, pois a PLR, obrigatória na CF/ 88, passa a ser facultativa. O instrumento legal prevê ainda que o montante pago à título de PLR pode ser deduzido para apuração do lucro real.

Porém, a característica mais interessante deste instrumento legal é o fato de que além de tornar a PLR um faculdade da empresa, ao contrário da redação dada pelo inciso XI do art. 7º da Constituição Federal que determina que a PLR é um direito dos trabalhadores, a norma flexibiliza o instituto da remuneração, bem como outros direitos trabalhistas.

Importante notar que a norma aqui debatida não traz qualquer acréscimo legislativo significativo, exceto o fato de autorizar a partir de seu art. 6º, o trabalho em domingos e feriados, flexibilizando importante norma de saúde e segurança no trabalho, proteção esta que possibilitava o descanso e o convívio social dos trabalhadores no comércio.

Ademais, cumpre ressaltar que a norma supracitada foi redigida de uma forma em que os Sindicatos não participariam das negociações, porém as entidades sindicais ajuizaram ação perante o STF alegando inconstitucionalidade do dispositivo, com fulcro no inciso VI do art. 8º da Constituição Federal que determina a obrigatoriedade de participação do Sindicato nas negociações, assegurando assim um assento aos Sindicatos nas mesas de negociação de PLR.

Além disso, o texto constitucional desvincula a PLR da remuneração, e o art. 3º da Lei nº. 10.101/2000 determina que sobre a verba não incidirão nenhum dos encargos trabalhistas.

De acordo com a lei, à PLR, verba remuneratória por excelência, uma vez que é a contrapartida de uma prestação laboral, não se aplica nenhum dos princípios e dispositivos de proteção à remuneração.

Mesmo antes da Constituinte de 1988, a participação nos lucros e resultados era praticada por algumas categorias e até a promulgação da Carta Constitucional de 1988 a jurisprudência pátria concedida natureza salarial à PLR.

Este era o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado através da Súmula 251, senão vejamos:

Súmula Nº. 251 do TST

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. NATUREZA SALARIAL. (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 - Referência art. 7º, XI, CF/1988.

A parcela participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais.

Redação original - Res. 17/1985, DJ 13, 14 e 15.01.1986. [23]

Ocorre que a referida Súmula, editada em 1986, foi cancelada, através da Resolução 33/1994 em maio de 1994. Interessante observar que nesse mesmo ano (1994), no qual as ideias neoliberais e de "modernas" reestruturações produtivas ganhavam vozes poderosas no Brasil, o TST cancelou a Súmula 256 que restringia a intermediação de mão de obra possibilitando assim o avanço da terceirização.

Após esta sumária exposição do histórico da PLR, cumpre-nos agora demonstrar a que interesses se prestam a participação nos lucros e resultados e para isso iremos analisar o caso concreto da categoria de metalúrgicos da região metropolitana de Belo Horizonte.

O salário médio mensal dos trabalhadores representados pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte, Contagem e Região é de R$ 880,00 [24]. Por ano, um trabalhador recebe em média de remuneração, incluindo-se o 13º salário e as férias, o valor de R$ 11.733,00. O Sindicato representa cerca de 60 mil trabalhadores nas cidades de Belo Horizonte, Contagem, Nova Lima, Rio Acima, Raposos, Sarzedo, Ibirité e Ribeirão das Neves [25].

Em um mês, em média, as empresas cujos trabalhadores são representados pelo referido Sindicato profissional, efetuaram, entre outubro de 2007 e outubro de 2008, o pagamento de aproximadamente R$ 52.800.000,00 a título de salário. Anualmente este valor perfaz o montante de R$ 703.980.000,00, incluindo-se para este cômputo o pagamento de férias e 13º salário.

É necessário esclarecer que o referido Sindicato não representa os trabalhadores metalúrgicos de Betim, cidade na qual está instalada uma das maiores montadoras de automóveis do Brasil, além de diversas empresas que compõe sua cadeia produtiva.

Através de negociações coletivas efetuadas pelo Sindicato acima aludido que instituíram programas de PLR foram injetados na economia das cidades representadas pela entidade sindical, através do pagamento dos valores avençados em instrumentos coletivos, em torno de 50 milhões de reais no ano de 2007 [26].

Somente uma das empresas que pertencem à base territorial do Sindicato acima referenciado, a Vallourec & Mannesmann Tubes, no ano de 2007, efetuou o pagamento de 35 milhões a título de PLR. [27]

Verifica-se que o total do montante pago a título de participação nos lucros gerados em todo um ano é inferior ao valor destinado ao pagamento de salários de todos os trabalhadores por um mês.

O PIB (Produto Interno Bruto) de Belo Horizonte no ano de 2005 foi 28.386.694 (em mil reais) e o valor adicionado na indústria em 2005 foi de 3.801.665 (em mil reais). [28]

Por sua vez, o PIB (Produto Interno Bruto) de Contagem no ano de 2005 foi 9.542.361 (em mil reais) e o valor adicionado na indústria em 2005 foi de 2.918.581 (em mil reais). [29]

Somente as cidades de Belo Horizonte e Contagem em 2005 geraram através da indústria de transformação uma riqueza de mais de 6 bilhões, setecentos e vinte milhões de reais. Porém, um pouco mais de 700 milhões de reais foi destinado ao pagamento de remuneração de trabalhadores metalúrgicos nestas cidades e em outras seis cidades cujo PIB não foi analisado pelo presente estudo.

Em torno de 10% do total da riqueza produzida em duas cidades foi destinada ao pagamento da remuneração de trabalhadores metalúrgicos distribuídos em oito cidades e apenas 0,74% desta riqueza foi destinado ao pagamento de PLR.

O autor Cesarino Júnior nos esclarece que sendo quatro os fatores de produção, matéria prima, ferramentas, trabalho e lucro, uma divisão equitativa daria aos trabalhadores 25% dos lucros líquidos, restando 75% para os demais fatores. [30]

Verificamos, no entanto, que o valor destinado ao pagamento de PLR é infinitamente inferior ao valor destinado ao pagamento de salários por apenas um mês. O objetivo primordial da Participação nos Lucros e Resultados é repartir com os trabalhadores um percentual de lucro obtido por todo um ano. Os números acima demonstrados comprovam que este objetivo não é atingido, não sendo alcançado nem mesmo remotamente.

Os patamares a serem observados para divisão do lucro sugeridos pela doutrina não são nem sequer cogitados. Então, aos interesses de quem atende a PLR? Não é dos trabalhadores, conforme demonstrado. E porque hoje os empregadores defendem a PLR?

No presente ano nos deparamos com uma situação no mínimo inusitada. Momentos antes da crise desencadeada pelo capital especulativo norte americano, presenciamos em diversas empresas do ramo metalúrgico, a defesa, pelos proprietários e seus prepostos, do pagamento da PLR aos seus empregados. No entanto, nenhuma delas se dispunha à normatizar o pagamento da parcela sem que fosse instituído metas de produção a serem cumpridas pelos trabalhadores.

Presenciamos inclusive, em uma negociação coletiva para celebração de Convenção Coletiva de Trabalho, ramos empresariais do setor metalúrgico, defenderem a normatização da PLR em instrumento coletivo. Instrumento este destinado à não só uma empresa, mas à todas que compõe o segmento, uma vez que estamos tratando de Convenção e não de Acordo Coletivo.

A justificativa empresarial para esta defesa é simples e óbvia, através da estipulação de metas para pagamento de PLR, o trabalhador produz mais e, em consequência o lucro aumenta. Porém outro fator para a defesa da PLR também é de extrema importância. A divisão de lucros, não importa de que forma, é critério para demonstrar responsabilidade social e obter certificação ISO que hoje tem enorme validade no mercado comercial.

Já verificamos que o lucro, que obtém considerável majoração em decorrência do cumprimento de metas, não é repartido de forma justa com os indivíduos que contribuíram de forma efetiva para sua majoração.

Sobre a parcela paga à título de PLR não incidem encargos trabalhistas, o que torna a mão de obra mais barata uma vez que o montante é remuneratório, uma contraprestação ao trabalho efetuado e que se não há incidência de encargos, obviamente o custo da mão de obra diminui.

Outra questão de suma importância é que não há nenhum dispositivo legal que obrigue as empresas a apresentarem balancete financeiro. E, quando por destreza do negociador estes são apresentados, nunca revelam a situação real econômica da empresa, restando praticamente impossível verificar a forma mais justa de distribuição de riqueza.

A Lei 10.101/2000 em seu art. 2º determina que podem ser critérios para pagamento da PLR metas, índices de resultado, qualidade, entre outros.

Em normas coletivas que instituem Programas de Participação nos Lucros e Resultados são inseridas metas de produção a serem atingidas para o pagamento do montante. Também são inseridas cláusulas que obstam o recebimento caso o trabalhador não compareça ao trabalho.

O trabalhador, já contando com este valor em seu orçamento familiar, passa a trabalhar de forma excessiva para atingir as tais metas, que na quase totalidade das vezes não levam em consideração outras variáveis importantes para a obtenção de lucro como o preço de matéria prima e ferramentas, comportamento do mercado financeiro e consumidor, questões relativas a escoamento da mercadoria e até mesmo o comportamento dos próprios proprietários das empresas.

O que ocorre então é que os riscos do empreendimento são repassados ao trabalhador, violando de forma brutal o princípio da alteridade ou assunção dos riscos pelo empregador, princípio este consagrado pelo art. 2º da CLT.

E o trabalhador que não possui nenhum controle sobre os demais fatores de produção passa a acreditar ingenuamente que para receber a PLR necessita dedicar-se ao trabalho cada vez mais, comprometendo sua saúde e sua convivência social e familiar.

Além disso, o descumprimento de quaisquer metas por um dos colegas de trabalho gera extrema insatisfação nos demais, corroendo os laços sociais entre estes. Já nos deparamos inclusive, em seminários sindicais sobre o tema realizados com trabalhadores que integram comissões negociadoras, discussões acirradas sobre a não observância do cumprimento de metas e de desconfiança entre os trabalhadores.

Alguns trabalhadores chegam a desenvolver stress em níveis acentuados devido o temor de não receber a PLR e nem cogitam que nenhuma empresa está obrigada ao pagamento da parcela, sendo uma opção exclusivamente sua o seu pagamento, afinal sobre ela não repercutem nenhum dos princípios protetivos do salário.

As mobilizações das categorias em prol de aumento real no salário e instituição de melhorias nas condições de trabalho deixaram de existir, pois os trabalhadores se preocupam realmente em cumprir metas de produção para receberem remuneração a título de PLR. Sem a mobilização da categoria resta aos Sindicatos tentar preservar conquistas anteriores pois a inexistência de resistência coletiva desequilibra as negociações face à a superioridade da pressão exercida pelas empresas que, ao contrário dos trabalhadores que podem se restringir somente a paralisação do trabalho, detém o poder sobre a manutenção dos postos de trabalho.

A desigualdade na mesa negociadora pode implicar ainda em flexibilização e desregulamentação de direitos devido a atitudes desesperadas dos Sindicatos enfraquecidos para impedir a demissão dos trabalhadores representados.

Mas qual a saída para frear este artifício neoliberal? Inicialmente se faz de suma importância o esclarecimento aos trabalhadores da real essência da PLR tal como foi estipulada em lei. E para isto é necessária a compreensão dos Sindicatos dos institutos e todos os seus impactos sociológicos, ideológicos e psicológicos.

No campo jurídico destacamos esparsas mas valiosíssimas decisões da Justiça Laboral que entendem que a estipulação de metas implica na declaração de que o valor pago à título de PLR é na verdade prêmio sobre o qual incidem os reflexos trabalhistas.

A partir da compreensão dos Sindicatos da real finalidade da PLR, estes podem utilizar a comissão de negociação prevista na Lei nº. 10.101 para instituir organização no local de trabalho. Embora a organização no local de trabalho não seja garantida por lei no Brasil, as comissões de trabalhadores, sejam da CIPA ou negociadoras, podem cumprir papel de extrema importância na estratégia de fornecer informação aos trabalhadores e organizá-los.

Nossa experiência no Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem se mostrou bastante positiva no intuito de esclarecer aos trabalhadores como é efetuada a exploração da força de trabalho, demonstrando de forma didática os conceitos de mais valia, o desenvolvimento dos sindicatos e do Direito do Trabalho e as armadilhas da PLR.

A compreensão dos sindicatos também tem auxiliado na formulação de normas trabalhistas autônomas uma vez que se tem privilegiado a instituição de abono ao invés de PLR. O abono é o meio pelo qual os Sindicatos vêm lenta, porém gradativamente, instituindo a distribuição de riqueza produzida, estipulando valores a serem pagos sobre os quais incidem os reflexos trabalhistas, sem que seja exigido o cumprimento de metas de produção.

No entanto, é necessário ainda buscar a conscientização dos trabalhadores de que a única forma real de distribuição de riquezas é através do aumento significativo da massa salarial com as repercussões jurídicas que lhe são inerentes para enterrar de vez a falsa percepção de que a PLR é um instrumento a favor dos trabalhadores.

Os princípios que norteiam o Direito do Trabalho nunca podem deixar de serem observados tanto no cumprimento das normas quanto na elaboração destas sob pena de transformar este importantíssimo ramo do direito social em mero instrumento de flexibilização e desregulamentação de direitos à favor das políticas neoliberais.

O Estado Brasileiro é um Estado Social de Direito que tem como fundamento a dignidade humana, a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade privada. Sendo assim, os seus instrumentos jurídicos devem ser utilizados visando equilibrar as relações sociais a fim de se garantir à todos os cidadãos a igualdade e a liberdade, mas não de maneira meramente formal e sim de forma efetiva.

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Sobre a autora
Maíra Neiva Gomes

Advogada trabalhista. Assessora jurídica do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem. Assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais – FEM-CUT-MG. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Aluna em DI do Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Maíra Neiva. Participação nos lucros e resultados (PLR).: Instituto em favor do trabalho ou do capital?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2389, 15 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14190. Acesso em: 26 abr. 2024.

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