Artigo Destaque dos editores

Consultório médico, clínica médica e hospital.

Conceitos

15/01/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de estabelecimento hospitalar para fins de IRPJ e CSLL. 2.1 Evolução legislativa. 2.2 Da jurisprudência. 2.3 Alteração da Lei nº 9.249/95. 3 Conceitos de consultório médico e de clínica médica para fins do ISS. 4 Considerações finais.


1 Introdução

A falta de definição legal do que sejam consultório médico, clínica médica e hospital vem trazendo insegurança jurídica aos contribuintes prestadores de serviços.

Tanto a legislação tributária federal (IRPJ e CSLL), quanto a legislação tributária municipal (ISS) conferem tratamentos tributários diferenciados, resultando em maior ou menor carga tributária, dependendo da conceituação que venha a ser dada a cada um desses estabelecimentos. Senão vejamos.

a)Na área do IRPJ e CSLL

Dispõem os artigos 15, § 1º, III, a e 20 da Lei nº 9.249/95:

"Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:

...............................................................................................................

III - trinta e dois por cento, para as atividades de:

b)prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares."

"Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano-calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1º do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento."

c)Na área do ISS

A lei de regência nacional do ISS, LC nº 116/2006, contempla sob o item 4 os serviços de saúde, assistência médica e congêneres abrangendo 23 subitens, dentre os quais, hospitais, clínicas, laboratórios, sanatórios, manicômios, casas de saúde, prontos-socorros, ambulatórios e congêneres (subitem 4.03), acupuntura (subitem 4.05), enfermagem, inclusive serviços auxiliares (subitem 4.06), obstetrícia (subitem 4.11), odontologia (subitem 4.12) etc.

A lei do Município de São Paulo, Lei nº 13.701/2003, reproduz todos os subitens do item 4 constante da LC nº 116/2003 fazendo incidir a alíquota de 2% sobre tais serviços.

Entretanto, nem todos os municípios adotaram alíquota uniforme para os diferentes serviços abrangidos pelo item 4 da lista de serviços anexos à LC nº 116/2003.

É o caso, por exemplo, da Lei nº 10.630/2003 do Município de Juiz de Fora que tributa os serviços de medicina e biometria (consultas médicas) abrangidos pelo subitem 4.01 em 5%, ao passo que, os serviços prestados por clínicas médicas abrangidos pelo subitem 4.03 são tributados em 3%.

Daí a relevância da correta conceituação do que sejam consultórios médicos, clínicas médicas e estabelecimentos hospitalares.


2 Conceito de estabelecimento hospitalar para fins de IRPJ e CSLL

O conceito de hospital para fins de tributação não é preciso. Não há definição legal em sentido estrito.

O que existem são normas complementares editadas pela RFB que periodicamente vêm sendo modificadas para restringir o alcance e o conteúdo da expressão "serviços hospitalares".

2.1 Evolução legislativa

A IN nº 306/2003 da RFB, pelo seu art. 23 adotou, para fins de incidência do IRPJ, um conceito bastante amplo do que sejam serviços hospitalares abarcando todos os serviços prestados por pessoas jurídicas, diretamente ligadas à atenção e assistência à saúde, que possuam estrutura física condizente para execução de uma das atividades ou a combinação de uma ou mais atribuições de que trata a Parte II, do Capítulo 2, da Portaria GM nº 1.884, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde, relacionadas nos incisos seguintes.

Seguem-se as enumerações das atividades em cinco incisos, cada um deles contendo inúmeros itens e subitens, abrangendo, dentre outros, os serviços de imunizações; atendimento domiciliar; ações de educação para saúde mediante palestras, demonstração e treinamento in loco, campanhas; vigilância sanitária; atendimento eletivo de assistência à saúde em regime ambulatorial; assistência em regime de internação; prestação de assistência nutricional e de assistência alimentar aos recém-nascidos etc.

Percebe-se, pois, que o conceito de serviços hospitalares está vinculado à finalidade dos diversos serviços médicos prestados.

Essa IN nº 306/2003 foi substituída pela IN nº 480/2004, cujo art. 27 considerou como serviços hospitalares apenas aqueles prestados por estabelecimentos hospitalares. O § 1º desse artigo considerou como estabelecimentos hospitalares aqueles estabelecimentos com pelo menos 5 (cinco) leitos de internação de pacientes, que garantam o atendimento básico do diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilização de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos e organizados para a rápida observação e acompanhamentos dos casos.

Percebe-se, pois, que houve mudança de critério na conceituação de serviços hospitalares que passou a basear-se no local da prestação do serviço em contraposição ao critério anterior baseado na finalidade do serviço prestado.

O art. 27 da IN nº 480/2004 sofreu modificações sucessivas pelas INs ns 539/2005 e 791/2007.

A IN nº 791/2007, para conceituação de serviços hospitalares, mantém o critério do local da prestação de serviços (estabelecimento hospitalar) adotado pela IN nº 480/2004 em sua redação original, porém, conjugando o disposto no caput do art. 27 com o seu § 1º. O parágrafo único do art. 27 da IN nº 480/2004, com a redação conferida pela IN nº 791/2007, incluiu nos serviços hospitalares aqueles prestados por pessoas jurídicas: a) prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo "D") ou em aeronave de suporte médico (Tipo "E"); b) prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos "A", "B", "C" e "F", que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.

Essas duas equiparações não implicam alteração do critério do local da prestação de serviços, pois essas UTIs móveis podem ser consideradas extensão do estabelecimento hospitalar.

Finalmente, o ADI da RFB nº 19/2007, para efeito de enquadramento no conceito de serviços hospitalares a que se refere o art. 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.249/95, adotou na integra o conceito previsto no art. 27 da IN nº 480/2004 com a nova redação conferida pela IN nº 791/2007 retro mencionada.

Quer nos parecer que a conceituação mais adequada do que sejam serviços hospitalares é a que leva em conta a finalidade do serviço prestado, ou seja, a de promover o atendimento à saúde que, na dicção do art. 196, da CF é direito e dever de todos e do Estado. A adoção do conceito previsto no ADI nº 19/2007 implica exclusão das clínicas médicas, das sociedades civis de prestação de serviços odontológicos e de cirurgias maxifaciais de serviços odontológicos e de micro cirurgia ocular, bem como de serviços de apoio a diagnóstico médico por imagem (radiologia, ecografia, tomografia computadorizada etc).

2.2 Da jurisprudência

A jurisprudência do STJ, refletindo os dois critérios previstos nas normas complementares editadas pela RFB, abriga duas correntes: a que conceitua os serviços hospitalares tendo em vista o local da prestação (no estabelecimento do hospital) e a que leva em conta a finalidade dos serviços prestados.

Entre os julgados que partilham a tese do local da prestação do serviço podemos citar o Resp nº 786.569/ RS, cuja ementa é a seguinte:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. BASE DE CÁLCULO. ATIVIDADES HOSPITALARES.

1.O art. 15, § 1º, III, "a", da Lei nº 9.249/95, que reduz a base de cálculo e resulta em menos valor a recolher de pessoas jurídicas que desenvolvem atividades hospitalares, deve ser interpretado restritivamente, para abranger, além dos próprios hospitais, apenas os estabelecimentos que dispõem de "estrutura material e de pessoal destinada a atender a internação de pacientes" (Resp nº 786.569/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJU de 30.10.06).

2.Recurso especial provido".

No mesmo sentido: Resp nº 901.813/ PR e Resp nº 841.131/RS.

Acolhendo a critério da finalidade da prestação de serviço para conceituação do que sejam serviços hospitalares podemos citar o Resp nº 951.251/PR cuja ementa é a seguinte:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LUCRO PRESUMIDO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. BASE DE CÁLCULO. ARTS. 15, § 1º, III, "A", E 20 DA LEI Nº 9.249/95. SERVIÇO HOSPITALAR. INTERNAÇÃO. NÃO-OBRIGATORIEDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. FINALIDADE EXTRAFISCAL DA TRIBUTAÇÃO. POSICIONAMENTO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO DA UNIÃO. CONTRADIÇÃO. NÃO-PROVIMENTO.

1. O art. 15, § 1º, III, "a", da Lei nº 9.249/95 explicitamente concede o benefício fiscal de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não no contribuinte que os executa. Observação de que o Acórdão recorrido é anterior ao advento da Lei nº 11.727/2008.

2. Independentemente da forma de interpretação aplicada, ao intérprete não é dado alterar a mens legis. Assim, a pretexto de adotar uma interpretação restritiva do dispositivo legal, não se pode alterar sua natureza para transmudar o incentivo fiscal de objetivo para subjetivo.

3. A redução do tributo, nos termos da lei, não teve em conta os custos arcados pelo contribuinte, mas, sim, a natureza do serviço, essencial à população por estar ligado à garantia do direito fundamental à saúde, nos termos do art. 6º da Constituição Federal.

4. Qualquer imposto, direto ou indireto, pode, em maior ou menor grau, ser utilizado para atingir fim que não se resuma à arrecadação de recursos para o cofre do Estado. Ainda que o Imposto de Renda se caracterize como um tributo direto, com objetivo preponderantemente fiscal, pode o legislador dele se utilizar para a obtenção de uma finalidade extrafiscal.

5. Deve-se entender como "serviços hospitalares" aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde. Em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.

6. Duas situações convergem para a concessão do benefício: a prestação de serviços hospitalares e que esta seja realizada por instituição que, no desenvolvimento de sua atividade, possua custos diferenciados do simples atendimento médico, sem, contudo, decorrerem estes necessariamente da internação de pacientes.

7. Orientações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria da Receita Federal contraditórias.

8. Recurso especial não provido". (Resp nº 951251/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 3/6/2009).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na verdade essas posições divergentes do STJ refletem a alteração de critérios para conceituação de serviços hospitalares feitas por normas complementares baixadas pela SRF por meio de inúmeras INs retro citadas.

2.3 Alteração da Lei nº 9.249/95

Entendo que aquelas INs que se apegam ao critério do local da prestação de serviços (no prédio do Hospital) perderam base legal a partir do advento da Lei nº 11.727, de 23-6-2008, referida na ementa retro transcrita, que conferiu nova redação ao inciso III, do § 1º, do art. 15, da Lei nº 9.249/95, in verbis:

"III- trinta e dois por cento, para as atividades de:

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA".

Como se vê, o novo texto não mais se apegou ao critério físico (local da prestação do serviço) para definir o que são serviços hospitalares, nem atribuiu competência à RFB pra tanto.


3 Conceitos de consultório médico e de clínica médica para fins do ISS

Examinemos, agora, os conceitos de clínica médica e de consultório médico para efeito de tributação pelo ISS.

3.1 Consultório médico

Conforme de início esclarecido alguns municípios tributam com alíquotas diferenciadas as clínicas médicas e os consultórios médicos, razão pela qual imprescindível a conceituação correta dessas atividades de saúde.

Consultório médico é o local (sala, conjunto, prédio) onde se exerce as atividades previstas no subitem 4.01 da lista anexa à LC nº 116/2003 (medicina e biomedicina). Medicina é o ramo do conhecimento científico voltado para saúde. É um conceito em aberto, pois a cada dia vem surgindo novas descobertas no campo da saúde dando origem a novos ramos específicos da ciência médica. A biometria é o ramo da ciência médica que se dedica à mensuração dos seres vivos, mais especificamente, ao cálculo da duração provável da vida.

Esses atos médicos são praticados em consultório médico onde o profissional limita-se ao exame clínico do paciente (consulta médica) prescrevendo as receitas ou requisitando exames laboratoriais, ou ainda encaminhando o paciente para clínicas ou hospitais especializados.

3.2 Clínica médica

Clínica médica difere de consultório médico por conter no seu estabelecimento (prédio, conjunto) aparelhos de diagnósticos, de radiologia, de ecografia, de tomografia computadorizada etc. que requerem instalações próprias diferenciadas das de um simples consultório médico. A atividade ambulatorial é própria de uma clínica médica. Difere, também, de estabelecimento hospitalar que abrange as atividades de internação e de alimentação inexistentes nas clínicas médicas.

Na prática, verifica-se o enquadramento das clínicas médicas em consultórios médicos (alíquota mais elevada) a pretexto de não existir leitos e serviços de alimentação próprios de hospitais, sustentando que ambos (clínicas médicas e hospitais) estão contidos no mesmo subitem 4.03.

Ora, laboratórios e pronto-socorros, também, estão elencados no mesmo subitem 4.03 e notoriamente não fornecem alimentação, nem dispõem de leitos como os hospitais, as casas de saúde, os manicômios e os sanatórios.


4 Considerações finais

A caracterização de um consultório médico, de uma clínica médica e de um hospital está, na verdade, relacionada com os custos diferenciados na prestação de serviços de saúde. As atividades realizadas em um consultório médico envolvem custo menor que as realizadas em uma clínica médica, onde se faz necessária a existência de aparelhos para diagnóstico por meio de imagens (radiologia, ecografia, tomografia computadorizada etc.). Os serviços hospitalares, por sua vez, implicam custo maior que os das clínicas médicas por necessitarem de uma infra-estrutura maior, inclusive, para promover serviços de internação e de alimentação dos pacientes.

Esses conceitos para fins de ISS só se revelam importantes em municípios onde a legislação tributa com alíquotas diferenciadas essas três atividades ligadas ao serviço de saúde. Não é o caso do Município de São Paulo que tributa todas elas com a mesma alíquota de 2%.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Consultório médico, clínica médica e hospital.: Conceitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2389, 15 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14191. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos