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A reforma da reforma (sobre a proposta de alteração do quórum para as emendas constitucionais)

01/10/2000 às 00:00
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A última vez que uma Emenda Constitucional reformou o processo previsto, no texto de uma Constituição Federal, para a elaboração das Emendas Constitucionais, foi em 14.04.77, com o chamado "Pacote de Abril".

Naquela oportunidade, a Emenda Constitucional nº 8, de 14.04.77, que de Emenda Constitucional tinha apenas o nome, foi editada pelo General-Presidente Ernesto Geisel, com fundamento no § 1º do art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13.12.68, tendo em vista que, em 01.04.77, havia sido decretado o recesso do Congresso Nacional, pelo Ato Complementar nº 102, e que, assim, durante esse recesso, o Chefe do Executivo estaria autorizado a legislar sobre todas as matérias de competência do Congresso Nacional.

O processo de reforma estava previsto nos artigos 47 e 48 da Constituição Federal. Com a emenda nº 8/77, a apresentação da proposta de emenda, que antes poderia ser feita por um terço dos membros da Câmara ou por um terço dos membros do Senado, foi bastante dificultada, porque passou a ser exigida (§ 3º do art. 47) a assinatura de um terço dos membros da Câmara e um terço dos membros do Senado. Além disso, para a aprovação da proposta, que antes era feita por "dois terços dos votos dos membros de suas Casas" (art. 48), passou a ser exigida "a maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional", ou seja, mais da metade do número total de deputados e senadores.


Mas agora, que a chamada "Legislação Revolucionária" foi substituída pela "Constituição Cidadã", a imprensa está noticiando que o Vice-Presidente da República, Marco Maciel, o líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira e os líderes do PSDB, Aécio Neves, e do PFL, Inocêncio Oliveira, são favoráveis à aprovação de uma emenda constitucional, para que seja alterado o processo de reforma previsto no art. 60 da Constituição Federal, permitindo que a reforma tributária seja aprovada por maioria absoluta, tendo em vista que não foi possível conseguir a sua aprovação de acordo com as regras vigentes, que exigem três quintos dos votos dos deputados e três quintos dos votos dos senadores (Constituição Federal de 1.988, § 2º do art. 60).

Em decorrência, estão propondo que sejam realizados estudos jurídicos mais profundos, para que seja encontrada a melhor fórmula. Infelizmente, na minha opinião, essa fórmula não existe, no momento, porque o que eles estão pretendendo é um golpe, haja vista que o Congresso tem apenas poderes constituintes derivados, e por isso mesmo limitados pela Constituição Federal. Quando a Constituinte elaborou a Constituição de 1.988, determinou (art. 60) o processo de sua reforma, que deveria ser respeitado pelo Congresso Nacional. Por essa razão, qualquer Emenda Constitucional que ultrapasse esses limites será inconstitucional, e poderá ser derrubada pelo Judiciário.

A única solução, portanto, para que seja reformado o art. 60 da Constituição, para facilitar a aprovação da reforma tributária, não é uma solução jurídica, porque hoje não dispomos do instrumento excepcional que permitiu a aprovação do "Pacote de Abril", acima referido, e que era o Ato Institucional nº 5/68, que excluía "de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos" (art.11).

Aliás, é preciso dizer que nada justificaria a alteração dessas normas, mesmo que ela fosse juridicamente possível, porque a Constituição de 1.988 já foi muito remendada, muito mais do que qualquer outra de nossas Constituições anteriores, a um ritmo de duas emendas por ano, o que prejudica, evidentemente, a estabilidade que se requer de uma Lei Fundamental, que deve servir como o firme alicerce de todo o nosso ordenamento jurídico. É evidente, portanto, que deveria ser, ao contrário, dificultada a sua reforma (o que também é juridicamente impossível), para que ela não pudesse ser, a todo momento, alterada, em razão de necessidades ocasionais, de interesses imediatos, ou do humor dos eventuais detentores do Poder.

Segundo Oscar Vilhena Vieira, o constitucionalismo democrático, para evitar o arbítrio, impõe dificuldades para aqueles que exercem o poder, e assim as Constituições funcionam como mecanismos de auto-limitação das sociedades democráticas e de garantia dos direitos fundamentais. Diz ele: "Além de servirem como mecanismos de autolimitação, as Constituições também funcionam como instrumentos pelos quais as sociedades democráticas delegam aos governantes uma série de funções, reservando a si os direitos fundamentais e o próprio poder de reconstituir os termos do pacto constitucional. Daí por que o Congresso Nacional não tem autoridade para alterá-lo sem maiores cerimônias. Muito menos realizar uma ampla revisão da Constituição. Sua autoridade legislativa é uma mera delegação, recebida dos cidadãos e, portanto, limitada. A Constituição é o documento que contém os limites e as regras dessa delegação. Seria absolutamente ilógico e contrário à democracia que os representantes pudessem alterar a extensão dessa delegação, alçando- se à posição de autêntico poder constituinte, capaz de realizar uma profunda revisão constitucional, o que se traduziria num simples ato de usurpação da soberania popular". (Fraude Constitucional, http://www.neofito.com.br)

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Assim, não resta dúvida de que é juridicamente impossível reformar o art. 60 da Constituição Federal, para reduzir o "quorum" exigido, com a finalidade de possibilitar a aprovação da reforma tributária, porque o Congresso Nacional é obrigado a respeitar os limites estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário. Somente uma nova Constituinte poderia alterar essas regras, o que não é, evidentemente, improvável, mesmo porque nossas Constituições costumam durar, em média, apenas vinte anos, e a Constituição de 1.988 já está com o seu "prazo de validade" praticamente vencido.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. A reforma da reforma (sobre a proposta de alteração do quórum para as emendas constitucionais). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/142. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Uma versão reduzida foi publicada no jornal A Província do Pará

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